Quais os impactos do PLC 134/2019 para as entidades filantrópicas

O PLP busca solucionar uma longa discussão jurídica em torno da Certificação de Entidade Beneficentes de Assistência Social (Cebas)/Canva
O PLP busca solucionar uma longa discussão jurídica em torno da Certificação de Entidade Beneficentes de Assistência Social (Cebas)/Canva
Aprovado na Câmara, projeto segue agora para sanção presidencial
Fecha de publicación: 24/11/2021

A Câmara dos Deputados aprovou, em 24 de novembro de 2021, o Projeto de Lei Complementar 134/2019 (PLP), que dispõe sobre a certificação das entidades beneficentes que atuam nas áreas de assistência social, saúde e educação e regula os procedimentos referentes à imunidade de contribuições à seguridade social prevista no §7º do artigo 195 da Constituição Federal.

 

O PLP busca solucionar uma longa discussão jurídica em torno da Certificação de Entidade Beneficentes de Assistência Social (Cebas), prevista na Lei nº 12.101/2009, que tem sido objeto de questionamento ao longo dos últimos anos, tendo o Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente decidido pela inconstitucionalidade de alguns dispositivos da lei, que tratavam das contrapartidas a serem cumpridas pelas entidades filantrópicas para obtenção da certificação conforme sua área de atuação. Como tais contrapartidas estão atualmente veiculadas por meio de lei ordinária, no caso a própria Lei nº 12.101/2009, elas seriam inconstitucionais, tendo em vista que a Constituição Federal exige que a imunidade seja regulada por lei complementar.

 

O texto aprovado na Câmara rejeitou boa parte das alterações aprovadas no Senado, a exceção das emendas voltadas à inclusão de previsões referentes às comunidades terapêuticas. Assim, o texto reproduz boa parte das previsões na Lei nº 12.101/2009 e, também, de normas infralegais setoriais, no que se refere às contrapartidas a serem cumpridas pelas entidades para fruir da imunidade, mas o faz por meio de Lei Complementar, em conformidade com o posicionamento do STF sobre o assunto.


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Permanecem as mesmas modalidades de contrapartidas para certificação organizações sem fins lucrativos que atuam na área da saúde que podem alternativamente: prestar serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS), no percentual mínimo de 60%, com base nas internações e nos atendimentos ambulatoriais realizados; prestar serviços gratuitos na área da saúde, com aplicação de percentual de sua receita em gratuidade; atuar exclusivamente na promoção à saúde sem exigência de contraprestação do usuário;  ser de reconhecida excelência e realizar projetos no âmbito do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS); ou mesmo prestar serviços não remunerados pelo SUS a trabalhadores .

 

Aprovada no Senado, foi rejeitada na Câmara a emenda que incluía hipótese de dispensa de celebração de convênio com o SUS para entidades que prestem serviços exclusivamente gratuitos, desde que destinassem ao menos 50% de suas ações e atividades a pessoas cuja renda familiar bruta mensal per capita não exceda valor equivalente a um salário mínimo e meio.

 

O mesmo se verificou em relação às duas emendas referentes à área da educação aprovadas no Senado, que foram retiradas do texto final aprovado na Câmara. A primeira estabelecia a necessidade das entidades demonstrarem cumprimento da legislação relativa às pessoas com deficiência, à acessibilidade e ao combate à discriminação, enquanto  a segunda alterava o conceito de universalidade de atendimento, que passava a ser entendida não mais como uma vedação ao direcionamento de atividades apenas a associados ou membros de categoria profissional, mas como o atendimento realizado sem qualquer forma de discriminação, segregação ou diferenciação.

 

Assim, para fins de certificação de instituições sem fins lucrativos que atuam na área da educação, o texto do projeto mantém, com pequenas flexibilizações, o complicado modelo de concessão de bolsas previsto na Lei nº 12.101/2009, baseado nos critérios de renda familiar dos bolsistas e de proporção de alunos matriculados. Tais regras, já amplamente criticadas por todo o setor educacional filantrópico, por serem demasiadamente específicas e ignorarem contextos sociais diversos das instituições de ensino e seus alunos, criam entraves administrativos e financeiros à atuação dessas entidades, as quais são obrigadas a empenharem esforços redobrados para se ajustarem aos critérios específicos previstos na norma e usufruírem do benefício fiscal que lhe foi assegurado pela Constituição Federal.

