Pandemia, retomada econômica e créditos fiscais

Os gastos visando à prevenção, controle e diminuição dos riscos de transmissão da Covid-19, devem ter aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins/Pixabay
Os gastos visando à prevenção, controle e diminuição dos riscos de transmissão da Covid-19, devem ter aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins/Pixabay
Como ficam os créditos de PIS e Cofins sobre gastos incluídos no combate à Covid-19.
Fecha de publicación: 04/09/2020

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Muito tem sido debatido a respeito da viabilidade de as empresas sujeitas ao regime não cumulativo do PIS e da Cofins se aproveitarem de créditos relativos aos dispêndios atrelados ao enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do novo coronavírus, trazendo à tona uma série de questionamentos por parte dos estudiosos e pelos contribuintes. O tema realmente merece atenção e sua análise reflexiva e jurídica deve passar por diversos fatores.

A perspectiva de retomada da economia certamente é um deles. De acordo com dados recentes apresentados pela Fiesp/Ciesp, o Índice de Confiança do Empresário Industrial paulista (ICEI-SP) teve alta de 12,4 pontos no mês de  agosto de 2020, passando de 42,8 para 55,2 pontos, após a confiança ter permanecido quatro meses no campo do pessimismo. Esse é um dos indicadores que apontam que o setor industrial está confiante no reaquecimento econômico, com a gradativa normalização da produção e das vendas no 2º semestre.

Essa confiança certamente vem acompanhada das cautelas que a situação de saúde pública impõe, bem como do entendimento de que as medidas para promover o achatamento da curva de contágio vêm sendo tomadas, não só pelo Estado, mas também pelas entidades privadas.

É nesse contexto que as despesas incorridas pelas pessoas jurídicas para o desenvolvimento de suas atividades econômicas, em meio à pandemia da Covid-19, tais quais as relacionadas à aquisição de álcool em gel, máscaras, termômetros, entre outras, devem autorizar a apropriação de créditos de PIS e Cofins, quando forem empregadas nas atividades industriais ou de prestação de serviços, na modalidade aquisição de insumos, nos termos dos artigos 3º, inciso II, das leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003.

A respeito do assunto, o STJ já pacificou o entendimento de que, para fins de aproveitamento dos créditos dessas contribuições, os contribuintes devem considerar como insumo todos os dispêndios necessários e essenciais para o desenvolvimento da sua atividade econômica (REsp nº 1.221.170/PR).

Em síntese, aquela Corte considerou que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância. Neste particular, estabeleceu-se que o critério da relevância diz respeito ao item que, embora não seja indispensável à elaboração do próprio produto ou da prestação do serviço, integra o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva, seja por imposição legal.

Internalizando o entendimento do STJ, através do PN Cosit n° 05/2018, a RFB apresentou novos critérios para aproveitamento de créditos, compreendendo situações em que há imposição legal para a aquisição de insumo, na medida em que se a empresa não adquirir determinados itens, incidirá em infração à lei.

É dentro desse cenário que se inserem os gastos incluídos atualmente pelas empresas para retomarem suas atividades com segurança. De acordo com a Portaria Conjunta nº 20, de 18 de junho de 2020, editada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e pelo Ministério da Saúde, ficam estabelecidas medidas de ordem geral, a todos os setores econômicos, a serem observadas obrigatoriamente visando à prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da Covid-19 nos ambientes de trabalho.

Dentre outras medidas impostas pela Portaria Conjunta nº 20/2020, cabe destacar as seguintes obrigações para as organizações: ações para identificação de casos suspeitos da Covid-19, incluindo a triagem na entrada do estabelecimento com medição de temperatura corporal; a disponibilização de recursos para a higienização das mãos, incluindo água, sabonete líquido ou sanitizante adequado para as mãos, como álcool a 70%; o fornecimento de máscaras cirúrgicas ou de tecido (ainda que não sejam consideradas EPI, nos termos definidos na Norma Regulamentadora nº 6) para todos os trabalhadores e a adoção de procedimentos para que, na medida do possível, os trabalhadores evitem tocar superfícies com alta frequência de contato.

