O futuro da regulamentação dos chamados fantasy games

No Brasil, temos alguns fantasy games já bastante conhecidos do público, como o Cartola FC e o Rei do Pitaco/Canva
No Brasil, temos alguns fantasy games já bastante conhecidos do público, como o Cartola FC e o Rei do Pitaco/Canva
Normatização quer diferenciar prática da que é feita pelos jogos de azar e evitar contravenções penais.
Fecha de publicación: 16/03/2022

Os fantasy games são jogos on-line nos quais os usuários escalam equipes virtuais de atletas reais de determinado esporte profissional. A pontuação que o usuário recebe pela escalação de sua equipe virtual é estabelecida com base no desempenho dos atletas nas partidas reais. O organizador do Fantasy Game prevê regras para a conversão do rendimento do atleta na partida real em pontos no jogo.

 

Por exemplo, participações em gols e assistências contam pontos positivos, enquanto gols contra e falhas na defesa contam pontos negativos. Ao fim da rodada no jogo – geralmente correspondente a uma rodada de determinado campeonato real –, os pontos são compilados e o usuário cujo time totalizou mais pontos sobe na classificação ou sagra-se vencedor, de acordo com as regras específicas do jogo.

 

Vê-se, assim, que os fantasy games não são “jogos de azar”, mas sim jogos cujo resultado depende da habilidade do jogador e não de um evento futuro e aleatório. Por esse motivo, são chamados de “jogos de habilidade” ou skill based games. Essa modalidade ainda precisa de maior regulamentação no Brasil e, devido à essa lacuna legislativa, muitos erroneamente a consideram como uma espécie de jogo de azar – o que seria uma contravenção penal conforme as disposições do Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941 (Lei das Contravenções Penais).

 

No Brasil, temos alguns fantasy games já bastante conhecidos do público, como o Cartola FC e o Rei do Pitaco. Nessa modalidade de jogo, os jogadores montam seus próprios times de futebol, escalando técnicos e atletas com base no desempenho que apresentam na vida real. As rodadas do jogo refletem as rodadas de um determinado campeonato que está ocorrendo naquele período (e.g. Campeonato Brasileiro de Futebol – Série A).

 

Ao final de cada rodada do campeonato é atribuída uma pontuação a cada jogador, pontuação essa calculada com base no rendimento dos atletas (escalados para o time virtual) na partida real, realizada de acordo com a tabela do campeonato escolhido.


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A plataforma Rei do Pitaco, por exemplo, premia, em dinheiro, os usuários quando atingem determinadas pontuações e resultados. Premia-se, em verdade, o resultado do desempenho dos participantes, o que nada tem a ver com a simples álea, característica básica dos jogos de azar.  

 

O Cartola FC, que não distribui prêmios em dinheiro aos seus usuários, tem um contingente de mais de 10 milhões de times ativos e 17 milhões de downloads.

 

Recentemente, o Grupo Globo anunciou o lançamento do Cartola Express ainda no primeiro semestre de 2022 – ainda em fase de testes pelos usuários já cadastrados na plataforma – e será um fantasy game semelhante ao Cartola FC, mas contará com premiação em dinheiro aos seus usuários.

 

Os fantasy games no contexto brasileiro

 

O Projeto de Lei nº 442, de 21 de março de 1991 (PL 442/91), atualmente aguardando apreciação pelo Senado Federal, foi apresentado há mais de 30 anos pelo então deputado federal Renato Vianna (MDB-SC) e pretendia legislar sobre jogos de azar e apostas em geral, como jogo do bicho, funcionamento de cassinos, bingos e apostas esportivas (como corridas de cavalos em hipódromos), estabelecendo, por exemplo, os locais e formas nos quais estes jogos poderiam ser realizados.

 

Entretanto, com o avanço da tecnologia e o surgimento de “jogos virtuais” que dependem principalmente da habilidade mental do jogador e não de um mero fator de sorte, a modalidade de “jogo de habilidade” também passou a ser incluída no escopo do PL 442/91, em uma de suas mais de 20 emendas.

 

A abordagem acerca dos fantasy games foi introduzida por um substitutivo ao PL 442/91 e aos seus apensos, datado de 30 de agosto de 2016 (Substitutivo ao PL 442/91). A redação do substitutivo ao PL 442/91 inovou ao estabelecer definições para “jogos de fortuna” (jogos em que o ganho e a perda dependem exclusiva ou principalmente de evento futuro e aleatório) e “aposta” (modalidade de jogo de fortuna) e diferenciá-los dos “jogos de habilidade”, nos quais o resultado é determinado por habilidades mentais ou físicas daquele que deles participa, ainda que haja eventos aleatórios.

 

Desse modo, o artigo 79 do Substitutivo ao PL 442/91 determinou que os “jogos de habilidade” não estariam sujeitos ao regime jurídico instituído pela aludida lei.

