A Constituição Federal existe para proteger determinados valores que são diretamente atingidos pela pirataria ou contrafação de marcas. Nesse sentido, a ordem econômica brasileira busca o pleno emprego, a defesa do meio ambiente, a defesa do consumidor e a livre concorrência, todos estes valores são direta ou indiretamente atingidos pela pirataria, uma vez que essa prática impede a criação de inúmeras vagas de empregos no país, resulta em sonegação fiscal, inibe a entrada de novos investidores e provoca um prejuízo de aproximadamente R$ 300 bilhões às empresas instaladas em nosso país.
Para coibir tais efeitos deletérios à ordem econômica, as autoridades alfandegárias nacionais realizam um valoroso trabalho para evitar que mercadorias falsificadas sejam desembaraçadas e inseridas no comércio brasileiro. Apenas no primeiro semestre de 2021, ações conjuntas da Receita Federal e da Polícia Federal apreenderam aproximadamente R$ 2,5 bilhões em mercadorias ilegais.
De acordo com o Decreto nº 6.759/2009 e a Lei nº 9.279/1996, as autoridades podem realizar a apreensão de ofício das mercadorias objeto da contrafação, no curso da conferência aduaneira para fins de importação ou exportação, mantendo-as retidas para fins de notificação ao titular dos direitos da marca, o qual terá o prazo de 10 dias úteis (renováveis por igual prazo, uma única vez, sob justificativa) para promover a competente ação judicial com os fins de manter a apreensão.
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Se as medidas judiciais não forem tomadas pelas empresas interessadas tempestivamente, o despacho aduaneiro das mercadorias apreendidas poderá ter prosseguimento, desde que cumpridas às demais condições para importação, permitindo, assim, a internalização destas mercadorias. Essa questão, por si só, já revela a importância que os titulares dos direitos possuem para a efetiva repreensão dos atos de contrafação.
Não obstante, fora a possibilidade de apreensão ex officio pela aduana, também é possível que a empresa apresente um requerimento para retenção dos produtos, caso em que deverá apontar os elementos que apontem para a suspeita da prática de violação à sua propriedade industrial.
Nota-se que o titular da marca possui um papel crucial no combate à contrafação até porque as técnicas de falsificação estão cada vez mais aprimoradas, dificultando a identificação da contrafação. Denota-se, assim, a importância de estabelecer uma conexão mais próxima das empresas interessadas com as autoridades alfandegárias, seja através da prestação de informações, seja pela apresentação de laudos de inautenticidade, ou mesmo pela promoção de treinamentos in loco sobre o seu portfólio.
Por essa perspectiva, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em parceria com o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual (CNCP), criou, por meio da edição da Resolução nº 1/2013 do CNCP, o Diretório Nacional de Combate à Pirataria. Trata-se de um sistema eletrônico para apoio às autoridades, e que se encontra disponível em todos os portos e aeroportos do Brasil. Os titulares das marcas podem se cadastrar de maneira simples e gratuita, mantendo contato próximo e ágil com autoridades aduaneiras, policiais e periciais, além de fornecer orientações, informações e arquivos digitais que auxiliem a fiscalização na identificação dos produtos falsificados.
Não à toa, o NDCC recebeu grande foco nas metas previstas no Plano Nacional de combate à pirataria, ao contrabando, à sonegação fiscal delas decorrentes e aos delitos contra a propriedade intelectual (PNCP 2022-2025, aprovado pela Resolução nº 3/2021 do CNCP). O Plano prevê não apenas a ampliação do sistema, mas também a expansão e consolidação do Diretório para aumentar a participação dos titulares dos direitos e das instituições públicas.
Hoje, já são mais de 250 empresas cadastradas, representando mais de 30.000 marcas e mais de 80 arquivos digitais depositados. Curiosamente, o Brasil representa apenas 12% dessas empresas e 8,4% das marcas com cadastrado no Diretório, ou seja, apenas 31 titulares de marcas brasileiros fazem parte do sistema criado para combater as fraudes em nosso país.
Engana-se quem pensa que o processo de adesão é oneroso à empresa. Muito pelo contrário, além de simplificado e gratuito, o cadastro pode ser feito mediante representante, por meio de preenchimento de formulário e procuração cujos modelos estão disponíveis no próprio site do Diretório. Ressalta-se que esses representantes de maneira alguma se confundem com os representantes legal e comercial da empresa, sendo aqueles constituídos tão somente para efetuar cadastro no Diretório e auxiliar as autoridades públicas em seu mister, e a realizar as seguintes atividades:
a) obtenção de exemplares, manuais ou informações de produtos originais, para fins de perícia em produtos contrafeitos apreendidos pela autoridade policial;
b) obtenção de representações e documentos para fins de instauração de inquérito policial ou elaboração de termo circunstanciado em operações destinadas a coibir o comércio de produtos falsificados;
c) obtenção e elaboração de laudos referentes à autenticidade de produtos retidos ou apreendidos por autoridades públicas;
d) ajuda e orientação para destinação ou destruição de produtos falsificados apreendidos;
e) tomada de decisão relativa à retenção de mercadorias com suspeita de contrafação por quaisquer órgãos de fiscalização; e
f) atendimento a outras demandas originadas dos órgãos repressivos e fiscalizadores, relacionadas a ações de combate à pirataria e aos delitos contra a propriedade intelectual.
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Nessa esteira, é possível que todo o trabalho seja efetuado por um ou mais procuradores, os quais não se confundem com o representante da marca junto ao INPI - por exemplo, é possível que se escolham procuradores em localizações estratégicas e/ou experts em determinados segmentos -, de maneira a tornar mais eficiente a contribuição do titular dos direitos à fiscalização aduaneira e a proteção dos seus direitos de Propriedade Industrial.
Contudo, um requisito importante para adesão ao sistema é o prévio registro da marca no INPI, o que demonstra a importância das empresas em buscar proteger sua identidade e suas criações por meio dos registros junto ao Instituto. É certo dizer que o registro da marca no INPI é um elemento de suma importância para a proteção dos direitos do titular, apto a “abrir portas” para outros meios de salvaguarda desses direitos. Destaca-se que um único cadastro no CNCP é válido para todas as marcas registradas do titular, inclusive às posteriormente concedidas.
Observa-se, portanto, a relevância de uma posição ativa por parte das empresas, titulares das marcas registradas, com o fim de se posicionar no ecossistema de ações de repreensão e combate à pirataria e outras infrações de contrafação, cenário que demanda uma postura de compartilhamento, tanto quanto possível, de informações e recursos, que, ao fim e ao cabo, ajudarão a consagrar o princípio maior de desenvolvimento econômico do país pelo combate à concorrência desleal.
*José Carlos Higa de Freitas e Marcos Javarotti, integrantes da Advocacia Ruy de Mello Miller.
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