De acordo com as regras aplicáveis, importante citar que a pessoa jurídica deve manter registro atualizado, à disposição dos órgãos de fiscalização, com informações sobre as medidas tomadas para a adequação dos ambientes de trabalho para a prevenção da Covid-19.

Setores econômicos específicos, como o da saúde, da construção civil e de telesserviços, possuem orientações singulares e oficiais até então veiculadas via ofícios da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, as quais são revistas e atualizadas periodicamente (em razão do avanço no conhecimento e controle da pandemia), e devem ser observadas no que não colidirem com a Portaria Conjunta nº 20/2020.

Também no contexto de observância de regras setoriais, empresas que desenvolvem atividades na indústria de abate e processamento de carnes e derivados destinados ao consumo humano e de laticínios, por seu turno, estão sujeitas à disciplina especial, trazida pela Portaria Conjunta nº 19/2020.

No mais, diversos segmentos econômicos também estão sujeitos à normas de outros órgãos públicos, como Resoluções e Notas Técnicas da Anvisa, aplicáveis aos setores de alimentos, de cosméticos e saneantes, de dispositivos médicos e fármacos, dentre outros. Ainda, sabe-se que estados e municípios vêm celebrando protocolos específicos de retomada, com diferentes segmentos econômicos, considerada a situação da pandemia em cada região.

Isto posto, para fins de creditamento do PIS e da Cofins, é vital, portanto, fazer uma análise relacional considerando a atividade econômica de cada empresa e onde ela está localizada, com o objetivo de verificar quais os procedimentos são impostos pelo Poder Público para seu funcionamento, para que se possa, a partir daí, avaliar o enquadramento do item adquirido ao critério da relevância.

Justamente pelo fato dessa posição indicar uma análise relacional, constata-se que há um exame casuístico para cada processo produtivo, o que pode ocasionar algumas contradições quanto à caracterização do insumo em virtude dos diferentes tipos de negócio e demais circunstâncias. Tal análise importa dizer que o contribuinte deve encontrar a segurança jurídica que se espera da decisão vinculante proferida pelo STJ (REsp nº 1.221.170/PR, afetado como repetitivo).

Nessa ótica, Humberto Ávila enfatiza que o princípio da segurança jurídica está vinculado ao aspecto de cognoscibilidade (possibilidade de acesso e entendimento intelectual ao conceito normativo), confiabilidade (estabilidade e segurança quanto à permanência do conteúdo) e calculabilidade (capacidade de antecipar o conteúdo, previsibilidade). De tal modo, negar os créditos nas circunstâncias acima é violar concretamente as diretrizes responsáveis pela realização da segurança jurídica no ordenamento.

Não se trata de defender que todo e qualquer dispêndio vinculado direta e indiretamente com a Covid-19 gera direito aos créditos dessas contribuições, indiscriminadamente e independentemente de onde ele for empregado (como nas áreas administrativas). Trata-se, ao revés, de fazer uma análise criteriosa a fim de verificar quais deles são aplicados no ciclo produtivo da empresa, desde a produção de bens (ou prestação de serviços) até sua venda, com o respectivo auferimento de receita.

Deve-se lembrar que, em que pese a pandemia tenha se apresentado como fator surpresa aos contribuintes, isso não desnatura o conceito de insumos já estabelecido pelos tribunais, de modo que os itens adquiridos pelas empresas serão considerados insumos, quer pelo critério da essencialidade, quer pelo critério da relevância, quando estiverem vinculados à realização do objeto social do contribuinte.

Sem qualquer pretensão de exaurir as discussões que envolvem a matéria, independentemente do silêncio do Fisco Federal, somos da opinião de que os gastos incluídos pelas empresas visando à prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da Covid-19, quando utilizados no exercício das  atividades econômicas por imposição legal, devem ser registrados como insumos para fins de aproveitamento de créditos do PIS e da Cofins.

*Claudia Abrosio e Daniel Clarke são advogados tributarista do escritório Ayres Ribeiro Advogados.

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