 

Apesar de não estabelecer extensa regulação sobre o assunto, o texto proposto pelo substitutivo ao PL 442/91 esclarecia uma questão há muito debatida entre os afeitos ao tema: os jogos de habilidade, como é o caso dos fantasy games, não são jogos de azar e, portanto, não estariam sujeitos às penalidades impostas pela Lei das Contravenções Penais, sendo modalidade legal no Brasil.

 

É interessante notar, contudo, que uma atualização posterior trouxe outra abrangência, mais reduzida, excluindo do texto legal a supracitada redação do artigo 79 sobre os “jogos de habilidade”, mantendo seu escopo nos cassinos, bingos e jogos de turfe.

 

Finalmente, no dia 24 de fevereiro de 2022, a Câmara dos Deputados concluiu a votação do PL 442/91, que foi aprovado. Em 4 de março de 2022, o PL 442/91 foi submetido à apreciação do Senado Federal. Vale ressaltar que a versão do diploma enviada ao Senado Federal reestabeleceu a diferenciação introduzida pelo substitutivo ao PL 442/91, discriminando, em suas definições, “jogo de chance” de “jogo de habilidades mentais”.

 

Segundo a aludida versão, “jogo de chance” seria a classe ou tipo de jogo no qual o resultado é determinado exclusivamente ou predominantemente pelo desfecho de evento futuro aleatório definido no sistema de regras. Já o “jogo de habilidades mentais” seria aquele em que o resultado é determinado majoritária ou principalmente por habilidades mentais daquele que deles participa, como destreza, perícia, inteligência, capacitação e domínio de conhecimentos, ainda que haja eventos aleatórios não prevalecentes.

 

Além disso, o PL 442/91 estabelece que o Ministério da Economia regulamentará a exploração ou a organização de jogos de habilidades mentais no prazo de 90 dias, contado da data de publicação da referida lei.

 

Os fantasy games no contexto internacional

 

No cenário internacional, a movimentação para a legalização ou regulamentação dos fantasy games é notória. Na Índia, por exemplo, cabe às legislaturas estaduais definirem sobre a legalidade dos fantasy games, mas os tribunais tendem a isentar das leis indianas de jogos as modalidades em que o sucesso de um usuário depende do uso de "talento substancial".

 

A própria Suprema Corte indiana demonstrou seu entendimento no sentido de que os jogos de habilidade não são jogos de azar e, portanto, podem ser considerados atividades comerciais.

 

No Canadá, há um projeto de lei em andamento, a “Lei das Apostas Desportivas Seguras e Regulamentadas”, ou C-218, que visa a legalizar as apostas em eventos específicos e sob a administração do governo canadense.

 

Já nos Estados Unidos, até 2018, as apostas esportivas eram ilegais, exceto em lugares como Las Vegas. Contudo, a lei federal que proibia apostas esportivas no país foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos Estados Unidos, passando para os legisladores de cada estado a responsabilidade para tratar do tema. No que se refere aos fantasy games, vale ressaltar que estes são isentos do Unlawful Internet Gambling Enforcement Act, desde que o valor dos prêmios não dependa do número de jogadores, o resultado seja determinado pela habilidade e conhecimento do jogador e seja baseado nos resultados estatísticos de um atleta real e o resultado não seja definido pela pontuação do jogo ou com base apenas no desempenho de um jogador individual.


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É possível notar que há uma grande movimentação no Brasil e no mundo para a regulamentação dos fantasy games, principalmente no que se refere à sua diferenciação da modalidade de jogos de azar. A aprovação do PL 442/91 na Câmara dos Deputados representa um marco para a regulação dos fantasy games no Brasil, uma vez que o diploma não só diferencia os fantasy games (“jogo de habilidades mentais”) dos jogos de azar (“jogo de chance”), mas também determina que a referida modalidade deverá ser regulamentada pelo Ministério da Economia em um prazo de 90 após a publicação da lei.

 

A proposta ainda está sujeita à apreciação do Senado Federal. Contudo, é necessário ressaltar que há fortes barreiras para que o PL 442/91 seja aprovado. O líder do governo, deputado Ricardo Barros (PP-PR), já afirmou que o presidente Jair Bolsonaro vetará o projeto se ele for aprovado pelo Senado Federal.

 

Por hora, resta-nos acompanhar a tramitação e torcer para que ele seja aprovado, visto que sua aprovação trará maior segurança jurídica e transformará o arcaico arcabouço regulatório da Lei das Contravenções Penais – responsável por proibir jogos de azar no Brasil –, que dá margem para uma interpretação errônea de que a proibição estende-se aos fantasy games.

 

*Fernando R. de Almeida Prado, Mariana Grande e Matheus Henrique Stringueto são, respectivamente, sócio e associados do Pinheiro Neto Advogados.

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