O PIX e o ICMS: Análise do Convênio 50/2022 do Confaz

Dúvidas surgiram sobre eventual tributação das transações eletrônicas realizadas através do PIX/Foto: Marcello Casal Jr - Agência Brasil
Dúvidas surgiram sobre eventual tributação das transações eletrônicas realizadas através do PIX/Foto: Marcello Casal Jr - Agência Brasil
Convênio trata unicamente de medida fiscalizatória das operações, não sendo viável a instituição de tributação sobre essas operações.
Fecha de publicación: 27/01/2023

O lançamento do PIX, ferramenta de pagamento eletrônico instantâneo, pelo Banco Central do Brasil, no mês de setembro de 2020, foi sem dúvida a maior transformação nas ferramentas de pagamento desde a popularização dos cartões de crédito em meados dos anos 1990.

Com a ferramenta, muitos brasileiros, até então usuários de meios convencionais de pagamento, como o dinheiro, passaram a poder realizar transações de forma mais rápida, eficiente e segura, sem o inconveniente de ter de portar numerários em suas bolsas ou carteiras. O comércio e o setor de serviços foram os grandes beneficiados com a novidade, pois passaram a contar com um novo instrumento para fomentar suas operações e aumentar as vendas.

Mesmo o pagamento de algumas taxas e tributos passou a ser possível de forma instantânea, aumentando o volume de transações financeiras no país, ajudando a manter, dentro do possível, a economia funcionando normalmente mesmo durante o período mais agudo da pandemia de Covid-19.

Dois anos após a implementação do sistema, o PIX é hoje uma das principais ferramentas de pagamento, movimentando, apenas no último trimestre do ano de 2021, R$ 3,89 bilhões de reais, superando as transações realizadas pelos cartões de crédito (3,73 bilhões) e débito (3,85 bilhões), de acordo com dados do Banco Central do Brasil – Bacen.

No entanto, com o novo meio de pagamento surgiram questionamentos acerca da gratuidade dos serviços — já que as modalidades correntes de transferência de valores (TED e DOC) cobravam taxas para realização do serviço —, assim como dúvidas sobre eventual tributação das transações eletrônicas realizadas através da nova modalidade.


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Recentemente, houve rumores acerca de uma possível cobrança de ICMS (Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre as transações eletrônicas realizadas via PIX. Isto porque, no dia 11/04/2022, foi publicado, no Diário Oficial da União, o Convênio 50/2022 do Confaz – Conselho Nacional de Política Fazendária, que alterou o previsto no Convênio ICMS nº 134/16 acerca do fornecimento de informações prestadas por instituições financeiras e de pagamento, integrantes ou não do Sistema Brasileiro de Pagamentos (SBP).

O inciso II desse Convênio altera os parágrafos quarto e quinto do convênio firmado em 2016, passando a dispor que: “§ 4º Os bancos de qualquer espécie, referentes às operações não relacionadas aos serviços de adquirência, deverão enviar as informações de que trata este convênio a partir do movimento de janeiro de 2022, conforme cronograma disposto nos incisos a seguir (...) § 5º As transações realizadas via PIX deverão ser enviadas de forma retroativa, desde o início dos serviços deste meio de pagamento, ressalvado o disposto no § 4º.”.

Assim, à primeira vista, poderia parecer que a instrução contida no Convênio previa a informação de dados referentes às transações realizadas pelo PIX com a finalidade de fiscalizar e subsidiar a cobrança de tributo sobre as operações realizadas pelo aplicativo. Contudo, tal especulação é carente de qualquer fundamento jurídico.

Neste sentido, é importante esclarecer alguns elementos quanto à natureza jurídica e à competência tributária para instituição do ICMS, fixadas no art. 155 da Constituição Federal que estabelece que “Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993).

O dispositivo constitucional foi regulamentado pela Lei Complementar 87/1996, conhecida como Lei Kandir, que fixou critérios para caracterização da qualidade de contribuinte, fato gerador do imposto e os casos de não incidência e isenção do tributo, subsidiando a elaboração da legislação pelos estados.

Desta forma, o convênio firmado durante a reunião do Confaz determina às instituições financeiras e de pagamento — vinculadas ou não ao Sistema Brasileiro de Pagamentos — que informem, de forma retroativa, todas as transações financeiras efetuadas pelo aplicativo a partir de seu lançamento, objetivando assegurar a fiscalização das operações, sobretudo comerciais, realizadas através do serviço de pagamento digital.

Isso significa que as informações prestadas às autoridades fazendárias serão utilizadas com a finalidade de apurar eventual não recolhimento do tributo pelos estabelecimentos comerciais que detenham a obrigação do lançamento tributário, através do cruzamento de dados com as informações declaradas por meio de Escrituração Fiscal Digital.


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Ao cruzar as informações quanto ao recebimento de numerários com dados quanto à emissão de nota fiscal, é possível verificar a eventual sonegação do ICMS. Importante notar que, no mesmo sentido, hoje as instituições financeiras são obrigadas a fornecer os dados referentes às transações bancárias realizadas mediante a captação de cartão de crédito, em razão da possibilidade da ocorrência de fraudes fiscais, através da não emissão de cupom fiscal ou nota fiscal eletrônica ao consumidor.

A medida tem, portanto, a finalidade de subsidiar o combate à sonegação.

Segundo dados de estudo realizado no ano de 2020 pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), estima-se que a sonegação de tributos no país chegou a mais de R$ 417 bilhões de reais no ano de 2019, dos quais apenas 65,49% foram convertidos em autos de infração, com valor total de R$ 273,1 bilhões, sendo 94,7 bilhões referentes apenas ao ICMS, valor superior a 1% do PIB nacional no mesmo período; uma perda de arrecadação astronômica para os estados.

Neste sentido, é importante destacar que, se for o caso de aplicar-se eventual tributação incidente sobre as operações via PIX, esta deverá ser instituída mediante aprovação de Lei Ordinária (art. 150 da Constituição Federal), que deve ser aprovada pelo Congresso Nacional (princípio da legalidade tributária) e terá como fato gerador a mera transferência eletrônica de valores, nos moldes da antiga CPMF.

Desta forma, portanto, o convênio editado pelo Confaz trata unicamente de medida fiscalizatória das operações envolvendo a circulação de mercadorias e serviços, não se confundindo com possível fato gerador sobre transações realizadas através do sistema PIX e não sendo sequer viável a instituição de quaisquer outras formas de Tributação sobre essas operações, permanecendo o PIX, até o momento, como alternativa de pagamento 100% gratuita, moderna e eficiente.

*Pedro Batistoti Boller é advogado do escritório Ernesto Borges Advogados.

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