A proposta de mudança da Lei Brasileira de Arbitragem

É necessário cautela para que as intervenções não alterem a essência da arbitragem como método alternativo de resolução de conflitos/Canva
É necessário cautela para que as intervenções não alterem a essência da arbitragem como método alternativo de resolução de conflitos/Canva
Alterações focam em dois aspectos: o árbitro e a confidencialidade do procedimento.
Fecha de publicación: 22/08/2022

Proposto pela deputada Margarete Coelho (PP-PI) em setembro de 2021 e sob relatoria da deputada Bia Kicis (PSL-DF), o Projeto de Lei Nº 3.293/21 (PL 3.293/21) tem como objetivo alterar a Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para “disciplinar a atuação do árbitro, aprimorar o dever de revelação, estabelecer a divulgação das informações após o encerramento do procedimento arbitral e a publicidade das ações anulatórias, além de dar outras providências”.

No que tange à tramitação do projeto de lei, o mesmo foi proposto em 23/09/2021, tendo sido encaminhado no dia 08/12/2021 para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. Recentemente, no dia 06/07/2022, foi apresentado Requerimento de Urgência (REQ 1166/2022), no sentido de apreciação e votação imediata pelo plenário.

Na sequência, em 01/08/2022 e 04/08/2022, foram apresentados requerimentos (REQ n. 32/2022 e 33/2022) para realização de Audiência Pública para debater o projeto, indicando ainda nomes de convidados a participarem da mesma.


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No texto de justificação do PL, a autora reconhece a importância da arbitragem no atual cenário do país como método alternativo de resolução de conflitos fora do judiciário e observa que houve um exponencial crescimento do número de arbitragens no Brasil, sobretudo após a confirmação expressa sobre a possibilidade de participação da Administração Pública direta e indireta em procedimentos arbitrais, com a promulgação da Lei nº 13.129/2015.

Contudo, em que pese a relevância do instituto, a autora entende que há necessidade de modificações em alguns aspectos da atual lei brasileira de arbitragem, de modo a zelar pela continuidade e aperfeiçoamento da exitosa experiência arbitral.

As mudanças propostas focam em dois aspectos da arbitragem. Em primeiro lugar, grande parte delas é direcionada a figura de extrema relevância: o árbitro. Outro aspecto de arbitragem que é principal objeto das mudanças propostas é a confidencialidade do procedimento, uma das características mais valorizadas da arbitragem pelos seus usuários.

Em termos específicos, dentre as mudanças propostas pelo PL 3.293/21 e dirigidas ao árbitro está a restrição no número de arbitragens em que atua um mesmo árbitro concomitantemente. A legislação atual não impõe um limite máximo de procedimentos em que pode um árbitro atuar, e a sugestão dada pelo projeto de lei é que tal número limite-se a dez arbitragens, seja a atuação como árbitro único, coárbitro ou como presidente do tribunal arbitral.

Ademais, e ainda tendo como alvo a figura do árbitro, uma das principais mudanças propostas pelo projeto de lei – e uma das mais criticadas – refere-se à mudança no critério do dever de divulgação do árbitro nomeado, transformando o atual critério de “dúvida justificável” para “mínima dúvida”, sem que tal expressão seja expressamente definida ou delimitada.

Nesse particular, observa-se que, embora não conste do atual texto da Lei Brasileira de Arbitragem definição absoluta quanto ao termo “dúvida justificável”, esse conceito foi aperfeiçoado através da prática, da jurisprudência dos tribunais pátrios, e especialmente por meio de diretrizes internacionais, como é o caso das Diretrizes da International Bar Association (IBA) sobre Conflitos de Interesses em Arbitragem Internacional.

No que tange ao segundo aspecto, a confidencialidade, o projeto de lei propõe que uma vez instituída a arbitragem, a instituição arbitral responsável pela administração do procedimento publique em seu site a composição do tribunal e o valor envolvido na controvérsia.

Ademais, ao final do procedimento, deverá também a instituição divulgar em seu site a íntegra da sentença arbitral, podendo as partes, justificadamente, requerer que eventuais excertos ou informações da decisão permaneçam confidenciais. Aqui faz-se válido pontuar que a confidencialidade não é obrigatória na arbitragem, porém na maior parte dos casos é adotada voluntariamente pelas partes, que consideram esse um dos principais incentivos para utilização desse meio de resolução de controvérsias.


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Dentre as justificativas apontadas pela autora do PL para a necessidade de implementação das mudanças propostas ao texto da Lei Brasileira de Arbitragem, está a busca por reduzir a propositura de demandas anulatórias que tenham como fundamento a imparcialidade do árbitro e a condução do procedimento.

Em Nota Técnica emitida pelo CIArb Brasil em 5 de janeiro de 2022 sobre o Projeto de Lei nº 3293/2021, os representantes do CIArb Brazil Branch sinalizam que um motivos pelos quais o projeto de lei é uma solução inadequada baseia-se no fato de que o projeto “impõe restrições à liberdade das partes incompatíveis com o modelo jurídico no qual a arbitragem se funda”, transportando para o plano legal aspectos que devem ser regulados consensualmente pelas Partes ou disciplinados no âmbito de instituições arbitrais.

Em que pese a necessidade de melhorias a serem implementadas ao instituto e a sua prática em território nacional, é necessário cautela para que as intervenções não acabem por alterar a essência da arbitragem como método alternativo de resolução de conflitos.

Apesar das justificativas do PL mencionarem que seu objetivo seria proporcionar maior segurança jurídica para aqueles que utilizam da arbitragem, tem-se que, na prática, as alterações propostas parecem ir na contramão da segurança jurídica, visto que se propõem a alterar algumas das características definidoras da razão de existir da arbitragem, quais sejam: a autonomia da vontade das partes ao escolher seu julgador e a opção pela confidencialidade do procedimento.

*Por Livia Sanches Sancio e Munique Mendes, sócia e advogada do escritório Salomão, Kaiuca, Abrahão, Raposo e Cotta Advogados, respectivamente.

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