Os impactos das mudanças tributárias do fim de 2021

Neste ano eleitoral, parece improvável que haja evolução significativa dos projetos de reforma tributária/Canva
Neste ano eleitoral, parece improvável que haja evolução significativa dos projetos de reforma tributária/Canva
Algumas geram aumento de custos; outras são favoráveis aos contribuintes.
Fecha de publicación: 16/01/2022

O governo brasileiro, seguindo prática já habitual, publicou importantes atos em matéria tributária nos últimos dias de 2021, que poderão impactar de forma relevante as atividades dos contribuintes a partir deste ano de 2022.

Apesar de algumas medidas terem potencial de aumento de custos e para demandas judiciais, outras são bastante favoráveis aos contribuintes, que devem ficar atentos para seus possíveis efeitos.

É preciso destacar três desses atos e a potencial repercussão, assim como nossas expectativas para a evolução da reforma tributária.

Historicamente, as empresas brasileiras devem pagar aos cofres públicos uma contribuição previdenciária (dita “patronal” – “CPP”) sobre sua folha de pagamentos, destinada ao custeio da seguridade social. Hoje, a alíquota usual da contribuição é de 20%.


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Em 2011, foi instituído regime alternativo à CPP para certos setores econômicos, mediante o qual são pagas alíquotas de 1% a 4% sobre a receita bruta das atividades empresariais. Foi introduzida, assim, a contribuição patronal sobre a receita bruta (“CPRB”), com o objetivo, justamente, de desonerar a folha de pagamentos, aliviando os custos previdenciários às empresas dos setores contemplados.

O regime substitutivo já foi objeto de diversas alterações e prorrogações, não raro sendo prevista sua extinção, principalmente pelo fato de representar renúncia fiscal. Não obstante, por meio da Lei nº 14.288/2021, de 31 de dezembro, foi prorrogada a vigência da CPRB, que se encerraria no final de 2021, por mais dois anos, até 31 de dezembro de 2023.

Vários setores econômicos com custo elevado de folha de salários são contemplados e, portanto, poderão continuar a usufruir do regime. Dentre eles, estão: construção civil; call center; tecnologia da informação e transporte rodoviário coletivo e de cargas.

Vale destacar que, com a prorrogação da CPRB, foi também postergada a vigência do adicional de 1% à alíquota da contribuição para o financiamento da seguridade social sobre as importações – COFINS-Importação, para os produtos listados na lei, cujo objetivo é servir como espécie de compensação à perda de arrecadação.

Outra medida importante para os contribuintes, especialmente no atual cenário de recuperação da atividade econômica, diz respeito a extensão dos prazos previstos no Programa de Retomada Fiscal, veiculada pela Portaria da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (“PGFN”) nº 15.059/2021.

Os prazos para adesão à transação “Extraordinária” e “Excepcional”, que teriam se encerrado em 29 de dezembro de 2021, foram prorrogados até 25 de fevereiro de 2022, prazo no qual também será possível renegociar acordos em vigor. Além disso, os débitos elegíveis às modalidades de transação passam a ser aqueles inscritos em dívida ativa até 31 de janeiro de 2022.

A transação tributária vem se mostrando importante mecanismo para, de um lado, permitir a negociação de dívidas muitas vezes impagáveis pelos contribuintes e, de outro, garantir arrecadação satisfatória e viável aos cofres públicos, com possibilidades de parcelamentos e descontos que variam conforme o grau de recuperabilidade dos créditos para o fisco.

A extensão do prazo é, portanto, bem-vinda e se mostra como mais uma oportunidade para conferir aos contribuintes a oportunidade de regularizar suas dívidas fiscais tendo sido superado (espera-se) o pico da pandemia e das restrições impostas à economia.

É importante também mencionar medida que trará prováveis litígios entre fisco e contribuinte. Ela trata da regulamentação do “diferencial de alíquotas” – o famoso “DIFAL” – do ICMS incidente nas operações interestaduais que destinam mercadorias a consumidores finais, amplamente aplicável às operações de comércio eletrônico, nas quais é mais comum que compradores e vendedores estejam em Estados distintos.

Em síntese, o DIFAL se presta a repartir o ICMS entre o Estado de origem das mercadorias e o Estado de destino. Nesses casos, o vendedor dos bens deve: (i) recolher a alíquota interestadual do ICMS ao Estado de origem; e (ii) recolher ao Estado de destino a diferença entre a alíquota praticada internamente no local e a alíquota interestadual. O mecanismo do DIFAL foi previsto pela Emenda Constitucional nº 87/2015, e foi objeto de normas estaduais para sua regulamentação, particularmente o Convênio CONFAZ nº 93/2015.

