O papel da mediação empresarial em tempos de crise

Chegar ao acordo é o objetivo comum das partes, o que contribui para a satisfação mútua e propicia maiores chances de adimplemento do acordo/Pixabay
Chegar ao acordo é o objetivo comum das partes, o que contribui para a satisfação mútua e propicia maiores chances de adimplemento do acordo/Pixabay
É preciso analisar as vantagens que o procedimento oferece e pode vir a oferecer às empresas e aos negócios.
Fecha de publicación: 17/08/2020

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Os mais variados e possíveis cenários de crise são sempre motivo de preocupação e planejamento. As empresas concentram-se em números, metas, contratos, reputação, estoques, vendas, riscos tangíveis e intangíveis, acidentes naturais e tecnológicos, ações criminosas e proteção de dados. Os indivíduos impactados pela instabilidade econômica, em menor ou maior grau, preocupam-se com empregos, investimentos, dívidas e tantos outros compromissos assumidos.

Do poder público demanda-se resposta imediata aos indivíduos e às empresas para minimizar (e, por vezes, dirimir) os conflitos e garantir o bem-estar social. É isso que se vê desde o início do ano de 2020. Os efeitos da pungente crise mundial desencadeada pela pandemia de covid-19 são imensuráveis e têm atingido todos os setores da sociedade.

Nesse contexto de tantas incertezas, é importante refletir sobre a movimentação do já atribulado Poder Judiciário para a resolução de conflitos resultantes da crise que vivenciamos. A recessão econômica enfrentada pelas empresas e a perda de renda dos cidadãos são diretamente proporcionais ao aumento do número de novos litígios de toda ordem: familiares, consumeristas, trabalhistas, contratuais, societários, falimentares, de recuperação judicial etc.

Além dos prejuízos decorrentes da paralisação ou redução das atividades operacionais com o imprevisível período de quarentena, os problemas das empresas podem ser agravados sobremaneira por processos que se prolongam durante anos a fio. Os conflitos demandam resposta rápida das instituições para permitir a circulação de recursos e, com isso, que as empresas retomem o curso dos negócios e os cidadãos possam honrar seus compromissos. Estão em jogo não apenas a destinação de infindáveis recursos (das partes e do Poder Judiciário) a causas ao longo de anos, mas também o desgaste dos envolvidos, a credibilidade da empresa, a viabilidade do negócio e, em última análise, a geração de empregos.

O método tradicional de resolução de conflitos com o ajuizamento de demanda, contraditório, produção de provas, sentença e recursos deve ser o último caminho para a solução de disputas relacionadas ao momento atual em que vivemos.

Sem o intuito de apontar os métodos alternativos de resolução de conflitos como remédio para as patologias do Poder Judiciário, o objetivo deste artigo é demonstrar a importância e as vantagens de se alcançar boas soluções com a mediação, especialmente em tempos de crise.

Na ausência de precedentes que se apliquem à situação que vivemos (nada se encontra nos tribunais que sirva de norte à solução de disputas judiciais relacionadas à pandemia), não é possível prever a probabilidade de êxito de tal ou qual medida judicial. A imprevisibilidade do desfecho das medidas judiciais, aliada à necessidade de célere circulação de recursos, aumenta consideravelmente as vantagens de usar a mediação como forma de solução de litígios.

Um dos mais relevantes fatores associados à efetividade da mediação é a autocomposição das partes sem interferência direta e parcial do mediador. Elas podem contar com profissional especializado na controvérsia, elevando o nível das discussões e contribuindo para o diálogo.

Chegar ao acordo é o objetivo comum das partes, o que contribui para a satisfação mútua e propicia maiores chances de adimplemento do acordo. Não é preciso apontar quem estava certo ou errado, quem perdeu ou quem ganhou, o importante é conciliar os interesses e permitir que ambas as partes possam prosseguir com suas atividades.

Pesquisas confirmam que mediações realizadas em países com ampla aderência a esse método privado têm índices altíssimos de sucesso – cerca de 89% no Reino Unido e 75% nos Estados Unidos em 2017. Os mesmos estudos estimam que cerca de 70% a 90% dos casos judicializados nos Estados Unidos terminam em acordo. Ainda, em se tratando de satisfação, um estudo realizado com 368 empresas do ranking “Fortune 1000” em 2011,aponta que 98% teriam utilizado a mediação nos três anos anteriores e 89% indicam a provável utilização da mediação no futuro.

Diferentemente da mediação, a solução de conflitos tradicionalmente litigiosa, por meio da figura do juiz no Poder Judiciário e do árbitro ou do tribunal arbitral na arbitragem, dificilmente resolve o verdadeiro conflito e adequa os interesses das partes. A insatisfação e relutância ao provimento jurisdicional resulta na interposição de recursos e na utilização de outras manobras que podem postergar, por anos, o desfecho da controvérsia, causando imenso desgaste às partes.

