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É preciso que se diga isso à exaustão, para que possamos (oxalá) entender de forma adequada decisões que simplesmente reforçam o mandamento constitucional e, sobretudo, regras contidas no Código de Processo Penal.
Mas a mídia, não especializada, sensacionalizando decisões judiciais acertadas, advogam ou inflamam o sentimento popular de que essa ou aquela decisão, ou melhor que determinado Ministro - agora o Marco Aurélio, teria “soltado grande traficante e criminoso”.
Ministro não solta traficante. Ministro não determina prisão de “inocente”. Pelo menos não deveria, e assim devemos crer que é cumprida a missão constitucional do STF.
É preciso confiar - a despeito de discursos em sentido contrário de muito dos membros do próprio Supremo Tribunal Federal - que sempre haverá respeito ao texto legal e constitucional, sem a politização das decisões ou ainda a tentativa de dar interpretação ao texto que é claro, especialmente a rasteira tentativa de estica e puxa para justificar, muitas vezes, acolhimento de anseios populares, como se, mais uma vez, fosse esse o papel do julgador.
Mas voltando a decisão do ministro, a sua leitura não deixa dúvidas do seu acerto e ela somente foi necessária em razão da omissão das instâncias inferiores e em razão, repita-se, da regra clara do Código de Processo Penal, aqui reproduzida:
“Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal”.
Aliás, muito do que chega ao STF poderia ter sido evitado se tivéssemos decisões melhores, sob o ponto de vista legal e não popular.
A figura de juízes que se intitulam representantes do combate à corrupção e criminalidade, tal como promotores movidos pelo mesmo anseio, já revelou (e continua relevando) que esse caminho se mostra contrário a própria estrutura democrática que deve reger o direito, especialmente o penal, e sobretudo o sistema acusatório, recentemente reforçado pela clareza do novo artigo 3º A do Código de Processo Penal.
O processo direcionado para as convicções pessoais de julgadores e promotores revela a utilização nefasta do sistema e produziu nos últimos anos um viés que atinge de morte a função do direito penal, especialmente pela produção de um recrudescimento promovido por mera interpretação de textos que, como dito, sequer deveriam exigir tamanho esforço para sua aplicação.
Seria talvez muito mais fácil para o ministro Marco Aurélio negar o pedido e manter a prisão preventiva, mas agindo assim não estaria albergado pela legislação e, pelo que está nos autos, mas pelo anseio popular e por questões estranhas aos autos, como a também popularidade do “cliente” da Justiça. A regra é muito clara: prisão preventiva não é prisão definitiva ou prisão pena e não pode se protelar no tempo e no espaço como se assim fosse, lançando no calabouço do sistema prisional a provisoriedade como um buraco negro.
Ora, se o juiz de piso que conduz o processo fizesse a revisão dentro do período determinado pela lei sobre a necessidade da manutenção da preventiva, decidindo de forma motivada (e não automatizada), sobretudo em razão da contemporaneidade e do receio concreto de perigo e de fatos novos, a decisão do ministro poderia ter sido outra.
Se a nova disciplina do parágrafo único do artigo 316 do Código de Processo Penal que fundamentou a decisão acertada do ministro será utilizada ou invocada como tal deveria ser, portanto, um limitador do tal buraco negro ou apenas mas uma exigência formal, que será cumprida por juízes com um despacho padronizado (e que será alvo de ataques e motivará recursos até o STF) somente o tempo dirá.
Mas se pudesse apostar, diria que o mesmo que ocorreu com a Lei 9099/95 ocorrerá com essa previsão de revisão da preventiva, bem como o que já se constata com as cautelares alternativas a prisão: a sua subversão.
*Franklin Gomes – advogado criminalista, sócio do Franklin Gomes Advogados.
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