Já é fato corriqueiro se deparar com reclamações trabalhistas fundamentadas em históricos de conversas em aplicativos de trocas de mensagens de texto (em especial o Whatsapp, ora tomado como paradigma), nas quais se pretende comprovar, por exemplo, a prestação de horas extras, sobreaviso, trabalho durante o período de férias, assédio moral ou até mesmo a existência de vínculo empregatício.
Atualmente, não há dúvida que esse tipo de prova é lícito. Afinal, nosso ordenamento jurídico possui como regra que todos os meios de prova serão aceitos, desde que obtidos legalmente. O que deve se discutir, contudo, é a forma pela qual ela é produzida, e não a prova em si, para poder se concluir pela sua validade ou não.
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Em geral, salvo poucos precedentes em sentido contrário, o que se observa nos Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho é a sua aceitação como meio de prova, mesmo que se trate de meros prints da tela do aparelho celular do autor da ação, sem que a parte nem ao menos apresente ata notarial que ateste a autenticidade de seu conteúdo.
Esse tipo de prova produzida unilateralmente nem sempre corresponde à realidade diante da facilidade pela qual é possível alterar o conteúdo do histórico de conversas de tais aplicativos (principalmente a supressão de determinadas mensagens, o que pode alterar todo o contexto de um diálogo), razão pela qual sua apreciação deve ser mais criteriosa do que aquela atualmente praticada.
Além disso, existem sites e aplicativos que disponibilizam templates editáveis, simulando a aparência do Whatsapp, permitindo criar um histórico de conversas fictício de maneira extremamente simples, o que somente evidencia a fragilidade do elemento de prova.
Nesse sentido, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça vem se consolidando no sentido de que os prints de conversas em aplicativo, seja na tela do celular ou do computador, por meio de espelhamento, não são meios lícitos de prova, ante a impossibilidade de identificação se uma ou mais mensagens foram apagadas, na medida em que a operação não deixa registros.
Além disso, a própria empresa detentora da plataforma não possui backup das mensagens devido ao sistema de encriptação ponta a ponta, o que impede que se verifique a existência de alterações indevidas no histórico da conversa.
Outro sólido argumento é a impossibilidade de se verificar a cadeia de custódia, ou seja, o conjunto de procedimentos que documentam a história cronológica da prova, o que impede até mesmo a averiguação de sua autenticidade por meio de perícia. Apesar de se tratar de instituto oriundo do Código de Processo Penal, este é plenamente aplicável ao processo comum, na medida em que visa assegurar a autenticidade e integridade do elemento probatório.
Assim, é imperioso discutir e repensar a aceitação indiscriminada desse tipo de prova, se estabelecendo critérios mínimos para considerá-la válida.
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De toda forma, tendo em vista o posicionamento atual da Justiça do Trabalho sobre o tema, os empregadores devem estar cada vez mais atentos à utilização do Whatsapp por seus empregados de modo a evitar o surgimento de indesejados passivos trabalhistas.
Uma vez que a lei não acompanha a constante e célere evolução das relações sociais e da tecnologia, inexistindo dispositivo legal que trate do tema, a elaboração de políticas e regulamentos internos acerca da utilização de aplicativos de celular é uma medida que se revela urgente e que já vem sendo adotada por multinacionais, sobretudo sob a ótica de compliance.
*Priscila Kirchhoff e Igor Tavares são, respectivamente, sócia e associado da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe
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