Projeto quer criar tributação retroativa dos ganhos em fundos de investimento

A base de cálculo do come-cotas deveria ficar restrita aos ativos já realizados pelo fundo fechado/Fotos Públicas
A base de cálculo do come-cotas deveria ficar restrita aos ativos já realizados pelo fundo fechado/Fotos Públicas
Proposta discute a cobrança de impostos de valorização acumulada de cotas até 31 de dezembro de 2021.
Fecha de publicación: 09/07/2021

Dentre as alterações propostas pelo Projeto de Lei que trata da Reforma de Imposto de Renda, chama atenção a introdução do chamado “come-cotas” para os fundos de investimento fechados, inclusive sobre a valorização das cotas ocorrida até 31 de dezembro de 2021, ou seja, sobre o “estoque” dos ganhos acumulados. 

Segundo o PL, para fins da incidência do Imposto de Renda na Fonte (“IRF”) consideram-se fictamente pagos ou creditados aos cotistas, os rendimentos correspondentes à diferença positiva entre o valor patrimonial da cota em 1º de janeiro de 2022 e o custo de aquisição, ajustado pelas amortizações ocorridas. 

Por outro lado, em relação aos rendimentos auferidos pelo fundo fechado a partir de 1º de janeiro de 2022, a incidência do IRF ocorrerá no último dia útil do mês de novembro de cada ano, ou no ato da distribuição dos rendimentos, amortização, ou resgate das cotas em caso de encerramento do fundo.


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Nota-se que, além da introdução do come-cotas sobre os rendimentos futuros auferidos pelos fundos fechados, o PL pretende tributar retroativamente a valorização acumulada das cotas até 31 de dezembro de 2021, por meio da criação de um novo fato gerador que cria a ficção de que os rendimentos correspondentes a essa valorização serão considerados pagos ou creditados em 1º de janeiro de 2022. 

Segundo o PL, o administrador do fundo deverá fazer a retenção do IRF de 15% sobre o ganho apurado, devendo recolher o imposto em cota única até 31 de maio de 2022. Também prevê que a alíquota será reduzida para 10% se o contribuinte antecipar o recolhimento do IRF, efetuando o pagamento em cota única até o terceiro dia útil subsequente ao decêndio de ocorrência do fato gerador.
 
No entanto, a tentativa de tributação da valorização acumulada das cotas até 31 de dezembro de 2021 é inconstitucional, pois viola o princípio da irretroatividade (CF, art. 150, III, “a”), segundo o qual a lei nova não pode retroagir para alcançar fatos geradores anteriores à sua entrada em vigor.

O PL estabelece uma nova hipótese de incidência tributária sobre uma distribuição ficta de rendimentos, motivo pelo qual somente poderia incidir sobre rendimentos posteriores à sua entrada em vigor, não atingindo os rendimentos já auferidos pelos fundos de investimento, mesmo que ainda não distribuídos aos cotistas. A ficção criada pelo legislador não pode servir como um mecanismo de burla ao princípio da irretroatividade e da própria segurança jurídica.  
 
Nota-se a semelhança da tributação automática do IRF prevista no PL com a questão resolvida no precedente firmado pelo STF na ADIN 2588, onde se discutia a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 74 da MP 2.158-35/01, que estabelecia que os lucros anteriormente apurados por controlada ou coligada no exterior, até 31 de dezembro de 2001, seriam considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002. 

No julgamento da ADIN, em 10 de abril de 2013, o Plenário do STF decidiu, por maioria absoluta, pela inconstitucionalidade da tributação dos lucros auferidos antes de 31 de dezembro 2001, por ofensa ao princípio da irretroatividade.
 
Trata-se de importante precedente, cuja razão de decidir (ratio decidendi) aplica-se perfeitamente à tentativa de tributação retroativa dos ganhos auferidos pelos fundos até 31 de dezembro de 2021. Em suma, embora esses ganhos ainda não tenham sido distribuídos aos cotistas, não tendo ocorrido o fato gerador do imposto de renda, a introdução de um novo fato gerador (fictício) somente poderia atingir rendimentos futuros auferidos pelos fundos fechados.


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Mesmo em relação à incidência do come-cotas sobre valorização futura das cotas dos fundos fechados, ou sejam a partir de 1º de janeiro de 2022, entendemos que tributação deveria se liminar à valorização correspondente a ativos efetivamente realizados pelo fundo e cujos resultados não sejam distribuídos dos cotistas. 

Em outras palavras, quando o muito, a base de cálculo do come-cotas deveria ficar restrita aos ativos já realizados pelo fundo fechado, não podendo abranger ganhos decorrentes de simples marcação a mercado de ativos, pois a tributação de valorização meramente potencial ou contábil ofende ao princípio da realização ou da disponibilidade econômica ou jurídica da renda (CTN, art. 43).
 

*Hugo Barreto Sodré Leal é sócio na área tributária do Cescon Barrieu.

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