 

Em relação às organizações de assistência social, o PLP não trouxe grandes inovações nas contrapartidas para certificação, tendo apenas consolidado os requisitos para sua caracterização já constantes na Lei nº 12.101/09, na Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742/93) e no Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/2003).

 

No caso de atuação da entidade beneficente em mais de uma área, o PLP prevê que haverá dispensa de comprovação dos requisitos exigidos para cada área de atuação não preponderantes, desde que o total de custos e despensas com tais atividades seja limitado a 30% do total, sendo observado, ainda, um limite total anual a ser estabelecido em regulamento.

 

O texto aprovado também estabelece as regras de transição para as entidades detentoras da certificação ou interessadas em obtê-la. As novas regras previstas no projeto serão aplicadas aos requerimentos de concessão e renovação de certificação apresentados a partir da data de publicação da nova lei. Quanto aos certificados vigentes cujo requerimento de renovação não venha a ser apresentado até a data de publicação da nova lei, terão sua validade prorrogada por mais um ano. Por último, no que diz respeito aos requerimentos pendentes de decisão, a eles serão aplicados regramentos e diretrizes vigentes à época de seu protocolo. 

 

O PLP prevê, ainda, a partir da entrada em vigor da nova lei, a extinção de créditos decorrentes de contribuições sociais que tenham sido lançados contra entidades sem fins lucrativos atuantes nas áreas de saúde, educação ou assistência social em virtude de decisões, administrativas ou judiciais, que tenham tido como fundamento dispositivos que tenham sido julgados como inconstitucionais pelo STF.

 

No que se refere ao relacionamento com o poder público, a proposta legislativa prevê que as entidade sem fins lucrativos em gozo de imunidade terão prioridade na celebração de convênios, incluindo os contratos para a execução de serviços e gestão, não apenas programas, projetos e ações de assistência social como atualmente consta na Lei nº 12.101/09, o que amplia o leque de possíveis relacionamentos entre pessoa jurídicas beneficentes de direto privado e os diversos entes federativos.

 

Ademais, o texto aprovado inova positivamente ao permitir às entidades beneficentes de assistência social a remuneração por serviços prestados e o desenvolvimento de atividades que gerem recursos, possibilitando a prestação de serviços a terceiros, públicos ou privados, com ou sem cessão de mão de obra. Tal inovação representa um grande avanço às instituições beneficentes, contribuindo para diversificação de suas receitas e sustentabilidade financeira.


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A despeito das inovações trazidas pelo projeto, a versão aprovada deixa de atender a uma das principais reivindicações das entidades sem fins lucrativos, qual seja a previsão de critérios mais flexíveis para concessão da certificação que contemplem as entidades que, ainda que não atendam as contrapartidas previstas atualmente, possuem atuação extremamente relevante em suas comunidades, atuando como verdadeiras parceiras do Estado na oferta de serviços e políticas públicas à população, impedindo-as de gerar um impacto social maior.

 

Com a aprovação do projeto com a atual redação, perdeu-se a oportunidade de aprovar um texto despido de exigências de contrapartidas por vezes demasiadamente demandantes e custosas às instituições, exigências essas que têm o potencial de anular eventuais efeitos positivos do benefício constitucional da imunidade, o qual visa, justamente, impulsionar a atuação das entidades beneficentes.

 

Assim, ainda há grande caminho a ser percorrido para que a relevante atuação das entidades beneficentes e o estímulo para seu desenvolvimento sejam refletidas nas vias legislativas.

 

Com a aprovação na Câmara, o projeto segue agora para sanção presidencial.

 

*Ariane Guimarães e Flavia Regina Oliveira são sócias do Mattos Filho.

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