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do Convênio CONFAZ nº 93/2015, sob o fundamento de que o DIFAL somente poderia ser regulamentado por lei complementar, até então inexistente – a decisão teve seus efeitos modulados para repercutir a partir de 1º de janeiro de 2022.

Em resposta à decisão, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 32/2021, cuja sanção era esperada até o final de dezembro de 2021 para evitar questionamentos sobre sua vigência e produção de efeitos em 2022. A presidência da República, no entanto, somente sancionou o texto no dia 5 de janeiro deste ano – Lei Complementar nº 190/2022.

Nesse cenário, a possibilidade de cobrança do DIFAL pode ser entendida da seguinte forma: imediata (visão dos fiscos estaduais), considerando que a cobrança já vinha sendo feita, não representando majoração ou instituição de tributo; 90 dias depois de sua publicação, em obediência à anterioridade nonagesimal e somente em 2023, com base na aplicação do princípio da anterioridade anual.

De acordo com a Constituição Federal, o ICMS é um imposto sujeito às duas regras de anterioridade acima. A nosso ver, portanto, com a publicação da lei apenas em 2022, não poderia haver exigência do DIFAL neste ano, principalmente por representar aumento da carga fiscal.

Como elemento adicional à controvérsia, há Estados que publicaram leis disciplinando o tema em 2021, caso de São Paulo, por exemplo, o que poderia: (i) justificar sua aplicação em 2022, em vez de 2023; porém (ii) levar ao questionamento quanto à constitucionalidade dessas leis estaduais, por terem sido editadas e publicadas antes da publicação da Lei Complementar nº 190/2022.

A incerteza dificilmente será resolvida no curto prazo, sendo a demora nos trâmites legislativos fator que contribuiu para a provável geração de contencioso entre fiscos estaduais e contribuintes.

O ano de 2021 marcou importantes avanços nas discussões quanto à reforma tributária. Paradoxalmente, a perspectiva de evolução nas propostas em 2022 é baixa.


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As principais medidas de reforma tributária incluem: a proposta de recriação da CPMF, ideia recorrentemente revivida pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes e amplamente rejeitada pela sociedade e pelo Congresso Nacional, até o momento; o projeto de lei do Poder Executivo nº 3.877/2020, que unifica a contribuição ao PIS e a COFINS em uma única contribuição sobre bens e serviços, que teve relator designado apenas em junho de 2021, sem avanço posterior nas casas legislativas; o projeto de lei do Poder Executivo nº 2.337/2021, que reforma a legislação do imposto de renda, mas que não foi aprovado em 2021 e, portanto, só poderia surtir efeitos a partir de 2023, caso convertido em lei (ou seja, já no próximo governo); e a Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2019, que unifica diversos tributos sobre consumo (IPI/PIS/COFINS/ICMS/ISS), criando um imposto único (“IBS”), a qual, naturalmente mais complexa por envolver tributos de todos os níveis federativos, tampouco teve evolução desde o primeiro semestre de 2021. A essa Proposta de Emenda Constitucional se junta a de nº 110/2019, que faz uma unificação ainda mais abrangente, mas de modo a criar um imposto sobre valor agregado federal e outro estadual e municipal (“IVA dual”).

A aprovação da reforma do imposto de renda, por exemplo, veiculada por projeto de lei ordinária e de tramitação mais simples, era amplamente esperada para 2021, visto se tratar de projeto menos complexo do que os veiculados por proposta de emenda constitucional, por exemplo, além de versar sobre um único tributo. Não obstante, para que produzisse efeitos neste ano de 2022, teria que ter sido sancionada como lei ainda em 2021, o que não ocorreu. Caso haja aprovação em 2022, a vigência se iniciará em 2023.

Todas as propostas acima estão evoluindo lentamente. Neste ano eleitoral, parece-nos improvável que haja evolução significativa dos projetos, apesar das constantes afirmações do governo de que haverá andamento na reforma tributária. De toda forma, cabe aos contribuintes acompanhar de perto as possíveis mudanças. É preciso ressaltar que a reforma do sistema tributário brasileiro, um dos mais complexos do mundo, já é aguardada há décadas, merecendo que seja corretamente idealizada e desenvolvida.

*Luiz Antonio Varela Donelli e Arthur Barreto são, respectivamente, sócio e advogado tributarista do escritório Donelli e Abreu Sodré Advogados - DSA

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