Historicamente, homens e mulheres sempre ocuparam posições bem definidas na sociedade. Ao gênero masculino, usualmente, era destinada a tarefa de prover a prole, com a possibilidade de atuação remunerada e construção de carreira. Às mulheres, por sua vez, cabia o cuidado com a família e com o lar.
A partir de meados do século XIX e, sobretudo, no início do século XX, com a industrialização, verificou-se o aumento da participação feminina no mercado de trabalho. Hoje, as mulheres atuam em nichos que, historicamente, estiveram destinados aos homens. O setor portuário é um deles.
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Em que pese o Brasil contar com dezenas de portos nos dias atuais, a história do trabalho portuário tem suas raízes no Porto de Santos, na medida em que este foi o primeiro porto nacional a apresentar estrutura de porto organizado. Ainda hoje figura como o maior complexo portuário da América Latina. Sua importância histórica para a organização do trabalho portuário é, portanto, inconteste.
O Porto de Santos opera desde o século XVI, a princípio, de maneira rudimentar, escoando as produções de açúcar e café. Adquiriu as características atuais, de porto organizado, por volta do século XIX, com a criação da Companhia Docas de Santos (CDS), inaugurada em 1890. Durante muito tempo, o trabalho portuário teve como principal característica o emprego de força física – a mais célebre representação do setor ainda é o estivador carregando o saco nas costas.
Dessa forma, a mão de obra empregada era, na quase totalidade, do gênero masculino. A presença de mulheres no Porto era incipiente e relacionada a atividades paralelas, por exemplo, catar o café que posteriormente seria acondicionado nas sacas, carregadas por homens.
As leis nº 8.630/93 e nº 12.815/13 promoveram efetiva mudança de paradigma no Porto de Santos. Com a modernização do trabalho e a cada vez maior utilização de tecnologia para realização das atividades portuárias, houve sensível modificação nas características da força de trabalho necessária.
Se durante muito tempo ao trabalhador portuário era exigido o emprego de força física para a execução de seus serviços, a modernização dos portos passou a demandar, deste mesmo trabalhador, conhecimento técnico para operação de maquinário apto a movimentar contêineres, tendo sido instituída a chamada multifuncionalidade.
A participação feminina no setor portuário, dessa forma, apresentou incremento, ainda de maneira discreta, mas paulatina.
Em 2020, cerca de 13,5% dos trabalhadores ativados na Autoridade Portuária de Santos eram mulheres, ocupando 26% dos cargos de chefia. Nos postos de ativação na Guarda Portuária, por sua vez, representavam cerca de 10% do total de trabalhadores.
Um importante player do Porto de Santos noticiou recentemente incremento de 85% no número de trabalhadoras mulheres em seus quadros, entre os anos de 2013 e 2021, com mais de 100 trabalhadoras inseridas em atividades operacionais, cargos anteriormente dominados por homens.
Ainda há, todavia, inúmeros entraves à participação feminina no setor portuário, sobretudo no que concerne às atividades realizadas de maneira exclusiva por trabalhadores portuários avulsos, via Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho (OGMO), na medida em que praticamente não existem mulheres atuando como Trabalhadoras Portuárias Avulsas (TPAs).
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Importa ressaltar que o incremento de diversidade nas empresas, públicas e privadas, determina, comprovadamente, efetiva melhoria dos serviços prestados, por agregar pontos de vista distintos, promovendo novas soluções a problemas antigos. A longo prazo, tal circunstância leva ao aumento do lucro auferido.
De toda forma, é importante ter consciência de que a inserção das mulheres em setores de trabalho eminentemente masculinos é tarefa árdua e de longo prazo, a ser realizada pela sociedade como um todo. Trata-se de conferir equidade de tratamento aos gêneros, como constitucionalmente previsto, mas não só isso. É preciso ter em mente, sobretudo, que lugar de mulher é onde ela quiser estar, no mercado de trabalho e na vida.
*Mayra de Souza Borges é advogada da Advocacia Ruy de Mello Miller.
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