Propaganda online: desafios práticos e jurídicos de uma nova realidade

A propaganda em meio digital ocupa espaço cada vez mais relevante em atividades corriqueiras das pessoas/Unsplash
A propaganda em meio digital ocupa espaço cada vez mais relevante em atividades corriqueiras das pessoas/Unsplash
No Brasil, a discussão permanece viva no Judiciário, que tem proferido decisões conflitantes sobre o tema.
Fecha de publicación: 27/07/2021

Até março de 2021, a internet testemunhava a participação de 5 bilhões de usuários online, em um universo total de 7,8 bilhões de indivíduos em todo o mundo. Isso representa mais de 65% de penetração da internet e um crescimento de 1.332% em relação a 20 anos atrás.

Como consequência da expansão da internet, observou-se o advento de novas estratégias publicitárias. Afinal, em sendo a alma do negócio, a propaganda não poderia ficar de fora dessa revolução.

As diferenças entre a publicidade online e tradicional são fundamentais.

Primeiro, as mídias tradicionais geralmente têm conteúdo programado e estático, enquanto, na web, os consumidores têm muito mais controle sobre o conteúdo que visualizam. Isso garante aos consumidores um papel mais ativo na programação do conteúdo visualizado.

Segundo, os anunciantes têm acesso a uma customização muito maior de perfis e de potenciais destinatários dos seus anúncios. Ou seja, os anúncios podem ser direcionados a uma determinada categoria de consumidores que esteja alinhada com a estratégia de comunicação do anunciante.

Um dos exemplos mais corriqueiros de publicidade online à luz da preferência dos consumidores são os anúncios exibidos em mecanismos de busca.


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Ao acessar um site de pesquisa, o usuário digita o termo desejado no campo de busca e obtém uma lista de sites que combinam com os critérios utilizados. Para além dos resultados orgânicos da pesquisa (não pagos, acionados pelos algoritmos a partir de critérios de relevância), o site de pesquisa pode reservar um espaço para anúncios. Dessa forma, os anunciantes podem atrelar as suas campanhas a determinados termos que, quando pesquisados, acionam o anúncio.

Esse tipo de engajamento tem a enorme vantagem de permitir ao anunciante ser mais assertivo e exibir seus anúncios a partir de contextos relacionados. Ou seja, trata-se de uma publicidade contextualizada – os anúncios não são acionados em qualquer contexto, para qualquer pessoa, mas normalmente para aqueles que possuem interesse no termo buscado, agregando eficiência e afinidade entre anúncio e usuário.

Isso, porém, pode gerar alguns cenários de dúvida: pode, por exemplo, o anunciante utilizar a marca de um concorrente como palavra-chave para exibir os anúncios da sua própria marca?

A discussão não é nova. Em 2010, o Tribunal de Justiça da União Europeia discutiu o assunto,  tendo manifestado o entendimento de que o uso da marca como palavra-chave no Ads não configura uso comercial pela plataforma e que o titular da marca poderia coibir o seu uso apenas se verificado que o anúncio, na forma como apresentado, não permite determinar se aquele produto tem relação com o titular do sinal buscado.

No Brasil, a discussão permanece viva no Judiciário, que tem proferido decisões conflitantes sobre o tema. Titulares de direitos por vezes entendem que buscas por suas marcas deveriam lhes garantir o primeiro lugar entre os resultados, inclusive os resultados exibidos em áreas do buscador que são destinadas a anúncios. Segundo essa visão, a ordem de exibição (a despeito da distinção entre anúncio e resultado não pago) poderia configurar violação marcária e concorrência desleal.

Por outro lado, muitos defendem que esse tipo de argumento não tem verdadeiro suporte jurídico e acaba atribuindo aos titulares de marcas poderes maiores do que os seus direitos lhes conferem.

Em um primeiro plano, tem-se que o uso da marca exclusivamente como palavra-chave, ou seja, como critério interno para a busca, sem a posição ao corpo do anúncio em si, não se mostra como um uso comercial da marca. Como a marca pesquisada aparece apenas no campo de pesquisa, e não nos anúncios em si, ela não está sendo utilizada para identificar um produto ou serviço no mercado. Além disso, os anúncios, via de regra, contém a própria marca do anunciante, o que ajuda a afastar a confusão ou associação entre os concorrentes. Ou seja, nesse caso, o corpo do anúncio deve revelar que não existe uma intenção do anunciante se fazer passar pelo concorrente.

A exibição de anúncios a partir da busca por marcas de terceiros pode oferecer ao consumidor mais opções de resultados que guardem relação com o mercado pesquisado – algo típico da publicidade online, conforme visto acima. Além dos benefícios da publicidade online contextualizada ao consumidor, o acionamento de links patrocinados representa um meio legítimo de propaganda e fomenta a livre concorrência.

Ao se deparar com os links patrocinados, o consumidor poderá optar por clicar diretamente no link da marca buscada, devidamente identificada, ou obter mais informações sobre os produtos concorrentes anunciados.


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Esse consumidor – que antes estava desinformado – terá a oportunidade de conhecer e, caso queira, obter mais informações sobre os concorrentes, podendo, assim, comparar reputação, qualidade e preço de cada um para, ao final, de forma refletida e consciente, decidir-se por uma das marcas. Os links patrocinados ajudam, portanto, o consumidor a ter mais opções de escolha.

Nesse sentido, o Federal Trade Commission, entidade responsável pela defesa da concorrência nos Estados Unidos da América, já discorreu sobre os efeitos nocivos da restrição ao uso de sinais de terceiros como palavra-chave de links patrocinados, afirmando que “as restrições à publicidade prejudicam a concorrência e prejudicam os consumidores, interferindo no fluxo de informações dos vendedores para os compradores e elevando os custos para que os consumidores possam encontrar a oferta mais adequada, o que, por sua vez, leva a preços de transação mais altos”.

A verdade é que o registro marcário não dá ao seu titular o direito de se apresentar como única opção no mercado, mas apenas de se apresentar de forma individualizada, para que o consumidor possa, devidamente informado, exercer a sua livre escolha.

Como se viu, a propaganda em meio digital ocupa espaço cada vez mais relevante em atividades corriqueiras das pessoas, como o uso de ferramentas de busca para buscar informações na internet sobre produtos e serviços. Embora ainda sujeita a intensos debates no Judiciário, a possibilidade de colocação de anúncios a partir de referência à marca de uma empresa concorrente se mostra a solução mais adequada à proteção do consumidor e da competitividade do mercado, sem comprometer as proteções marcárias estabelecidas na legislação.

*Tatiana Campello, diretora tesoureira da ABPI e moderadora do 41º Congresso da Propriedade Intelectual, Marcelo Inglez de Souza, sócio do Demarest, e Mário Paranhos, associado do Demarest.

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