A penhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial

Lei não menciona se o contrato de locação é de imóvel residencial ou comercial e, por esse motivo, existiam jurisprudências em sentidos diversos/Canva
Lei não menciona se o contrato de locação é de imóvel residencial ou comercial e, por esse motivo, existiam jurisprudências em sentidos diversos/Canva
STF trouxe mais segurança aos contratos ao uniformizar a locação residencial e comercial.
Fecha de publicación: 01/07/2022

Em decisão recente, de março deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) unificou seu entendimento em relação à penhorabilidade do bem de família do fiador em contratos de locação comercial ao julgar o RE 1.307.334 e declarar que é constitucional a penhora. Com 7 votos favoráveis e 4 contrários, o Tribunal trouxe mais segurança aos contratos de locação, na medida em que trouxe uniformidade para a locação residencial e comercial, esclarecendo um entendimento que já constava na Lei nº 8.009/90, mas dando-lhe uma interpretação mais clara.

Antes de aprofundarmos no caso em si e em suas consequências, prestaremos alguns esclarecimentos sobre a fiança e o bem de família. A primeira se trata de um contrato por meio do qual o fiador garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. Como exemplo, tem-se o contrato de locação de imóvel, no qual a pessoa que assumiu a fiança poderá ser responsabilizada pelo pagamento de aluguéis e despesas acessórias caso o locatário se torne inadimplente. Essa responsabilização recai sobre todo o patrimônio do fiador, ou seja, se este não tiver dinheiro para quitar a dívida do locatário, poderá ter seus bens penhorados, a exemplo de carro e imóveis. A fiança é a modalidade de garantia mais utilizada nos contratos de locação de imóveis, embora a lei preveja outras como caução, seguro fiança e títulos de capitalização.

Apesar da lei permitir a limitação da garantia da fiança, conforme dispõem os artigos 822 e 830 do Código Civil, a grande maioria dos contratos abrange a responsabilidade integral por toda e qualquer dívida do locatário devedor. De modo que a consequência mais significativa é o fiador perder seu próprio imóvel para a quitação da dívida.


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Com isso, surge a discussão a respeito do alcance dessa responsabilidade do fiador no que diz respeito ao seu bem de família. A Lei nº 8.009/90 dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família e o define como o imóvel residencial próprio do casal ou da entidade familiar, estabelecendo que esse bem não responderá por qualquer tipo de dívida contraída pelos cônjuges, pelos pais ou filhos, que sejam proprietários e nele residam, com algumas exceções previstas na própria lei.

Dentre essas exceções, tem-se a obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação (art. 3°, VII, da lei 8.009/90). A lei não menciona se o contrato de locação é de imóvel residencial ou comercial e, por esse motivo, existiam jurisprudências em sentidos diversos. Algumas considerando que o bem de família do fiador poderia ser penhorado em decorrência de dívidas de contrato de locação de qualquer tipo de imóvel, enquanto outras consideravam que a penhora só poderia ser aplicada se a dívida fosse decorrente de locação de imóveis residenciais, não abrangendo os comerciais.

Em que pese o STF ter publicado em 2010 o tema 295, no qual declarou ser constitucional a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação, sem fazer qualquer distinção entre a locação residencial e comercial, os Tribunais brasileiros permaneceram julgando os processos com entendimentos divergentes no que dizia respeito à locação de imóvel comercial. Agravando o cenário, em 2018, a 1ª turma do Tribunal julgou um RE (605.709) envolvendo o tema, no qual foi definida a impossibilidade da penhora do único bem de família do fiador no caso de locação comercial.

Agora, a decisão de 8 de março último finalmente unificou o entendimento da Corte. No julgamento, o Ministro Relator Alexandre de Morais afirmou que a lei 8.009/90 não fez distinção entre locação residencial e comercial para fins de excepcionar a impenhorabilidade do bem de família do fiador, ressaltando que “Se a intenção do legislador fosse a de restringir a possibilidade de penhora do imóvel do fiador ao contrato de locação residencial, teria feito expressamente essa ressalva”.

O Ministro afirmou, ainda, que o fiador de locação comercial, de livre e consciente vontade, assumiu essa fiança e, ao assumir, soube que o seu patrimônio integral poderia responder em caso de inadimplemento, inclusive seu único bem. Para ele, reconhecer a impenhorabilidade poderia causar grave impacto na liberdade de empreender do locatário e no próprio direito de propriedade do fiador.

Em sentido contrário, os Ministros Edson Fachin, Lewandowski, Rosa Weber e Carmen Lúcia votaram pela impenhorabilidade do bem de família do fiador em contrato de locação comercial. Para Fachin, é preciso proteger o bem de família do fiador nesses contratos. O Ministro manifestou seu entendimento alinhado ao parecer da Procuradoria Geral da República, que defende o direito à moradia e diz que o Estado é obrigado a assegurar medidas adequadas à proteção de um patrimônio mínimo.


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Apesar dos votos contrários à impenhorabilidade, a maioria dos Ministros votou pela legalidade da penhora do imóvel bem de família do fiador tanto nos contratos de locação residencial, quanto nos contratos de locação comercial, sendo este, portanto, o entendimento jurisprudencial vigente que deve servir de parâmetro para os processos de execução de dívidas locatícias e traz maior segurança jurídica aos contratos de locação, unificando a locação residencial e comercial.

Essa uniformização impulsiona o empreendedorismo, fortalecendo a economia, na medida em que pessoas físicas e jurídicas, incluindo imobiliárias, se sentem mais seguras de formalizar um contrato de locação ao saberem com clareza todos os efeitos que decorrem daquele instrumento contratual, inclusive em eventual inadimplência.

O principal desafio do judiciário agora é transmitir esse julgado para a sociedade, ou seja, veicular essa informação para que seja acessível a todos, evitando que pessoas leigas formalizem contratos como fiadoras sem ter conhecimento de que podem perder o seu único imóvel em eventual inadimplência do locatário.

*Fabiana Pessoa J. Britto e Marcella Castro de A. Moreira são advogadas do Coelho & Dalle Advogados.

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