
Um Consórcio formado por Jornalistas Investigativos (ICIJ) divulgou recentemente uma lista de gestores públicos que possuem empresas estabelecidas em paraísos fiscais. Segundo dados repercutidos pela mídia nacional e internacional, pelo menos trinta e cinco líderes mundiais e mais de trezentos funcionários públicos de alto escalão possuem offshores em países considerados de alto risco à fiscal , ou seja, a redução da tributação por meios ilícitos.
Os 2.6 terabytes de informação vazaram do escritório internacional de origem panamenha Mossak Fonseca; algo muito semelhante ao ocorrido no Caso Paradise Papers, em 2017 – mas com um volume muito superior de documentos divulgados.
Na atual investigação, muitas das pessoas relacionadas às Offshores são (além de milionários de todos os ramos) figuras públicas e pessoas ocupantes de cargos políticos do alto escalão. Em razão disso, o caso Pandora Papers traz uma válida lição do ponto de vista da gestão do risco corporativo.
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Antes de entrar no mérito do que o caso tem a revelar do ponto de vista de Compliance, importante que alguns conceitos fiquem claros ao leitor: Paraíso fiscal são países ou estados em que a carga tributária é muito pequena ou inexistente e que permite que as empresas mantenham em sigilo sua constituição societária.
Por sua vez, uma Offshore, empresa cujas atividades se dão “além da costa”, é a empresa constituída fora do domicílio fiscal do seu gestor, na maioria das vezes com o objetivo de proteger patrimônio contra instabilidades do mercado do países de origem de seus sócios ou investidores.
Pessoas que visam à elisão fiscal podem utilizar como ferramenta útil a manutenção de uma empresa offshore em um paraíso fiscal, para que a autoridade fiscal do seu domicílio de recolhimento tributário tenha mais dificuldade em mapear operações e autuá-las quanto aos impostos devidos, justamente porque conseguem manter oculta a sua participação societária na organização.
Desta forma, garantem um recolhimento tributário muito inferior ao que teria em seu país de domicílio fiscal, o que pode constituir, em princípio, uma burla ao sistema tributário de seu país de origem.
Dentre os trinta e cinco gestores públicos que possuem offshores em paraísos fiscais aparecem o Presidente do Azerbaijão, o Primeiro Ministro da República Tcheca, o Presidente de Cyprus, um ex-Primeiro Ministro Inglês, os Presidentes da Ucrânia e da Rússia e gestores públicos de alto escalão de diversos países.
Empresas que possuem mecanismos internos de gestão de riscos – como checagem de integridade (due diligence) – e um programa de Compliance estruturado, via de regra têm como tema de contenção de risco corporativo o evitamento de quaisquer negociações com organizações que estejam situadas em paraísos fiscais.
O motivo das checagens preventivas de compliance e das rotinas de evitamento das negociações é que tais empresas – embora não necessariamente – são comumente escolhidas para o cometimento de crimes como lavagem de dinheiro, financiamento ao terrorismo e, evidentemente, sonegação fiscal.
Como a quantidade de informação que deve ser divulgada por empresas em paraísos fiscais é consideravelmente inferior ao que é necessário em um país com carga tributária normal, torna-se mais fácil utilizar os paraísos fiscais como sede ao cometimento de tais ilícitos. Quanto menor a transparência demandada, mais fácil dissimular atos contrários ao direito.
Por esse motivo, a empresa associada a uma organização constituída em paraíso fiscal pode sofrer importantes impactos não só de imagem, mas também financeiros e legais. Se uma dessas empresas situadas em paraísos fiscais passa a ser investigada, parceiros comerciais e clientes podem igualmente entrar na mira de autoridades públicas e terem suas operações também questionadas.
Neste sentido, mesmo que a empresa não tenha absolutamente nenhuma ação irregular, o simples fato de ter uma organização constituída em paraíso fiscal como parceira de negócios pode conduzir seus Diretores a uma investigação criminal, ou pior: a uma ação penal.
Ocorre que o caso Pandora Papers traz mais um importante gatilho de Compliance: a facilidade em ocultar a participação societária torna a abertura de empresas offshore extremamente interessante para figuras públicas e pessoas expostas politicamente que são, por si só, contrapartes de altíssimo risco do ponto de vista de Compliance.
Além do risco inerente, pode-se constatar outro risco bastante relevante quando se está preocupado em gerir o risco corporativo: a empresa que negocia com offshores pode estar lidando com uma organização que possui na sua composição societária uma pessoa pública ou exposta politicamente.
O risco de manter uma relação próxima – notadamente negocial – com pessoas expostas politicamente ou figuras públicas é o aumento exponencial da exposição aos crimes de corrupção (principalmente na modalidade pública, mas também da versão privada – em países que a preveem).
Empresas que possuem em sua composição societária pessoas públicas e com conexões políticas possuem mais propensão ao envolvimento em situações de suborno e pagamento de facilitação.
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Deste modo, as diligências de Compliance se tornam essenciais para a descoberta da composição societária das organizações, bem como para o esclarecimento da natureza das empresas com as quais se está a contratar.
Tais diligências auxiliam, ainda, na descoberta da composição dos seus respectivos grupos econômicos – se de alguma forma compostos por offshores ou não – bem como sobre a espécie de sistema tributário do país em que estão sediadas eventuais offshores.
Havendo, enfim, efetiva diligência, alguma agilidade e, principalmente, clareza de propósitos, não é necessário que as organizações corram o risco de abrir as caixas.
*Eduardo de Avelar Lamy é sócio do escritório Lamy & Faraco Lamy e presidente da Comissão de Compliance da OAB/SC.
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