Em recente decisão publicada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (Rio de Janeiro), um trabalhador que passou por processo de transição de gênero dentro da empresa foi indenizado em R$ 60 mil, ante a discriminação sofrida no ambiente de trabalho.
No caso, em que pese ter agido com integral transparência em todo o procedimento, e requerido o uso de seu nome social na fase de transição, sofreu discriminação por parte de seu empregador, a empresa de segurança e vigilância Prosegur Brasil S/A Transportadora de Valores e Segurança, que se recusou a alterar a documentação do trabalhador e registrar seu nome social nos documentos internos, bem como preconceito por parte de superiores hierárquicos e colegas de trabalho, que faziam piadas e chacotas sobre sua situação e se recusavam a tratá-lo por sua identidade de gênero, incluindo aí proibição de uso do banheiro masculino.
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Na decisão, constou do voto da desembargadora Carina Bicalho importante lição: “A discriminação por identidade de gênero é nefasta, porque retira das pessoas a legítima expectativa de inclusão social em condições iguais aos que compõem o tecido social. Dói. Mas dói na alma, no desejo e no sentido de contribuir para construir uma sociedade vocacionada à promoção do bem de todos e sem preconceitos de qualquer ordem, que assegure o bem-estar, a igualdade e a justiça como valores supremos e a resguardar os princípios da igualdade e da privacidade, como quer a Constituição que organiza esse tecido social”
A decisão é um marco na proteção aos direitos de trabalhadores transexuais, mas sabidamente muitas delas ainda estão por vir na Justiça do Trabalho nos próximos anos.
Isto porque o mercado de trabalho tem pouco preparo e discrimina muito trabalhadores trans. Quem são esses trabalhadores?
Pessoas trans são aquelas que não se identificam com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento. Uma mulher trans por exemplo, é alguém a quem, pela aparência dos genitais, foi designado o gênero masculino, mas ela se identifica como mulher e, o contrário é igualmente verdadeiro (como no caso aqui exposto do trabalhador agora indenizado na Justiça do Trabalho).
As empresas não sabem como agir desde o processo seletivo, quando há a comunicação da condição trans, que por vezes traz em seu bojo a alteração de documentos ou processo de transição em andamento, gerando dúvidas sem trato mínimo. Situação como a compartilhada por Daniela Andrade em entrevista para a Carta Capital que, ao relatar a decisão judicial de modificação de seus documentos, ouviu da recrutadora: “Isso significa que você nasceu homem?”. Ou como a situação da presente reclamação trabalhista que ouvia em seu ambiente de trabalho frases como “Isso é palhaçada, não existe”, ou “Bolsonaro vai acabar com isso!”.
Destaquemos ainda a questão no setor de vigilância e segurança, um dos mais machistas, tanto para mulheres como para pessoas trans, cuja necessidade de reavaliação é premente.
É importante compreender que nunca na história tivemos tantas oportunidades de escolha e direitos preservados para exercê-las, e que tais conquistas vieram de muitas lutas e sofrimento da comunidade trans. Nada veio de mão beijada, então, é essencial reconhecer os direitos até aqui conquistados e facilitar os demais que merecem ter.
Assim, ao sabidamente se identificar com um gênero, ainda que no nascimento o genital ou o reconhecimento social tenha sido outro, há a oportunidade de regularizar a situação perante a lei, mediante a mudança de documentos, e perante a sociedade, através da exigência de tratamento pelo meio e da forma na qual se reconhece. Repita-se pela importância: é uma conquista e deveria ser valorizado o direito à felicidade, a se olhar no espelho e se reconhecer na imagem; jamais ser alvo de preconceito e desvalorização da pessoa.
Portanto, é essencial que as empresas reconheçam tais direitos, valorizem a coragem das pessoas trans e sejam inclusivos em seus processos seletivos, preparando seus profissionais não só para recepcioná-los, mas em todo o processo e no convívio diário.
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Deste modo, quando a empresa dá exemplo de política afirmativa, contribui com a sociedade e fim social a que se destina e, certamente, não estará no triste rol de quem perde dinheiro indenizando o preconceito e criando má-fama no mercado de trabalho.
Qual dessas empresas a sua quer ser?
*Janaina Ramon é advogada trabalhista e membro do Grupo de Diversidades de Crivelli Advogados
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