
Os dois últimos anos foram marcados pelas dificuldades que o Brasil enfrentou em razão da pandemia. Foram problemas de falta de estrutura do sistema de saúde, aumento do desemprego e da fome e aguda crise econômica, que impactou, inclusive, a arrecadação de tributos.
Nesse contexto de crise das finanças públicas, e ainda em tempos de pandemia com os tribunais realizando julgamentos virtuais em larga escala, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal julgou uma quantidade de casos tributários muito maior do que costumava fazer. O tribunal ainda deu relevância às consequências financeiras dos julgamentos, a exemplo das derrotas dos contribuintes sobre contribuições previdenciárias sobre um terço de férias, contribuições de terceiros e teses filhotes de exclusão da ICMS com base de cálculo do PIS/COFINS.
Para 2022, vislumbramos que a realidade pandêmica ainda pode afetar as questões tributárias tanto no âmbito do STF, quanto no Poder Legislativo.
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Quanto aos assuntos já pautados para julgamento, destacamos três temas relevantes ao agronegócio, referentes à constitucionalidade das contribuições previdenciárias substitutivas incidente sobre receita bruta. São eles a sub-rogação da contribuição devida pelo produtor rural pessoa física, a contribuição das agroindústrias e a contribuição ao Senar.
Ademais, no âmbito do STF e do Superior Tribunal de Justiça, há outros temas fiscais relevantes para muitos contribuintes, pautados para este primeiro semestre, como a análise da constitucionalidade do voto de qualidade no CARF em favor do contribuinte, anão incidência de ICMS entre estabelecimentos de mesma titularidade, as regras de cálculo de verba de sucumbência, a multa isolada por compensação não homologada e multas elevadas, as regras de preço de transferência, a CIDE e a não-cumulatividade de insumos dentre outros.
Assim, há grande expectativa sobre a forma como que as Cortes Superiores irão enfrentar esses assuntos – se de forma consequencialista, com foco no resultado financeiro e social da tese, ou puramente jurídica, independentemente dos impactos ao orçamento público.
Do lado legislativo, verifica-se que a produção durante estes últimos dois anos também foi extremamente impactada e focada nas demandas decorrentes da pandemia. Com isso, alguns assuntos que eram tratados como prioridade no início deste governo, como a Reforma Tributária e a Reforma Administrativa, não foram definidos.
Mais especificamente quanto à Reforma Tributária, mesmo com as dificuldades da pandemia, foram realizadas diversas discussões, audiências públicas, apresentação de relatórios em comissões e até mesmo algumas votações plenárias. Contudo, nenhum projeto de lei chegou a ter sua votação concluída.
Consequentemente, em 2022 há a expectativa de que o Congresso vote a PEC 110 (criação de IVA dual em substituição aos atuais tributos indiretos) e, eventualmente, o Projeto de Lei n. 2.337/2021, conhecido como Reforma do IR.
Quanto à PEC 110, o senador Roberto Rocha, relator, está próximo de apresentar a versão final de seu texto, contemplando a análise das emendas e das negociações com os demais congressistas. Caso este texto venha a ser aprovado na comissão pertinente, poderemos ver ainda esse ano a votação em plenário, em dois turnos, tanto no Senado quanto na Câmara dos Deputados.
Em relação à Reforma do IR, apesar de o relator senador Ângelo Coronel não ter dado encaminhamento ao projeto desde que o recebeu da Câmara dos Deputados, também há a expectativa de que o assunto possa voltar aos debates, especialmente porque diversos pontos ali tratados versam sobre aspectos que impactam diretamente a possibilidade de o Brasil vir a ser aceito como membro da OCDE, a exemplo da redução da alíquota do imposto de renda da pessoa jurídica e da tributação dos dividendos.
Vale o destaque para o fato de que o ambiente no Senado é muito mais propício para a discussão e aprovação de Reformas, pois 2/3 dos senadores não participam de eleições em 2022, já que possuem mandatos de 8 anos. Já na Câmara, a eleição é um assunto muito mais relevante e que envolve a integralidade dos deputados, o que pode prejudicar o desenrolar das votações.
Além da Reforma Tributária, o poder legislativo também possui outras matérias fiscais a serem analisadas ainda nesse ano. O projeto que tem chamado mais a atenção dos contribuintes é o apelidado de PERT-COVID.
Com efeito, trata-se de programa de parcelamento especial federal com relevantes vantagens e descontos. Por exemplo, o projeto prevê um pedágio de 10% do valor total da dívida, possibilidade de liquidação de 50% do saldo remanescente com prejuízo fiscal, crédito próprios ou de terceiros (sem benefícios) e reduções no saldo com benefício de 70% de juros de mora, multa, e 100% dos encargos legais.
Apesar de já ter sido aprovado no Senado, o texto do PERT-COVID sofreu alterações na Câmara. Assim, quando vier a ser aprovado, ainda terá que retornar ao Senado para aprovação das mudanças.
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Não obstante o aparente ambiente favorável para a aprovação do Pert-Covid no Congresso, há movimentações por parte da Receita Federal e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional para barrarem o projeto e fortalecerem o instituto da transação tributária, que na visão desses órgãos seria o meio mais justo, perene e que não beneficiaria devedores contumazes, atendendo às necessidades dos contribuintes efetivamente prejudicados pela pandemia e também visando a desejada e necessária redução de litígios.
Portanto, mesmo sem o efetivo fim da pandemia e a retomada da economia, o país aguarda – e clama – por um cenário de maior segurança jurídica e previsibilidade, simplificação do sistema tributário e ajuda aos contribuintes efetivamente afetados pela pandemia.
*Maria Rita Ferragut, Paulo Roberto Gomes e Carolina Martins Sposito, respectivamente sócia e associados da área tributária de Trench Rossi Watanabe
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