Open Health: oportunidades e desafios regulatórios

Compartilhamento facilitado de dados de pacientes aumentaria, na visão do governo, a competitividade no setor da saúde suplementar/Canva
Compartilhamento facilitado de dados de pacientes aumentaria, na visão do governo, a competitividade no setor da saúde suplementar/Canva
Ainda que embrionária, proposta pode trazer maior eficiência na prestação de serviços de saúde.
Fecha de publicación: 16/08/2022

Em janeiro de 2022, o Ministro da Saúde anunciou em entrevista que o governo federal avalia a edição de uma medida provisória para a implementação de um sistema de Open Health – de forma similar ao Open Finance, iniciativa do Banco Central do Brasil que permite que clientes de produtos e serviços financeiros autorizem o compartilhamento de suas informações entre instituições, bem como a movimentação de suas contas bancárias a partir de diferentes plataformas.

 

No âmbito da saúde, o compartilhamento facilitado de dados de pacientes aumentaria, na visão do governo, a competitividade no setor da saúde suplementar – que, conforme estudo realizado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), sofreu uma redução de 47% no número de operadoras atuando no mercado brasileiro entre 2011 e 2020. Alega-se que o intercâmbio de informações possibilitaria a oferta de planos mais customizados às necessidades de cada indivíduo ou grupo de pessoas, abrindo espaço para preços competitivos e para a atuação de operadoras de menor porte, potencialmente desafogando o Sistema Único de Saúde (SUS).

 

Para além do propósito concorrencial, a iniciativa estimularia a resolução de um problema antigo do setor, qual seja, a falta de interoperabilidade de dados entre os diversos players que atuam ao longo da jornada do paciente, podendo resultar em mais eficiência e qualidade para ações de assistência à saúde no Brasil, tanto em âmbito público quanto privado.


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Nesse contexto, a atual Política Nacional de Informação e Informática em Saúde (PNIIS) – estabelecida pela Portaria GM/MS nº 1.768/2021, inclui entre os seus princípios a utilização de dados de saúde como elemento estruturante para universalidade, integralidade e equidade na atenção dos usuários, a partir do estabelecimento de padrões abertos que permitam a comunicação, o compartilhamento e o emprego de dados acessíveis, integrados e padronizados de forma segura.

 

Uma das principais ferramentas criadas pelo Ministério da Saúde para implementação da PNIIS e que certamente será útil para o Open Health é a Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), instituída pela Portaria GM/MS nº 1.434/2020 como uma plataforma nacional voltada à integração e à interoperabilidade de informações em saúde entre estabelecimentos de saúde públicos e privados e órgãos de gestão em saúde dos entes federativos. A RNDS também contará com mecanismos de governança para autorizar ou limitar acessos, ou mesmo compartilhar dados de acordo com as preferências decididas pelo próprio paciente. Além disso, o Projeto de Lei nº 3.814/2020, já aprovado pelo Senado Federal e atualmente tramitando na Câmara dos Deputados, pretende alterar a Lei Orgânica da Saúde para obrigar o SUS a manter uma plataforma digital única com informações de saúde de todos os cidadãos.

 

Nesse aspecto, vale notar que a Portaria de Consolidação nº 1/2017 do Ministério da Saúde, que consolida normas sobre os direitos e deveres dos usuários SUS, garante ao paciente o sigilo e a confidencialidade de todas as suas informações pessoais, mesmo após a morte, salvo nos casos de risco à saúde pública. Em complemento, também estabelece que os dados e as informações individuais dos pacientes do SUS pertencem à pessoa, obrigando todos os profissionais vinculados sob qualquer forma aos sistemas de saúde a respeitar e assegurar que essas informações permaneçam privadas, além de garantir a confidencialidade, a integralidade e a segurança tecnológica, no registro, na transmissão, no armazenamento e na sua utilização.

 

Por outro lado, a efetivação do Open Health demandará o envolvimento de outras autoridades setoriais, por exemplo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regula entidades responsáveis pelo oferecimento de planos e seguros de saúde e, inclusive, já possui um padrão considerado obrigatório para trocas eletrônicas de dados de atenção à saúde dos beneficiários entre operadoras e prestadores de serviço. Além de comporem o registro eletrônico de saúde de cada paciente, essas informações padronizadas subsidiam ações de avaliação e acompanhamento econômico, financeiro e assistencial das entidades reguladas por parte da autoridade.

 

Adicionalmente, qualquer discussão envolvendo compartilhamento de dados de saúde não poderá ser dissociada da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei nº 13.709/2018 – que considera informações genéticas, biométricas ou referentes à saúde ou à vida sexual de indivíduos um tipo de dado pessoal sensível, gozando de proteções robustas específicas. Sob esta ótica, o tratamento de dados pessoais de saúde no âmbito do Open Health estará condicionado a existência de base legal prevista na LGPD. Sujeito a avaliação no caso concreto, ventilamos como possibilidade o consentimento livre, inequívoco e informado do titular ou seu responsável legal – ou outras como a execução de política pública de saúde, se assim definido pelo Ministério da Saúde ou autoridade competente, e desde que prevista de forma expressa em leis ou regulamentos.

 

Já no que se refere à utilização secundária dos dados pessoais de saúde, a LGPD autoriza a comunicação ou o uso compartilhado com objetivo econômico apenas para permitir a portabilidade de dados (quando solicitada pelo titular) e transações financeiras e administrativas resultantes do uso e da prestação dos serviços de saúde; bem como para prestação de serviços de saúde, de assistência farmacêutica e de assistência à saúde – sempre em benefício do(a) paciente.


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Vale notar que a LGPD veda expressamente o tratamento de dados de saúde para a prática de seleção de riscos na contratação de qualquer modalidade de plano de saúde, assim como na contratação e exclusão de beneficiários – em linha com a legislação e entendimentos reiterados da ANS sobre o tema. Logo, condutas discriminatórias por parte de operadoras de plano de saúde que dificultem ou inviabilizem a contratação ou a troca de plano de saúde pelos beneficiários (por exemplo, em razão de idade, condição, doenças e/ou de lesões preexistentes) poderão ter implicações em ambas as esferas.

 

Em síntese, a informatização de processos administrativos e clínicos de pacientes de forma atrelada a padrões que permitam o compartilhamento destas informações entre instituições de saúde tem de fato o potencial de beneficiar todos os stakeholders do setor, desde que acompanhada de medidas que garantam o uso em benefício do paciente. Ainda que bastante embrionária e repleta de desafios e efeitos na esfera jurídica, a medida pode ser salutar trazendo maior eficiência na prestação de serviços de saúde e, por consequência, facilitando e ampliando o acesso a saúde.

 

*Gustavo Swenson Caetano é sócio, Marina Battistella e Renata Rothbarth são advogadas do Mattos Filho.

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