Por que a Covid-19 afetou mais os países da América Latina?

Em grande parte, seria possível culpar o atraso na vacinação de alguns países, mas essa explicação não é completa/Pixabay
Em grande parte, seria possível culpar o atraso na vacinação de alguns países, mas essa explicação não é completa/Pixabay
Tirando o Brasil, a maior parte das nações sofreram e continuam a sofrer com a recessão.
Fecha de publicación: 14/06/2021

É, não tem jeito. Mercados emergentes são mercados emergentes. Se fossem desenvolvidos não seriam considerados emergentes e fadados a sofrerem pelos wrongdoings do passado, como emissão desenfreada da moeda para cobrir déficits impagáveis. Isso sem contar os governos populistas, com alta octanagem ideológica, que se aliam com políticos com interesses nada republicanos em um abraço nada fraternal, mas de puro interesse paroquial.

Junta-se a isso um negacionismo fiscal, e aptidão desenfreada a favor da pseudociência, misturada com um alto nível de informalidade da economia e rascunhamos os motivos de estarmos alguns largos passos atrás da recuperação de outras economias.


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Tirando um país como o Brasil, que logrou ter uma queda de PIB de apenas 4.1% em 2020 e talvez um crescimento acima de 5% este ano, a maior parte dos países da América Latina, sofreram e continuam a sofrer com a pandemia. Em grande parte, poder-se-ia culpar o atraso na vacinação de alguns países, mas essa explicação não é completa.

É sabido que o outbreak da Covid-19 preconizava políticas sanitária e econômica que achatassem as curvas de mortos e infecções e da recessão. Receita adotada por muitos países, inclusive políticas essas adotadas por alguns países da América Latina, mas há de se considerar as idiossincrasias das economias de nosso conjunto de países.

Mesmo com políticas de lockdown e isolamento social, a larga existência de comunidades onde os familiares vivem sob o mesmo teto, já denota o início do fracasso de um lockdown, mesmo que assertivo e duro. Isso sem contar alguns políticos que se sentem mais fotogênicos politicamente defendendo o fim do isolamento social, outros advogam até o abandono da máscara, mesmo sem atingir a imunidade de rebanho. Nem me meto nisso, mas acho prudente, como economista, continuar usando a máscara e não espirrar na cara dos outros. Pura precaução exagerada. Talvez.

Por outro prisma, mesmo se desconsiderarmos os defensores da abertura total e irrestrita das atividades econômicas e buscássemos adotar um lockdown bem mais restrito, talvez o resultado não seria tão favorável, quanto observado em alguns países desenvolvidos. Suponhamos um pai que more com 8 a 10 membros da mesma família sob um mesmo teto. Basta que um deles saia do confinamento para contaminar todos os integrantes da casa.

Isso sem falar na falta de respeito de alguns cidadãos, que buzinam em seus carros blindados e bem protegidos pedindo o retorno ao trabalho de “seus funcionários”, enquanto esses pseudo cidadãos do bem continuam a praticar o home-office na tranquilidade das conexões via zoom e circuitos internos de televisão, como forma de monitoramento de seus funcionários braçais. Aí fica fácil pedir o fim do lockdown.

Mas em que pese o negacionismo sanitário e as condições precárias em se praticar o isolamento social, dada a enorme quantidade de comunidades ou favelas, a maior parte dos países da América Latina já gastaram tudo o que podia e o que não podia, tanto em termos monetários quanto em credibilidade. A famosa restrição orçamentária, que aflige tanto a nossa região. 

Vamos gastar mais! Vejam os EUA com sua política fiscal expansionista de US$ 6 trilhões, grita o político, que duvida ingenuamente ou não das limitações do estado. Claro, pois pedir mais expansionismo fiscal ajuda na formação de novas amizades políticas, causa menos embaraços e ainda ganha o carinho do povo que acha que a conta não virá. Para alguns talvez esse dogma já é suficiente, para outros, faz parte de um tópico de macroeconomia básica chamado de “efeito deslocamento” ou “crowding out effect”. Maiores gastos governamentais expulsam ou deslocam a poupança privada para financiar os gastos públicos. Maior necessidade de recursos e maior risco fiscal levam a uma maior inclinação da curva de juros ou juros mais altos, o que contribui para que o consumo e os investimentos minimizem o efeito expansionista do gasto defendido pelo paladino da retidão cristã.


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A tabela abaixo mostra o mapa do endereçamento e das restrições enfrentadas pelos principais países da América Latina em termos de restrição orçamentária, contenção, qualidades dos sistemas de saúde, interrupção da atividade econômica, informalidade e dependência de commodities.

Mapa da Covid-19: Latam

 

Contenção: Avaliação feita pela EIU sobre a rigidez do distanciamento social, execução do protocolo, controle de fronteiras e medidas adotadas para aumentar o número de testes;

Sistemas de saúde: Capacidade do país em responder à pandemias e epidemias de acordo com o Global Health Security Index;

Interrupção da atividade econômica: Utiliza a contribuição do segmento de serviços para medir o impacto no PIB;

Informalidade: Proporção de empregados informais (menor capacidade de receber assistência monetária de emergência;

Estímulos fiscais projetados: Considera a magnitude do estimulo fiscal (% PIB);

Endividamento público: Dívida pública / PIB.

Fonte: El impacto econômico de la crisis de coronavirus em América Latina 

É óbvio constatar que enquanto um país, eventualmente tenha buscado uma política de isolamento social draconiana, possa ter sofrido quanto ao nível de informalidade de seus trabalhadores, onde a assistência fiscal simplesmente não chega, pois são trabalhadores invisíveis. Veja o quadro abaixo, onde mostramos o nível de informalidade por região de 2010 a 2017 como percentual do PIB. Com exceção da África subsaariana, a América Latina é a região que conta com maior número de empregados informais, muitas vezes invisíveis que dificilmente tiveram acesso aos escassos recursos fiscais de seus governos, piorando ainda mais a curva da recessão que precisava ser achatada. 

Tamanho da economia informal por região, 2010 – 2017 (% PIB)

Fonte: El impacto económico de la crisis del coronavirus en América Latina

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Mesmo países que já demonstram estar bem à frente quanto ao processo de vacinação, há de se considerar que achatar as curvas de recessão, mortes e infecções requer um conjunto de atributos que nem todos os países logram ter, ou por falta de endownments, como restrições monetárias ou por puro negacionismo sanitário, que por incrível que pareça acaba levantando algumas arquibancadas exóticas.

*Roberto Dumas é economista e professor no Insper.

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