O método Bolsonaro de comunicação

Negacionismo, críticas à vacinação em massa da população e defesa de medicamentos sem eficácia comprovada fazem parte da estratégia/ Facebook
Negacionismo, críticas à vacinação em massa da população e defesa de medicamentos sem eficácia comprovada fazem parte da estratégia/ Facebook
Com a conivência do presidente, “gabinete do ódio” tenta minar a democracia por dentro.
Fecha de publicación: 09/06/2021

Aos que acompanham a cena política brasileira não foi nenhuma surpresa as recentes informações acerca do chamado “gabinete do ódio” que, segundo consta, opera sob os auspícios do governo de Jair Bolsonaro (sem partido). De acordo com as investigações, trata-se de uma verdadeira rede de usuários inautênticos que, utilizando-se das redes sociais e de aplicativos de mensagens, disseminam informações falsas e atacam adversários do titular do Planalto e de seu entorno.

Confirma-se, assim, algo que já era percebido pelos mundos político e jurídico e também pela imprensa e classe artística. A questão ganha agora materialidade com a identificação dos atores envolvidos, muitos deles próximos ou mesmo íntimos do presidente da República.


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Entre as ações promovidas pelo grupo estão atos pedindo o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, que acabaram virando alvo de inquérito perante a Corte.

A pandemia, por sua vez, abriu novas frentes para o “gabinete do ódio”. O negacionismo, as críticas à vacinação em massa da população e a defesa de medicamentos sem eficácia comprovada entraram no cardápio dos comandantes desse coletivo.

Fica cada vez mais claro que, com a conivência do presidente, o “gabinete do ódio” tenta minar a democracia por dentro, visando o fortalecimento do projeto político do atual grupo no poder. Trata-se da reprodução, em terras brasileiras, do movimento tentado pelo republicano Donald Trump, levado ao extremo na frustrada tentativa de invasão do Capitólio às vésperas da posse do democrata Joe Biden.

O roteiro para o “ataque ao sistema” está dado. Ao questionar a lisura das urnas eletrônicas, o presidente da República abre terreno para rejeitar uma eventual derrota eleitoral em 2022; as críticas à imprensa esvaziam, aos olhos de seus apoiadores, a veracidade das notícias; as intervenções na Petrobras e no Banco do Brasil, com fins políticos, reforçam a mensagem de “defesa dos interesses da nação” a seus eleitores; a aproximação com as polícias militares fragiliza os governadores, muitos deles adversários do presidente; a instrumentalização do Parlamento, por meio da liberação irregular de verbas, neutraliza uma potencial frente de atritos; o ataque sistemático às instituições, enfim, coloca em risco o funcionamento pleno da democracia.

O eleitorado mais fiel de Bolsonaro, pouco menos de 30% dos brasileiros aptos a votar, segue alimentado pelas informações distribuídas pelo gabinete paralelo do governo. Esse contingente rompeu em definitivo com os instrumentos usuais para divulgação de fatos (jornais, TV, revistas, sites), não importando a origem - o recente episódio com a prestigiada revista britânica The Economist ilustra o quadro. O que for publicado ou divulgado pela mídia tradicional não atinge e não alcança mais o bolsonarismo raiz, que se alimenta única e exclusivamente de rede própria, em muito alimentada pela própria família Bolsonaro e pelo “gabinete do ódio”.


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A oposição, para ser vitoriosa no próximo ano, precisa ter em mente essa realidade. Romper essa bolha é essencial e urgente.

*André Pereira César é cientista político e Alvaro Maimoni é consultor jurídico.

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