Os contrastes da indústria legal no Nordeste

Região enfrenta questões de estrutura e de números de integrantes no Poder Judiciário/Pixabay
Região enfrenta questões de estrutura e de números de integrantes no Poder Judiciário/Pixabay
Crescimento econômico da região vem sendo ao longo do tempo sustentado por serviços jurídicos com base local de enorme consistência e capacitação.
Fecha de publicación: 31/08/2020

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Parece ser consenso que advogar no Nordeste envolve mais desafios do que em outras regiões do País. Essa avaliação de parte significativa dos empresários e jurídicos internos das grandes empresas não é desprovida de razão. Buscar superar esses desafios requer antes conhecê-los e entendê-los.

O fato de o Brasil ser dividido em regiões geográficas não autoriza, a priori, nenhuma conclusão sobre possíveis elementos identitários dos seus povos. Sabemos que essa classificação é resultado de um agrupamento, cujo maior propósito é permitir a geração de estatísticas que levem à implantação de políticas públicas. Não há, portanto, algo que essencialmente seja comum a todos os estados que integram uma região e que não seja comum a todos eles, paradoxalmente. É uma falácia ideológica a intenção de encontrar profundas identidades a partir de dados periféricos ou frutos do acaso, como danças, sotaques, folclores, hábitos e tantos outros.

Entretanto, essas breves considerações não eximem nosso processo histórico da responsabilidade por tantas distorções na alocação de recursos públicos e assim na construção de realidades socioeconômicas nitidamente contrastantes entre as várias regiões do País. Essas diferenças, acumuladas ao longo de séculos, geraram um evidente desequilíbrio nas relações entre os estados, com inegável vantagem para o eixo Sul-Sudeste.

O resultado visível desse modelo federativo - e que aqui nos interessa explorar - é a menor economia do Nordeste se comparada àquela que orienta as principais estatísticas nacionais: a de São Paulo. O dado puramente regional perdeu importância diante da avassaladora superioridade paulista sobre os demais Estados.

Essa visão, pois, a partir de São Paulo, e não da região Sudeste, ou do Sul, ou de uma noção de pátria, é a que serve de base para a avaliação de que no Nordeste há mais desafios.

Há nítida correlação entre eficiência e capacidade econômica, ainda que uma não seja corolário da outra. São os recursos da economia que permitem a instituição de modelos de negócios e de estruturas funcionais, que de outra forma não poderiam existir. Os entes mais ricos detêm, por óbvia conclusão, maior capacidade na produção de bens e serviços, e mais ainda na atratividade para investimentos.

Nesse cenário, não poderia a advocacia que se pratica no Nordeste funcionar tal e qual em São Paulo. O direito é o mesmo, mas a economia não. É essa constatação econômica que permite endossar a visão de que advogar no Nordeste exige esforços adicionais.

Vamos começar pelo tamanho, que em economia define tudo, ou quase. As maiores empresas estão sediadas majoritariamente em São Paulo ou na região Sudeste, embora tenham operações em todo o território nacional. Isso traz implicações em termos de complexidade das matérias que são do interesse da advocacia: o lugar onde estão localizadas as sedes das empresas é onde se concentram os negócios jurídicos mais sofisticados, como operações societárias e discussões sobre contratos de maior relevo econômico.

A sede da empresa também determina onde serão formulados planejamentos tributários relativos aos tributos federais e mesmo relativos àqueles pertencentes a outras unidades da federação. Em maior ou menor escala, é possível afirmar que há, a partir da sede da empresa, a concentração das discussões jurídicas mais relevantes, justamente aquelas que exigem a assessoria mais qualificada e mais bem remunerada pelas empresas.

E isso se deve ao fato de que os centros de decisões empresariais estão nas sedes das empresas, o que também inclui, obviamente, as questões jurídicas. Aqui, então, um grande desafio: as empresas sediadas fora do Nordeste não mantêm relações próximas com advogados nordestinos, que, assim, têm muito mais dificuldade em provar sua proficiência para o manejo das causas do cliente. Proximidade importa ao mundo dos negócios e isso não é diferente para a advocacia.

Por conseguinte, o mercado da advocacia no Nordeste para assuntos complexos e de alto valor agregado é significativamente menor do que aquele existente nas regiões mais ricas do país, e daí surge outro desafio: os escritórios nordestinos não conseguem alcançar os mesmos índices de faturamento, rentabilidade e lucratividade que seus pares de São Paulo. Aqui prevalece a lógica segundo a qual riqueza gera riqueza e essa realidade faz com que surjam com destaque nacional quase sempre somente os maiores escritórios de São Paulo.

Poder-se-ia imaginar que essa questão se resolveria com escala: sendo menor o mercado, haverá menos escritórios dedicados à advocacia estratégica e, assim, a proporção seria mais ou menos mantida em relação ao Sudeste, por exemplo. Isso não parece ocorrer na prática, contudo. A despeito de ter um mercado menor, o Nordeste possui centros de excelência acadêmica no direito, o que se deve, em grande parte, à tradição de suas faculdades. Isso repercute na formação de advogados que integram escritórios capazes de atender questões estratégicas em um mercado incapaz de gerar negócios na mesma proporção. Não é à toa que bons profissionais e escritórios do Nordeste levaram suas operações a São Paulo, em um movimento inverso ao que se assistiu no início dos anos 2000.

Além de um mercado menor, a advocacia do Nordeste enfrenta o desafio de ter diante de si um Poder Judiciário que costuma ser menos desenvolvido, em termos de estrutura e de números de integrantes, em comparação às regiões mais ricas do país. Aqui as desigualdades decorrem de decisões políticas e insistem em permanecer como um fator de atraso ao desenvolvimento nacional. Essa deficiência na infraestrutura do Judiciário traz consigo desvantagens competitivas para o advogado nordestino, porque a prestação jurisdicional não consegue ser alcançada na mesma agilidade que o é em regiões mais ricas. A percepção falsa, pois, pelo cliente, de que baixo resultado equivale a baixa eficiência do advogado imputa severo ônus ao escritório que atua no Nordeste.

Entre posições extremas, Saramago dizia que a verdade costuma estar “em um pouco de cada”. Nem tudo é adversidade para a advocacia nordestina e tampouco essa região concentra um mercado jurídico subdesenvolvido e de fácil competição. As oportunidades são, talvez, de duas ordens: saber explorar as peculiaridades do mercado local para prestar um serviço específico para o qual a proximidade – esse fator sempre importante – seja uma vantagem. A outra possibilidade é ampliar a área de atuação e buscar explorar outros mercados, como são exemplos escritórios com atuação estratégica que passaram a atuar também em São Paulo, ou mesmo atuar de forma nacional em grande volume de processos, área em que o Nordeste vem se destacando nos últimos anos com notável sucesso.     

No fim e ao cabo, o que tem que ser dito é que os escritórios baseados no Nordeste estão mais do que aptos para o exercício pleno da advocacia e para enfrentar, dogmaticamente, as questões que lhes são apresentadas pelos clientes, onde quer que eles estejam. Isso se corrobora pela constatação de que o crescimento econômico do Nordeste vem sendo ao longo do tempo sustentado por uma advocacia com base local de enorme consistência e capacitação. Enfim, o mercado é competitivo em todo o Brasil e os escritórios têm que permanentemente buscar sua inserção nas suas áreas de atuação mostrando essa capacidade que transcende limitações geográficas.

*Eduardo Montenegro Serur e Aristóteles de Queiroz Camara são sócios do escritório Serur Advogados.

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