O que aprendemos no ano da pandemia?

Ninguém deseja enfrentar uma tempestade perfeita como a de se envolver em um problema reputacional grave durante um período de crise generalizada/Pixabay
Ninguém deseja enfrentar uma tempestade perfeita como a de se envolver em um problema reputacional grave durante um período de crise generalizada/Pixabay
Nem sempre os executivos, em meio aos ventos da tempestade, são capazes de perceber todas as consequências de uma decisão.
Fecha de publicación: 11/01/2021
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Dizem os otimistas que mesmo diante de acontecimentos difíceis podemos tirar ao menos alguma lição. Talvez a melhor versão dessa máxima seja a de que "o que não me mata me torna mais forte", de Nietzsche. Entretanto, do ano de 2020, com seus mais de dois milhões de mortes pelo mundo em virtude da pandemia de Covid-19, pouco pode ser comemorado como positivo.

Há muito a lamentar, muito foi perdido e precisaremos tempo para poder prantear os que se foram e para retomar o positivismo com a recuperação da economia. Mas é preciso seguir em frente e já podemos tirar algum aprendizado de tudo o que aconteceu.

Aprender com os erros talvez seja uma das maiores virtudes humanas. Isso vale não somente para indivíduos, mas também para empresas e outras organizações. A destruição causada pela pandemia, antes de mais nada, mostrou que é preciso construir em qualquer empresa uma estrutura resiliente, capaz de permitir o crescimento nos anos bons, mas também garantir a sobrevivência do negócio durante períodos de crise. E o século XXI tem sido bastante pródigo em crises mundiais que impactaram severamente a economia.

Basta lembrarmos do congelamento do mercado financeiro durante a crise do subprime nos anos 2008/2009, e agora perceber o quanto um vírus pode alterar aquilo que acreditamos ser o normal em nossas vidas. Crises são recorrentes na história humana, mas são esquecidas facilmente em algumas gerações. Entretanto, além da Covid-19, estão aí os perigos do aquecimento global, ameaças à democracia, migrações em massa e fome a ameaçar o planeta. Talvez crises passem a ser o novo normal neste século.

Empresas que desejem ser sólidas, dessa maneira, não podem deixar de aprender com o passado. Não se trata de repetir a lição de que crises são oportunidades. Podem até ser, mas muitas vezes não o são, caracterizando-se apenas como momentos em que se tem que prudentemente recolher as velas, manter o rumo e enfrentar a ventania com coragem.

Nesse aspecto, o compliance pode ajudar muito. Ninguém deseja enfrentar uma tempestade perfeita como a de se envolver em um problema reputacional grave durante um período de crise generalizada. E é justamente garantindo a tranquilidade interna necessária para fazer frente aos eventos externos excepcionais como a atual pandemia que a conformidade se revela como uma sábia decisão empresarial. É melhor prevenir, pois muitas vezes não há como remediar.

Além disso, não bastasse permitir a todos os stakeholders a tranquilidade de saberem que a empresa está comprometida com uma governança de qualidade, o que não é pouco em momentos de retração do mercado financeiro e do consumo, o compliance também impõe à empresa um papel positivo na superação da crise, fortalecendo políticas e mensagens de suporte aos empregados, colaboradores, consumidores e a toda sociedade, enfatizando seus valores éticos e seu compromisso com a população e o planeta. Nessa hora o que se espera dos executivos e principais acionistas é ao menos empatia com todos aqueles que sofrem em virtude da crise. Mas mais do que empatia, compliance exige ação.

Um exemplo positivo que demonstra perfeitamente a necessidade de conformidade ética das organizações em períodos atribulados como o atual é o do esforço mundial entre empresas e instituições públicas ou semipúblicas, como universidades, fundações e institutos de pesquisa, para se alcançar a produção em tempo recorde de vacinas para o enfrentamento da pandemia da Covid-19. Entre os diversos esforços, podemos apontar o da empresa privada AstraZeneca, que desenvolveu em conjunto com a quase milenar Universidade de Oxford uma vacina eficaz contra a doença e que pode ser perfeitamente distribuída dentro das condições de temperatura já usuais a outras espécies de vacinas.

Não bastasse, houve ainda o compromisso da empresa de não se cobrar nada além do custo de sua manufatura, abrindo-se mão espontaneamente de qualquer lucro com seu desenvolvimento, produção e distribuição, bem como também o comprometimento de compartilhar a tecnologia com instituições de saúde pelo mundo, como a nossa Fiocruz, o que permitirá a sua produção descentralizada, em larga escala e a custo reduzido.

Em um sentido completamente oposto ao desse altruísmo, temos aqueles que se colocaram de forma completamente egoísta durante essa pandemia, minimizando os seus efeitos e as mortes que dela decorreriam. É certo que muitos empresários enfrentaram e ainda enfrentam momentos de muita dificuldade durante esta crise, o que pode lhes absolver em parte de erros cometidos.

Entretanto, muitas vezes o mercado não será assim tão piedoso, podendo gerar contra a empresa campanhas de boicote aos seus serviços e produtos. Enfim, o que poderia ser uma travessia difícil pode se tornar quase uma odisseia. Não vale a pena naufragar o seu negócio por conta de comentários ou atitudes infelizes.

É justamente nessa hora que um bom programa de conformidade fará toda a diferença. Além de propor políticas proativas para atender ao papel social da empresa, controlar manifestações ou situações inadequadas também é tarefa que deve ser compartilhada com o compliance.

Nem sempre os executivos, em meio aos ventos da tempestade, são capazes de perceber todas as consequências de uma decisão, e muitas vezes cabe aos profissionais de compliance salvá-los deles mesmos. Enfim, resiliência, boa governança e conformidade estão intimamente relacionadas. São estes, com certeza, os principais recursos de uma empresa para alcançar um porto seguro no meio dessa tempestade. Se o que não me mata, me fortalece, mais um bom motivo tenho para sobreviver.

Carlos Fernando dos Santos Lima é advogado especialista em compliance e procurador da República aposentado.

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