
De acordo com recentes notícias referentes à alienação dos ativos relacionados ao Serviço Móvel Pessoal (SMP) da Oi, as empresas Tim, Telefônica e Claro (TTC) teriam formado consórcio com o intuito de, conjuntamente, adquirir os ativos e, posteriormente, dividi-los entre as consorciadas. O Consórcio teria firmado, em 7 de agosto de 2020, acordo de exclusividade para negociar a venda da rede móvel com a Oi, tendo oferecido R$ 16,5 bilhões pela rede móvel da operadora.
Na prática, o acordo significa que as partes podem avançar em detalhes a respeito dos termos financeiros e operacionais da oferta sobre a rede móvel, que deverá ser adquirida em leilão até o início de 2021. De partida, portanto, cabe observar que a formação do Consórcio entre as principais operadoras de telefonia concorrentes para disputar a aquisição dos ativos pode constituir, em si, hipótese de notificação obrigatória ao Cade.
Além disso, a constituição do Consórcio impacta o processo de disputa pelos ativos da Oi, dado que Tim, Claro e Vivo participam da concorrência de maneira unificada. Cabe avaliar, portanto, a existência de condutas que estejam falseando a concorrência.
O modelo de leilão dos ativos escolhido pela Oi envolve direitos de preferência em favor do consórcio TTC, conhecido na literatura comercial como stalking horse. Nesse tipo de acordo, a empresa em recuperação judicial obtém uma proposta firme e pública de compra de seus ativos por um primeiro interessado e usa essa proposta como piso para as negociações subsequentes, garantindo um mínimo de valor aos bens alienados.
Em troca, o primeiro proponente recebe direitos de preferência, compensação em caso de perda do negócio e a possibilidade de definir parâmetros para as negociações futuras pelo vendedor com outros interessados. É possível que no acordo de preferência (stalking horse) entre Oi e TTC tenham sido impostas condições que representem fechamento de mercado para outras interessadas em participar do leilão. Sem autorização prévia da autoridade da concorrência, a própria estratégia de fatiamento do mercado – que envolve, além dos ativos móveis, a carteira de clientes da Oi – pelas três líderes do setor poderia configurar hipótese de conduta coordenada entre concorrentes para falsear a concorrência, na forma de divisão de mercado.
Oi, TIM, Telefônica e Claro representam, atualmente, cerca de 90% do mercado nacional de SMP, de modo que a aquisição dos ativos da Oi por qualquer um dos TTC, individual ou coletivamente, levaria não só à eliminação de um ator relevante, mas também à elevação dos níveis de concentração em um mercado já oligopolizado. Se aprovada na forma como pretendida pelas partes, a operação tende ainda a agravar dois problemas concorrenciais fundamentais neste mercado: o risco de exercício de poder coordenado entre os agentes remanescentes e o incremento das já elevadas barreiras à entrada. Também tende a prejudicar futuros leilões de espectro de radiofrequência pela Anatel, como o leilão de 5G.
O poder coordenado entre as grandes incumbentes poderia, em tese, ser mitigado pela ameaça de entrada de um novo player no mercado. Entrar nesse setor, no entanto, já é quase uma “missão impossível”, devido aos volumosos investimentos irrecuperáveis, a uma escala mínima viável extremamente elevada, e à necessidade de acesso a espectro de radiofrequência para prestação do serviço. Não por acaso, nenhum novo agente surgiu nesse mercado nas últimas décadas, embora tenha havido notórias saídas, inclusive a atual saída da Oi. A operação de fatiamento, conforme anunciada, encerra qualquer perspectiva de entrada, pois além de aumentar a escala mínima viável para verdadeiramente competir com as incumbentes, reduz a disponibilidade de espectro de radiofrequência para potenciais rivais.
Em uma indústria de rede com quatro players, a recuperação judicial de um deles é acompanhada pela tentativa dos demais incumbentes de fechar o acesso de novos concorrentes pagando pelos escassos ativos necessários à prestação do serviço.
Outro fator de preocupação será a extensão do impacto negativo no futuro leilão da Anatel que visa à disponibilização de parcelas do espectro de radiofrequência para a prestação de serviços de telecomunicações, inclusive por meio de redes ditas de quinta geração (5G), em áreas de abrangência regional ou nacional. Isso porque, não obstante a Anatel e a SEAE já terem apontado a importância de se promover a competitividade no mercado 5G, a efetiva participação de novos e de pequenos players no mercado de telefonia móvel mostra-se desde já inviabilizada caso o Consórcio adquira os ativos da Oi e gere ainda mais concentração.
Há inúmeros elementos que demonstram que a operação pretendida pelo Consórcio apresenta elevados riscos de natureza concorrencial. Tais riscos podem causar prejuízos a diversos stakeholders envolvidos, incluindo acionistas e credores e, sobretudo, aos consumidores no mercado de telecomunicações brasileiro. Qualquer que seja o fatiamento pretendido, a operação dificilmente passaria incólume pelo Cade.
A atuação preventiva da autarquia vem se intensificando, sobretudo em operações passíveis de gerar altos níveis de concentração nos mercados analisados. Nos últimos anos, oito operações foram reprovadas e diversas outras contaram com a imposição de remédios estruturais para dirimir os problemas concorrenciais identificados. Em todas essas operações, altos níveis de concentração foram apontados como fator fundamental para impedir a aprovação sem restrições pelo Cade.
Por todos os motivos aqui expostos, deve-se atentar para a necessidade de medidas que possam viabilizar a aquisição da rede móvel da Oi, garantindo a preservação de um ambiente competitivo e a posição dos credores da companhia. Há que se considerar estruturas alternativas que tenham por objetivo endereçar tais riscos e prevenir a inviabilização da operação e da própria atuação da Oi, ou mesmo evitar uma resposta demasiadamente tardia aos seus desafios financeiros.
Medidas como a aquisição por grupo não pertencente ao consórcio TTC ou a participação efetiva dos pequenos players no leilão, com parte do espectro sendo adquirida por players regionais, são formas existentes e totalmente factíveis de endereçar previamente problemas concorrenciais não triviais.
*José Del Chiaro é sócio fundador da Advocacia José Del Chiaro e Luiz Felipe Rosa Ramos é sócio do escritório. João Paulo de Resende é PhD em economia pela UFRJ e ex-conselheiro do Cade.
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