Os impactos da desoneração da folha

O tema da desoneração da folha também foi incluído, pelo Congresso Nacional, no âmbito da Lei Orçamentária de 2022/Pixabay
O tema da desoneração da folha também foi incluído, pelo Congresso Nacional, no âmbito da Lei Orçamentária de 2022/Pixabay
CPRB é política pública necessária e não deficitária.
Fecha de publicación: 23/12/2021

A desoneração da folha foi instituída pela Medida Provisória 540/2011 e convertida na Lei nº. 12.546/2011. Por meio dela, foi instituída uma contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta, a CPRB, para certos setores produtivos, em substituição à tradicional contribuição previdenciária patronal, a CPP, recolhida sobre a folha de salários. No início de dezembro o Senado aprovou o Projeto de Lei 2.541/2021 que prorroga, até 31 de dezembro de 2023, a desoneração da folha de pagamento para 17 setores da economia.

 

O Regime da CPRB sempre foi objeto de controvérsia, tanto com relação a seu “custo”, assim entendido como a renúncia fiscal da União com a implementação da medida, como com o seu impacto na geração de emprego e renda. O ápice da controvérsia ocorreu em 2020, quando o Congresso Nacional derrubou o veto presidencial ao art. 33 da MP 936/20, que fora aprovado pelo próprio Congresso e que prorrogava o regime da CPRB até 31 de dezembro de 2021.  


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O presidente levou o tema ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6632, que buscava suspender os efeitos da derrubada do veto e invalidar a prorrogação da CPRB.  Nesta ADI, o presidente alegava que o Congresso Nacional, ao aprovar a prorrogação deste regime, não teria analisado os impactos financeiro-orçamentários da medida, descumprindo o Art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e o Art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

 

A ADI não foi julgada pelo STF até o presente momento e é bem provável que não o seja, já que, em 31 de dezembro deste ano, seria possível sustentar que a ação perderá objeto.  Entretanto, os argumentos utilizados na ADI parecem ter sensibilizado o Congresso Nacional, que buscou amparar todos os atos legislativos para a aprovação do PL 2.541/21 junto ao Tribunal de Contas da União (TCU).

 

O presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco, provocou o TCU a se pronunciar sobre o tema.  O senador questionou ao TCU se a demonstração de que eventual renúncia fiscal foi considerada na estimativa de receita da Lei Orçamentária (LOA), na forma do Art. 14, I, da LRF, e de que não prejudicará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ainda assim, exigiria a elaboração de medidas de compensação, por meio do aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

 

Em 17 de Novembro, o TCU emitiu Parecer Técnico TC 021.868/2021-2 respondendo aos questionamentos.  Segundo o posicionamento do TCU, os incisos I e II do Art. 14 são alternativos, de forma que o cumprimento, pelo proponente, das exigências do inciso I afastam a necessidade de cumprimento das exigências do inciso II e vice e versa.  Portanto, desde que observado o inciso I do Art. 14 da LRF, ou seja, desde que os impactos financeiro-orçamentários da medida fossem incorporados às estimativas de receita e despesa da LOA, observados ainda os demais requisitos da LDO, a aprovação da prorrogação do regime da CPRB estaria em conformidade com a legislação de responsabilidade fiscal.

 

Observando o posicionamento do TCU, tanto a Câmara dos Deputados como o Senado emitiram pareceres favoráveis à aprovação do Projeto de Lei 4.521/2020, mencionando os potenciais impactos orçamentários da medida. Vejamos, por exemplo, o Parecer n. 340, de autoria do Senador Relator Venezio Vital do Rego, pela aprovação do projeto de lei. Segundo o Parecer, “os estímulos previstos no projeto já existem há anos e não configuram inovação relevante no ordenamento jurídico”. O Parecer também aponta que a aprovação do PEC dos precatórios teria criado “espaço fiscal” suficiente para o custeio da medida.

 

Ainda seguindo a posição do TCU, o tema da desoneração da folha também foi incluído, pelo Congresso Nacional, no âmbito da LOA de 2022.  O relatório de estimativa da receita para a LOA-22 considerou que a desoneração da folha produzirá um déficit de R$ 4,8 bilhões aos cofres públicos, que deve competir com outras “despesas” orçamentárias no teto de gastos.  

 

Os relatórios preliminar e setorial da economia, também emitidos no âmbito da tramitação da LOA-22, entendem que o déficit gerado pela desoneração deve ser incluído no déficit geral do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), de cerca de R$282 bilhões, que deve ser financiado pela União.  Portanto, se aprovada desta maneira, a LOA-22 também já prevê os impactos financeiro-orçamentários da prorrogação da desoneração no orçamento público, representando mais um elemento de comprovação da legitimidade da aprovação do PL 2.541/21.

 

Ainda que bastante positiva a posição do Congresso Nacional em provocar o posicionamento do TCU e se adequar às suas conclusões e recomendações, garantindo, assim, a conformidade jurídica dos atos legislativos que aprovaram a postergação do regime da CPRB, há que se apontar os equívocos técnicos incorridos na avaliação dos efetivos impactos da medida ao orçamento público.

 

Isto porque, tanto nos Pareceres Técnicos da Câmara dos Deputados e do Senado federal pela aprovação do PL 2.541/21, como nos relatórios emitidos pelos órgãos do Congresso à aprovação da LOA-22, a estimação dos impactos financeiro-orçamentários da medida sempre considerou apenas um elemento: a diferença entre o que seria arrecadado via contribuição previdenciária sobre folha de salários e o que efetivamente se espera arrecadar com a CPRB.

