Os impactos do Projeto de Lei do Clube Empresa no futebol brasileiro

Novo tipo societário busca garantir maior profissionalização das entidades, ao criar regras claras de governança, transparência e responsabilização dos gestores/Pixabay
Novo tipo societário busca garantir maior profissionalização das entidades, ao criar regras claras de governança, transparência e responsabilização dos gestores/Pixabay
Projeto quer criar um novo tipo societário, a Sociedade Anônima do Futebol.
Fecha de publicación: 08/07/2021

O Senado aprovou o Projeto de Lei do Clube Empresa (PL 5516/2019) de autoria do atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e relatoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ). O projeto busca incentivar a transformação dos clubes de futebol em empresas e, desse modo, atrair maiores investimentos para o futebol brasileiro e melhorar a atual situação financeira da maioria das entidades de prática futebolística, já que esse setor foi um dos mais afetados pela pandemia.

 
O principal objeto do PL 5516/2019 é a criação de um novo tipo societário, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Atualmente a maioria dos clubes está constituída sob a forma de associações civis sem fins lucrativos, embora a lei não vede a adoção de uma estrutura empresarial.

 

Esse novo tipo societário criado especificamente para o futebol busca garantir maior profissionalização das entidades, ao criar regras claras de governança, transparência e responsabilização dos gestores, além de trazer dispositivos sobre objeto social, constituição e capitalização, viabilizando, por meio de boas práticas, que os clubes lancem ações no mercado financeiro e assim possam se capitalizar seguindo as regras da Comissão de Valores Mobiliários, bem como reestruturar suas dívidas.


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O PL 5516/2019 foi aprovado por unanimidade – fato raro no Senado – e contou com algumas emendas que alteraram a redação original do projeto. Além disso, vale lembrar que o novo PL 5516/2019 aprovado traz em seu texto alguns elementos que se assemelham aos que existem no Substitutivo ao Projeto de Lei 5.082/2016 (Substitutivo ao PL 5.082/2016), de autoria do Deputado Federal Pedro Paulo (DEM/RJ), que também propõe uma reforma no sistema do futebol brasileiro e, embora ainda esteja em tramitação aguardando apreciação pelo Senado Federal, perdeu destaque recentemente, justamente por conta do PL 5516/2019.

 
Um ponto importante trazido pelo PL 5516/2019 aprovado diz respeito à criação de um Regime de Tributação Específica do Futebol (TEF). A redação original do projeto trazia a criação de um regime tributário transitório, o Re-Fut, que seria válido pelo período de cinco anos, após esse período, as SAFs estariam sujeitas à mesma tributação que qualquer outra empresa.

 

No entanto, o PL 5516/2019 aprovado no Senado, além de trazer um regime especial transitório válido pelo período de cinco anos, também traz um regime diferenciado permanente, o TEF, que prevê para os clubes que se tornarem SAFs uma carga fiscal diferenciada, inferior à que hoje existe para as empresas. O regime ainda deverá ser regulamentado, e é justamente nesse ponto em que se nota uma aproximação do PL 5516/2019 com o Substitutivo ao PL 5.082/2016, que traz na sua concepção a ideia de criação de um regime especial permanente para os clubes de futebol.

 
Além disso, o PL 5516/2019 acena com a possibilidade de os clubes, ao se transformarem em empresas, socorrerem-se: da recuperação judicial; da hipótese de concurso de credores e da centralização das execuções trabalhistas, sob o argumento de que tais mecanismos facilitariam e viabilizariam que os clubes pudessem quitar suas dívidas com os seus credores.

 

A proposta de centralização das execuções trabalhistas é outro ponto de aproximação do PL 5516/2019 com o Substitutivo ao PL 5.082/2016. As propostas, entretanto, distanciam-se no tocante à recuperação judicial. De um lado, o Substitutivo ao PL 5.082/2016 excepciona os clubes da exigência das empresas que vierem a ser constituídas de permanecerem em atividade por ao menos dois anos antes de formalizar o pedido de recuperação judicial. De outro, o PL 5516/2019 não traz essa benesse, de modo que um clube-empresa precisará observar esse prazo legal, como qualquer outra entidade empresarial.