O tempo é outro fator extremamente relevante a se ponderar na utilização da mediação na tentativa de resolução do conflito. Conforme dados publicados no relatório “Justiça em Números” em 2019, a duração média de um procedimento privado de mediação é de até quatro meses e meio, em contrapartida à arbitragem, que pode levar até dois anos e meio até o laudo arbitral.

O processo judicial, na dianteira, leva em média quatro anos e dez)meses até o julgamento em primeira instância. Quando a natureza da causa é falência ou recuperação judicial, o tempo para desfecho é dobrado ou triplicado.

As consequências do volume exacerbado de demandas e deficiências estruturais do Poder Judiciário são desastrosas quando considerado o fator tempo para a resolução do conflito. Muitas vezes, o provimento judicial pode não mais se adequar aos interesses e à realidade fática das empresas quando é pronunciado, com consequências práticas inestimáveis. Nesse cenário de crise, não é ousado afirmar que muitas empresas podem não sobreviver ao tempo das demandas.

A celeridade do procedimento de mediação implica, naturalmente, a diminuição dos custos despendidos pelas partes. Vale mencionar que os valores envolvidos nos procedimentos de mediação, tanto em câmaras privadas como no Judiciário, são notavelmente reduzidos em comparação aos custos de um processo judicial ou procedimento arbitral. Muitas câmaras privadas apresentam, ainda, condições especiais com a possibilidade de redução de custos em caso de insucesso da mediação ou na realização do procedimento durante o curso de uma arbitragem.

Além disso, é considerável a racionalização dos custos quando se consideram, globalmente, os impactos de uma mediação bem-sucedida, a exemplo da prevenção da judicialização repetitiva que, além de saturar o Poder Judiciário, demanda custeio de despesas, custas, pagamento de condenações, honorários sucumbenciais etc. A esse respeito, é relevante citar que há casos emblemáticos e complexos que foram resolvidos por meio de câmaras de indenização envolvendo a mediação.

Essa experiência já foi vista em acidentes aéreos (Câmara de Indenização 3054, relacionada à indenização dos familiares das vítimas do voo JJ3054, e Programa de Indenização 447, relacionado à indenização dos familiares das vítimas do voo AF 447); acidentes ambientais (PIM – Programa de Indenização Mediada, relacionado às indenizações dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, e CIB – Centro de Indenização de Barragens, relacionado às indenizações dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Brumadinho); questões consumeristas de massa envolvendo serviços de telecomunicações; e até mesmo questões envolvendo a negociação de créditos de empresa de telefonia no âmbito de recuperação judicial, conforme determinação da 7ª Vara Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro em 2017.

Em meio à crise causada pela Covid-19, a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos termos do Provimento nº 11/2020, instituiu projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processual para disputas empresariais decorrentes da pandemia. Inovadora, a resolução inclui o juiz na fase pré-processual para realização de sessão de conciliação com as partes, que deverão ser encaminhadas para a mediação caso a tentativa seja infrutífera.

O mediador deverá ser escolhido em comum acordo pelas partes e, em caso de dissenso, designado pelo juiz. Às partes, basta elaborar requerimento de instauração do procedimento, via e-mail, com as devidas qualificações, pedido e causa de pedir. As sessões devem ser realizadas no formato eletrônico, por meio do Microsoft Teams. O provimento não prevê, contudo, a utilização do método em questões envolvendo pedidos de recuperação judicial e falência, o que já vem sendo aplicado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.

Nessa mesma linha, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) divulgou, em maio deste ano, o lançamento de plataforma on-line para realização de mediação, justamente para evitar o acúmulo de processos judiciais pós-pandemia.

Embora possa haver resistência cultural, é preciso analisar atentamente todas as vantagens que o procedimento de mediação oferece e pode vir a oferecer às empresas e aos negócios, incluindo aspectos estruturais que aparentemente não compõem o conflito em evidência, mas que constituem uma visão mais ampla e contemporânea do acesso à Justiça.

O atual cenário de crise requer do Poder Judiciário, mais do que nunca, o enfoque na adoção de medidas preventivas para evitar a distribuição de muitos processos para rediscussão de contratos e pleitos de aplicação das excludentes de responsabilidade por força maior ou caso fortuito, por exemplo.

Na essência, a efetiva recuperação econômica das empresas e dos negócios é condição para a recuperação econômica do país e a pacificação social. Nesse cenário, a mediação constitui ferramenta essencial e indiscutivelmente prática para o alcance desses objetivos, contribuindo para a gestão de crises como a atual e de outras de tão diversa natureza.

Ao final, toda crise traz à tona mudanças estruturais forçadas, que, a despeito das dificuldades, certamente contribuem para evolução cultural da sociedade e das instituições.

*Eliane Carvalho e Ana Paula Bressani são sócias e Manoela Ramos Simão é advogada do Machado Meyer Advogados.

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