Espero que, ao ler essas linhas, o pior da pandemia da Covid-19 tenha passado. Atrevo-me a afirmar que, de uma maneira ou de outra, teremos mudado para sempre: pela maneira como nos cumprimentamos (vamos começar a curvar ou acenar as mãos para "dizer olá" no futuro?), passando pelo que consideramos “essencial” em termos de reuniões e viagens, até nossa atitude em relação ao trabalho flexível e remoto.
Em nossa indústria, essa pandemia terá provocado mudanças drásticas em nossas prioridades. Litígios pesados (conhecidos como bet-the-company litigation) começarão a ganhar um novo significado e, ao mesmo tempo, nossa maneira de prestar serviços e tratar nossos clientes também mudará.
Muitos setores de negócios e indústrias em todo o mundo se encontram em uma situação crítica. Companhias aéreas, hotéis, restaurantes e lojas (apenas com sedes físicas) são os mais atingidos. Tanto empresas como indivíduos perderam bilhões no mercado de ações.
Os dividendos começam a sofrer cortes. Retornar a uma situação "normal" levará meses, talvez anos. Como aconteceu durante a recessão anterior, o setor jurídico também foi impactado. Os clientes solicitarão reduções de preço na forma de descontos ou taxas fixas. Eles pedirão aos advogados que desistam de certos casos e provavelmente aumentem a carga de trabalho nas equipes in-house. Além disso, eles deixarão de confiar certas atividades rotineiras a consultores jurídicos externos, para que essa remuneração também não seja recebida.
Antes da "Grande Recessão" de 2008-2009, a maioria dos serviços jurídicos estava isenta do escrutínio de custos aos quais outras unidades de negócios estavam sujeitas por anos. A “Grande Recessão” atuou como catalisador e acelerou o processo de contratação de serviços jurídicos externos, particularmente entre grandes corporações.
Entre os primeiros a assumir esse tipo de contratação, temos empresas pertencentes a setores fortemente regulamentados: empresas farmacêuticas, empresas de serviços financeiros, companhias de seguros e provedores de energía/serviços básicos. Essas companhias costumavam gastar centenas de milhões de dólares em serviços jurídicos.
Nos Estados Unidos, a publicidade negativa causada por práticas questionáveis de faturação, gastos excessivos e pressão para gerar lucros levou os escritórios de advocacia a incorporar especialistas em precificação e gerentes de projeto em suas equipes. Então, eu me pergunto: como vamos nos adaptar dessa vez?
Como ocorreu durante a "Grande Recessão", o fluxo de trabalho relacionado à fusões e aquisições será o primeiro a desacelerar ou até mesmo ser extinto temporariamente. Os clientes estão redistribuindo seus recursos e adiando investimentos para o próximo quadrimestre, final de ano ou até 2021.
Em vez disso, esperamos ver um aumento significativo em litígios e reestruturações financeiras nos próximos meses. Em geral, os clientes começarão a solicitar descontos e outras reduções em nossos honorários; enquanto os clientes que sofreram diretamente os choques dessa crise solicitarão a suas firmas reduções significativas nas tarifas ou talvez uma revisão das condições e prazos de pagamento.
No início deste ano (antes do surto de Covid-19), como parte da consulta anual, denominada Legal Procurement Survey, realizada pela organização internacional que reúne aqueles que contratam serviços jurídicos e tecnologia jurídica (Buying Legal Council), profissionais e membros foram consultados sobre as prioridades do setor para 2020.
No topo da lista, com um avanço de duas posições em relação ao ano anterior, o objetivo mencionado era uma “(Melhor) coleta e análise de dados de despesas”. Isso sugere que as contratações vem ganhando maturidade e evolução. Como temos dados cada vez mais precisos disponíveis, com critérios de base internos e parâmetros comparativos externos (benchmarking), o processo de tomada de decisões em contratações legais continuará sendo regido por esses dados.
O segundo objetivo mais importante para profissionais de contratação de serviços jurídicos foi novamente a “redução do gasto jurídico”. Para os clientes, o enfoque que aponta para uma redução do gasto jurídico continua a evoluir em termos de estratégia e sofisticação. Considerando que este estudo foi realizado pouco antes do início da pandemia da Covid-19 e seu conseqüente declínio econômico, é muito provável que, se formos realizar uma nova pesquisa agora, a redução dos gastos legais esteja no topo da lista de prioridades.
De fato, uma breve pesquisa informal realizada entre os profissionais de contratação jurídica confirma que a "redução de custos" é agora uma idéia recorrente na mente de todos e que muito provavelmente se materialize nas próximas semanas e meses.
O terceiro objetivo para 2020, que estava no topo da lista em 2019, consiste em conseguir uma "melhor gestão do trabalho jurídico". Agora, os clientes prestam muito mais atenção em como o trabalho jurídico é gestionado, o que significa que colocam a lupa em questões como o alcance do projeto, o número de funcionários necessários e os resultados gerados.
Da mesma forma, asseguram que as diretrizes emitidas por consultores jurídicos externos e os orçamentos acordados sejam respeitados e garantam que os parâmetros comparativos sejam alcançados. A gestão eficiente do processo de geração de resultados representa o maior ponto de apoio para promover o crescimento sustentado.
