O novo marco de securitização de recebíveis

Constituição de regime fiduciário antes só era conferida a companhias securitizadoras sobre os recebíveis vinculados a CRAs ou CRIs/Canva
Constituição de regime fiduciário antes só era conferida a companhias securitizadoras sobre os recebíveis vinculados a CRAs ou CRIs/Canva
Medida Provisória ajuda a melhorar padronização na estruturação das operações.
Fecha de publicación: 11/04/2022

O Governo Federal editou a Medida Provisória nº 1.103, que dispõe, dentre outras matérias, sobre as regras gerais aplicáveis à securitização de direitos creditórios e à emissão de certificados de recebíveis.

Dentre as inovações trazidas pela MP nº 1.103, umas das mais relevantes é possibilidade de se constituir regime fiduciário em operações cujos recebíveis sejam vinculados ao pagamento de quaisquer tipos de valores mobiliários, proteção que até então somente era conferida a companhias securitizadoras sobre os recebíveis vinculados a Certificados de Recebíveis Imobiliários - CRIs ou Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRAs.

Nesse sentido, estabelece o parágrafo único do artigo 17 da Medida Provisória nº 1.103 que “são consideradas operações de securitização a emissão e a colocação de valores mobiliários junto a investidores, cujo pagamento é primariamente condicionado ao recebimento de recursos dos direitos creditórios que o lastreiam”.


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Na mesma linha do dispositivo acima e diferentemente dos artigos 9º da Lei 9.514/97 e 39 da Lei 11.076/04, que restringiam tal possibilidade à operações envolvendo Certificados de Recebíveis Imobiliários - CRIs ou Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRAs, respectivamente, o artigo 24 da Medida Provisória nº 1.103 estendeu a possibilidade de se constituir regime fiduciário a operações cujos recebíveis sejam vinculados a quaisquer tipos de valores mobiliários:

Art. 24. A companhia securitizadora poderá instituir regime fiduciário sobre os direitos creditórios e sobre os bens e direitos que sejam objeto de garantia pactuada em favor do pagamento dos Certificados de Recebíveis ou de outros títulos e valores mobiliários representativos de operações de securitização e, se houver, do cumprimento de obrigações assumidas pelo cedente dos direitos creditórios”.

Nos termos do artigo 25 e do parágrafo sétimo do artigo 21, ambos da Medida Provisória nº 1.103, o regime fiduciário será instituído mediante declaração unilateral da companhia securitizadora ao firmar termo de securitização ou o instrumento de emissão dos valores mobiliários em questão, devendo este ser registrado em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil ou pela Comissão de Valores Mobiliários autorizada a exercer a atividade de registro ou depósito centralizado de ativos financeiros e de valores mobiliários, nos termos do disposto na Lei nº 12.810/2013.

Constituído o regime fiduciário, estabelece o artigo 26 da Medida Provisória nº 1.103 que os direitos creditórios a ele atrelados passarão a estar sujeitos às seguintes regras:

  1. constituirão patrimônio separado, que não se confunde com o seu patrimônio comum ou com outros patrimônios separados de titularidade da companhia securitizadora decorrentes da constituição de regime fiduciário no âmbito de outras emissões de valores mobiliários;
  2. serão mantidos apartados do patrimônio comum e de outros patrimônios separados da companhia securitizadora até que se complete a amortização integral da emissão a que estejam afetados;
  3. serão destinados exclusivamente à liquidação dos valores mobiliários a que estiverem afetados e ao pagamento dos custos de administração e de obrigações fiscais correlatas, observados os procedimentos estabelecidos dos documentos da emissão;
  4. não responderão perante os credores da companhia securitizadora por qualquer obrigação;
  5. não serão passíveis de constituição de garantias por quaisquer dos credores da companhia securitizadora, por mais privilegiados que sejam; e
  6. somente responderão pelas obrigações inerentes aos valores mobiliários a que estiverem vinculados.

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Mesmo antes da nova regra, o mercado já conseguia um efeito semelhante ao regime fiduciário em operações que não envolviam Recebíveis Imobiliários - CRIs ou Certificados de Recebíveis do Agronegócio – CRAs, valendo-se de institutos jurídicos então existentes.

Um exemplo são as debêntures financeiras, reguladas pela Resolução 2.686/00, do Conselho Monetário Nacional, operações em que, para se proteger o investidor contra credores da securitizadora, especialmente em caso de insolência, costumava-se constituir uma cessão fiduciária sobre os recebíveis financeiros vinculados à emissão.

Tais mecanismos, todavia, traziam uma série de complicações operacionais, complexidade na estruturação de documentação, bem como um aumento de custos com registro em cartórios de títulos e documentos da garantia, especialmente em caso revolvência de direitos creditórios.

A expectativa é que a Medida Provisória nº 1.103 represente um grande avanço para indústria de securitização no Brasil, não somente por possibilitar uma maior padronização na estruturação das operações com diferentes mobiliários, mas também por propiciar uma redução dos custos de sua implementação e conferir maior segurança jurídica para os investidores em relação à blindagem dos direitos creditórios vinculados contra credores e outras obrigações da securitizadora.

Apesar de ter entrado em vigor em sua data de publicação, cumpre ressaltar que a Medida Provisória nº 1.103 ainda precisa ser convertida em lei pelo Congresso Nacional. O seu prazo de vigência é de 60 dias, prorrogável automaticamente por igual período, caso a votação não tenha sido concluída dentro de tal período.

*Thales Saito é sócio de Mercado de Capitais e Walter Pellecchia é advogado da área Financeira do Machado Meyer Advogados

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