 

Oportuno também mencionar que o PL 5516/2019 aprovado traz em seu texto que a SAF constituída pela cisão do departamento de futebol do clube emitirá, obrigatoriamente, ações ordinárias de classe A para subscrição exclusivamente pelo clube. Assim, enquanto as ações ordinárias de classe A corresponderem a pelo menos 10% do capital social votante ou do capital social total, o voto afirmativo do clube será condição necessária para a SAF deliberar sobre: alienação, oneração, cessão, conferência, doação ou disposição de qualquer bem imobiliário ou de direito de propriedade intelectual conferido para formação do capital social; qualquer ato de reorganização societária ou empresarial; dissolução, liquidação, extinção e participação em competição esportiva a qual dispõe o artigo 20 da Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998 (ligas regionais ou nacionais).

 

Vale lembrar que tais disposições já constavam na redação do projeto original, contudo, o PL 5516/2019 foi aprovado com algumas mudanças, no que diz respeito à possibilidade do pedido de recuperação judicial ou de falência. Originalmente essa opção estava condicionada à aprovação do titular das ações ordinárias de classe A, entretanto, tal previsão foi suprimida pelas emendas à redação original do projeto.

 

Também depende da concordância do titular das ações ordinárias de classe A, independentemente do percentual da participação no capital votante ou social, a deliberação, em qualquer órgão societário, sobre: alteração da denominação; modificação dos signos identificativos da equipe de futebol profissional, incluindo, símbolo, brasão, marca, alcunha, hino e cores e mudança da sede para outro município.

 

Tais dispositivos são de extrema importância para a boa transição dos clubes de futebol, do modelo associativo para as SAFs, uma vez que os titulares destas ações ordinárias de classe A – que originalmente seriam os clubes – teriam participação ativa no âmbito do clube-empresa, podendo, inclusive, vetar medidas como, alteração da denominação ou mudança da sede da SAF para outro município.

 

Com efeito, as ações ordinárias de classe A assumem um papel importante para que o clube tenha o direito de veto em matérias sensíveis como, reorganização societária e alterações no capital social, e também para preservar as características tradicionais do clube, de forma a proteger seus elementos imateriais.

 

Por fim, outra novidade trazida pelo PL 5516/2019 foi a criação do Programa de Desenvolvimento Educacional e Social (PDE). O PDE, instituído pelas SAFs, em convênio com instituição pública de ensino, promove medidas em prol do desenvolvimento: da educação, por meio do futebol e do futebol, por meio da educação. Assim, tem como principais objetivos incentivar a assiduidade dos alunos matriculados em escolas públicas, promover seu interesse e envolvimento nas atividades educacionais desenvolvidas nesses espaços e contribuir para a sua formação e capacitação.

 

Vale ressaltar que, na redação original do projeto, o PDE era opcional, sendo que eram concedidos incentivos fiscais para a SAF integrante do programa, que poderia deduzir, do lucro tributável para fins de apuração do imposto sobre a renda devido, o dobro das despesas comprovadamente realizadas no período base, em convênios aprovados, celebrados e desenvolvidos no contexto do PDE.

 

O texto do PL 5516/2019 aprovado pelo Senado Federal traz o PDE como uma contrapartida social imposta pela lei, sendo dever da SAF instituir o PDE a fim de promover os supramencionados objetivos sociais do programa. Enfim, trata-se de uma iniciativa que busca fazer com que o futebol possa contribuir para o desenvolvimento socioeconômico do Brasil.


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Após aprovação no Senado, o PL 5516/2019 agora segue para votação na Câmara dos Deputados. Inclusive, inúmeros times de futebol brasileiros já se manifestaram solicitando celeridade na aprovação do PL 5516/2019 na Câmara. Notamos que a aprovação de tal projeto no Senado representa o início da mudança do ecossistema do futebol brasileiro, que atualmente está passando por sérias dificuldades, uma vez que o atual modelo associativo demonstra estar cada vez mais esgotado.

 

A despeito das críticas que possam ser feitas sobre o projeto e as emendas propostas, fato é que se deve comemorar a aprovação do PL 5516/2019 no Senado, e esperar que tal projeto seja aprovado pela Câmara dos Deputados, pois, as mudanças, em linhas gerais, buscam tornar o futebol um negócio mais confiável e promissor. Somente assim teremos como evitar o naufrágio de um dos maiores patrimônios do povo brasileiro.

 

*Rafael M. Marcondes é consultor, Mariana Grande é associada e Matheus Henrique Stringueto é integrante do Pinheiro Neto Advogados.

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