Os clientes também mencionaram entre suas prioridades para 2020 a “implementação de (mais) estratégias e processos formais” para a aquisição de serviços jurídicos e de tecnologia; uma “gestão eficiente das relações com fornecedores” e uma “redução no número de firmas/ provedores de serviços jurídicos”.
À medida que o ano avança, muitas empresas - provavelmente aquelas com os maiores gastos em serviços jurídicos - não demorarão em entrar no modo de controle de gastos. Elas redefinirão o conceito de litígios de grande peso e dedicarão seus esforços para desaglutinar a carga de trabalho.
Essas empresas decidirão quais tarefas podem ser realizadas pelos escritórios de advocacia de baixo custo em locais menos custosos ou quais podem ser executadas por provedores de serviços jurídicos alternativos ou por provedores de processos legais terceirizados (ALSPs e LPOs, respectivamente, por suas siglas em inglês).
As firmas podem - e devem - se preparar e reagir agora. O desafio é fugir da mentalidade que prega que é preferível continuar trabalhando a qualquer preço a deixar de trabalhar. Os especialistas em preços de algumas firmas recomendam eliminar as metas de horas faturáveis e centralizar as estratégias de fixação preços.
Como o desenvolvimento econômico impactará de forma diferenciada cada área de especialização, não faz sentido aplicar o mesmo esquema de preços a todas elas. Algumas áreas, como propriedade transnacional e fusões e aquisições, sofrerão diminuições, enquanto outras, como emprego, litígios e insolvência/reestruturação sofrerão demanda exponencial.
A adoção de uma mentalidade que se adapte a todas as áreas será prejudicial para as firmas. Em vez disso, será benéfico conversarmos com nossos clientes para explicar as nuances que regem as diferenças de preço entre as diversas áreas de especialidade. Precisamos ser criativos e apresentar novas maneiras de expressar nossa sensibilidade e entendimento.
As firmas deveriam considerar como reduzir os gastos jurídicos de seus clientes, mas sem prejudicar sua própria margem de lucro. Por exemplo, podem mudar o alcance dos projetos. Concentre-se no que é realmente importante para o cliente. É necessário dar o sangue em um determinado projeto ou podemos concordar com um modelo que envolva menos esforço?
Também podemos oferecer descontos para pagamento imediato. Ao oferecer descontos especiais por 30 ou 60 dias, ajudamos nossos clientes a economizar e, ao mesmo tempo, garantir uma renda para nossa firma.
Vamos considerar também a possibilidade de negociar tarifas fixas ou descontos por volume, sempre sujeitos a prazos limitados para reduzir nossos riscos. Por fim, trata-se de provar aos nossos clientes que eles podem contar conosco em tempos difíceis.
É conveniente discutir e talvez reconsiderar o "valor agregado" (gratuito) que podemos oferecer aos nossos clientes. Vamos incentivar as conversas para descobrir o que é realmente valioso para eles.
Muitas vezes desperdiçamos dinheiro, tempo e recursos porque não temos claro o valor agregado que nossos clientes procuram. De acordo com nossa pesquisa de 2020, os serviços de valor agregado que as firmas normalmente oferecem são (nesta ordem):
(1) Afiliações
(2) Seminários e treinamento sobre questões de negócios
(3) Serviço telefônico permanente / acesso a especialistas para consultas urgentes
(4) Reuniões de planejamento previas no início dos projetos
(5) Participação de consultores / provedores externos em reuniões internas
(6) Utilização das salas de reuniões das empresas / fornecedores
(7) Consultoria de negócios / análise de causa raiz
(8) Uso de tecnologia (inovadora)
(9) Disponibilidade de gerentes de projeto
No entanto, vamos comparar esta lista com os três valores mais procurados pelos clientes:
(1) Uso de tecnologia (inovadora)
(2) Reuniões de planejamento previas no início dos projetos
(3) Consultoria de negócios / análise de causa raiz
Claramente, os clientes estão buscando mais inovação: eles a associam à tecnologia e com uma gestão mais sofisticada de projetos. Também, além de fazer o controle de danos, querem chegar à raiz dos seus problemas atuais e evitá-los no futuro. As firmas devem tomar consciência disso e pasar para a ação.
Somente o tempo dirá como esta revolução, ainda em desenvolvimento, terminará de mudar nosso mundo, a habilidade de nossas firmas de gerar honorários e seu futuro em geral. À medida que a industria jurídica evolui, devemos aplicar o que aprendemos ao longo do caminho para ganhar alguma vantagem competitiva e colaborar com nossos clientes para criar produtos e serviços inovadores que perpetuem a prosperidade da indústria jurídica. Minha pergunta para vocês é a seguinte: como farão isso? Adoraria receber suas reflexões sobre isso. Muito obrigada. Que estejam bem!
*Dra. Silvia Hodges Silverstein é CEO do Buying Legal Council, uma organização internacional de contratação de serviços jurídicos.
Website: www.buyinglegal.com
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