O STF e a prescrição de danos ambientais

A partir de agora poderão ser pleiteados e tutelados danos com grande potencial de impactar o meio ambiente/Ascom CPCRC/Fotos Públicas
A partir de agora poderão ser pleiteados e tutelados danos com grande potencial de impactar o meio ambiente/Ascom CPCRC/Fotos Públicas
Resultados dependerão de entendimento pelos tribunais nos diferentes casos a serem analisados.
Fecha de publicación: 14/09/2020

Recentemente, transitou em julgado o acórdão do julgamento do Recurso Extraordinário nº 654.833/CE, que definiu, em sede de Repercussão Geral, ser imprescritível a pretensão da reparação civil decorrente de dano ambiental. A tese fixada pelo plenário virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) foi proposta pelo ministro Relator Alexandre de Moraes e acompanhada por sete votos favoráveis. Foi definido que “é imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental”.

 

Inicialmente, a questão desenvolveu-se nos autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), buscando a reparação de pretensos danos materiais, morais e ambientais decorrentes de extração ilegal de madeira em território de comunidade indígena Ashaninka-Kampa, localizada próxima ao Rio Amônia, no Acre, entre os anos de 1981 e 1987.


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Após o trâmite nas instâncias ordinárias, subiu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) a controvérsia sobre se os danos reclamados estariam prescritos ou não, na medida em que o Tribunal de origem, seguindo a regra do Código Civil de 1916, havia julgado no sentido de ser vintenário o prazo prescricional da pretensão indenizatória por dano ambiental, ao passo que a parte recorrente reclamava o prazo quinquenal, sob o argumento da equivalência de objeto com a ação popular.

 

O STJ, ao julgar o Recurso Especial, decidiu ser imprescritível a pretensão de ressarcimento de dano ambiental, “por se tratar de direito inerente à vida, fundamental e essencial à afirmação dos povos, independentemente de não estar expresso em texto legal.”  Contra o acórdão, houve a interposição de Recurso Extraordinário, visando sua anulação, sob o argumento de que o STJ teria reconhecido a imprescritibilidade de ofício. Os autos foram, então, remetidos ao STF, que reconheceu repercussão geral da questão ainda em 2018.

 

Apesar dos sete votos favoráveis à imprescritibilidade, o debate cingiu-se sobre a harmonização de dois princípios: de um lado, a defesa da prescrição como instituto fundamental à garantia da segurança jurídica e da previsibilidade no ordenamento jurídico, e de outro, o direito fundamental de toda a coletividade ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

 

O resultado do julgamento com a firmação da tese da imprescritibilidade do dano ambiental evidencia a tendência do STF de antepor, com garantias excepcionais, o direito ao meio ambiente sadio, mesmo quando em disputa com princípio tão caro ao ordenamento jurídico brasileiro, o da segurança jurídica, que ganha uma feição distinta na área ambiental diante da impossibilidade de mensuração instantânea dos danos causados por desastres ambientais ou atos de poluição prolongados.

 

Abrindo a divergência, o voto do Ministro Gilmar Mendes defendeu a prescritibilidade do direito à reparação do dano ambiental como garantidora da segurança jurídica. Em seus termos, a prescrição, enquanto instituto temporal do direito de ação, opera como mecanismo de previsibilidade. Seria, portanto, regra, e todas as suas exceções são e deveriam ser elencadas na Constituição. Nesse mesmo sentido votou o Ministro Marco Aurélio, que se limitou a esclarecer a impropriedade de conceber, em interpretação constitucional, hipótese de imprescritibilidade, porque isso geraria poderes ilimitados ao Estado, passíveis de ser exercidos a qualquer tempo.

 

Apesar dos importantes argumentos, prevaleceu o entendimento liderado pelo Ministro Relator em favor da imprescritibilidade. Isso principalmente porque entendeu-se que a preocupação com o meio ambiente, que decorre do direito de viver em ambiente saudável, é fruto do núcleo essencial do direito à vida, à saúde, à liberdade e igualdade, bem assim do direito da terceira geração a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio.

 

Importante destacar que o caso concreto tratou de danos ambientais transindividuais decorrentes de invasão de área indígena para extrair ilegalmente madeira de alto valor comercial, o que gerou enorme devastação florestal. Ou seja, o dano ambiental analisado e discutido, sugere a imprescritibilidade também por força do quanto disposto no art. 231 da Constituição Federal, quando aduz serem imprescritíveis os direitos relativos às terras tradicionalmente ocupadas por indígenas.

 

Em casos de danos transindividuais, que é o ora analisado, o STJ já tinha uma jurisprudência consolidada para sustentar a imprescritibilidade. Ou seja, para aqueles danos não individuais relacionados à dimensão coletiva ou difusa do direito ambiental. Para os danos individuais, ainda se tinha a prescritibilidade do direito de ação, de acordo com o Código Civil vigente.

 

Não obstante, apesar de a natureza do dano ambiental objeto do recurso extraordinário ser coletiva, o STF não fez qualquer ressalva ou distinção em seu acórdão, limitando-se a firmar a tese de que os danos ambientais não se sujeitam à prescrição.

 

Resta, então, a pergunta: tal comando atingirá os danos ambientais individuais?

Neste ponto, os ministros vencedores buscaram afastar a natureza patrimonial em debate. A ideia seria que o direito ao ambiente sadio não é patrimonial, embora passível de valoração para fins indenizatórios.

 

Devidamente ponderados, prevaleceu, por fim, o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Por isso, ficou decidido que “a estabilidade deve ceder em prol da incolumidade do meio ambiente”, tornando-se imprescritível a pretensão de reparação civil de dano ambiental.

 

“Antes do mais, um Direito da Natureza” (Milaré, Edis. Direito do Ambiente, 11ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018, p. 305.). Parece que foi essa a reflexão feita pelo STF para consolidar a tese jurídica da imprescritibilidade da reparação do dano ambiental, sobrepondo-se ao princípio da segurança jurídica, que tem como base a regra da prescrição para conferir estabilidade às diferentes relações jurídicas e sociais existentes.

 

Nestes termos, tem-se que, a partir do julgamento do recurso extraordinário nº 654.833/AC, poderão ser pleiteados e tutelados a qualquer momento eventuais danos ambientais identificados, com grande potencial de impactar toda a cadeia sucessória empresarial dos responsáveis pelo ato poluidor. Os resultados, todavia, dependerão da aplicação ou não de tal entendimento pelos tribunais nos diferentes casos a serem analisados.

 

*Lina Pimentel Garcia, Bruna Araujo Ozanan e Marcelo Schwartzmann são, respectivamente, sócia e advogados do escritório Mattos Filho.

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