 

De fato, historicamente a desoneração da folha sempre foi tratada como geradora de renúncia fiscal, como demonstram os relatórios de DGT-PLOA emitidos pela Receita Federal. O cálculo da referida renúncia toma como base a estimativa de arrecadação da CPP, ceteris paribus, descontada da arrecadação da CPRB.  Outros estudos buscando avaliar os impactos da desoneração da folha também já foram realizados adotando mesma metodologia, como, por exemplo, a Nota Técnica ANFIP de 2015.  Este estudo, tal como tantos outros anteriores, focam exclusivamente no comparativo aritmético entre CPRB e CPP, concluindo, invariavelmente, pela perda de arrecadação e pelo aumento do déficit do RGPS.

 

Entendemos que esta metodologia falha ao deixar de considerar as externalidades positivas geradas pela CPRB, sobretudo a redução do número de empregos informais e o aumento do poder de compra dos trabalhadores destes setores, seja pela criação de novas vagas de emprego, seja pelo aumento do salário dos já empregados.

 

No estudo econômico-financeiro elaborado pela Brasscom, estas externalidades foram consideradas. O resultado é bastante diferente das conclusões até então alcançadas. O estudo considerou dois grupos de empresas e de trabalhadores: aqueles dos setores que foram desonerados até 2017 e que, a partir de 2018, voltaram a recolher a contribuição previdenciária sobre a folha de salários (setores reonerados); e aqueles dos setores que continuaram desonerados até 31/12/2021 (setores desonerados).

 

Segundo o estudo, em termos de evolução da empregabilidade, no período de janeiro de 2018 a agosto de 2021, os setores desonerados contrataram 587.061 novos de trabalhadores, o que corresponde 7,6% de crescimento, enquanto os setores reonerados contrataram 174.337 novos de trabalhadores, o equivale a apenas 2,9% de crescimento. Ainda no mesmo período, a remuneração dos setores desonerados cresceu 9,3% ao ano, patamar bem acima da inflação medida pelo IPCA, que foi de 4,4% ao ano. Em contraste, a remuneração dos setores reonerados cresceu somente 1,9% ao ano.

 

Nestes termos, considerando Imposto de Renda (IRPF) do trabalhador; a contribuição do INSS recolhida pelos trabalhadores; do FGTS, recolhido pelas empresas em favor dos trabalhadores; e das contribuições sociais PIS e Cofins incidentes sobre o consumo destas famílias, seria possível à União aumentar sua arrecadação fiscal com a medida, se comparada à arrecadação obtida com o regime de CPP.  

 

Some-se, ainda o acréscimo de 1% da alíquota da Cofins-Importação, incidente nas operações os setores desonerados. O estudo da Brasscom conclui que a desoneração da folha é política pública superavitária em cerca de R$ 2,5 bilhões, em decorrência desta arrecadação reflexa, decorrente da própria política pública.  

 

Em outras palavras, o que a União deixa de arrecadar pela substituição da CPP pela CPRB, ela mais que recupera, com o IRRF sobre o aumento da massa salarial, com o PIS e Cofins sobre o correspondente aumento do consumo das famílias beneficiadas, bem como pelo adicional de 1% da Cofins-Importação. Estes recursos adicionais podem ser utilizados, inclusive, no próprio financiamento do RGPS, nos termos do Art. 9º, IV, da Lei 12.546/2011, reduzindo o seu déficit histórico.

 

Importante ainda comentar que, por qualquer prisma constitucional que o tema seja analisado, parece-nos bastante evidente que uma política pública deficitária não deve provocar juízos apriorísticos de ilegitimidade ou ineficiência. Ao contrário, uma política pública pode ser deficitária e, ainda assim, ser considerada como necessária pelos agentes políticos do país, porque dirigida à promoção de normas constitucionais programáticas. Contudo, no caso específico da CPRB, a medida não deveria sequer ser tratada como deficitária, como visto acima.

 

Por fim, vale mencionar que a inclusão destas externalidades positivas nas estimativas dos impactos financeiro-orçamentários da postergação da CPRB encontra total respaldo em nosso ordenamento jurídico, tendo em vista o disposto no Art. 14, caput e inciso primeiro, e, no Art. 12, ambos da LRF, estando, este, transcrito a seguir:   

 

“Art. 12. As previsões de receita observarão as normas técnicas e legais, considerarão os efeitos das alterações na legislação, da variação do índice de preços, do crescimento econômico ou de qualquer outro fator relevante e serão acompanhadas de demonstrativo de sua evolução nos últimos três anos, da projeção para os dois seguintes àquele a que se referirem, e da metodologia de cálculo e premissas utilizadas.”


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Fica bastante claro que as estimativas da receita (ou da perda de receita) gerada pela CPRB podem considerar as externalidades positivas mencionadas acima, desde que acompanhada de demonstrativos técnicos e descritivos da metodologia utilizada e das premissas assumidas.

 

Portanto, o presente artigo e o estudo da Brasscom pretendem introduzir, respectivamente, argumentos jurídicos e dados econômicos relevantes ao tema da desoneração da folha de salários, que permitem atualizar a metodologia utilizada pelos agentes públicos na avaliação dos seus impactos orçamentários e que demonstram seu caráter superavitário e de interesse nacional.

 

*Vinícius Nogueira é Advogado, doutor em Economia pelo Insper, bacharel, mestre e doutorando em Direito pela USP e fundador do Horvath & Nogueira Advogados (HNA).

 

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