Qual o recado que a aprovação da PEC dos Precatórios dá aos credores da União?

PEC pode gerar, como efeitos imediatos, mais inflação e desemprego/Marcos Santos/USP Imagens
PEC pode gerar, como efeitos imediatos, mais inflação e desemprego/Marcos Santos/USP Imagens
É preciso cumprir as decisões judiciais e conferir autoridade jurídica à coisa julgada.
Fecha de publicación: 11/11/2021

A aprovação da PEC dos Precatórios em segundo turno na Câmara dos Deputados é ultrajante. A norma é inconstitucional e suprimiu direitos e garantias individuais protegidos pela Constituição Federal do Brasil.

 

Primeiramente, o texto, da forma que está, posterga o pagamento de precatórios, dívidas da União reconhecidas pela Justiça, por decisão judicial definitiva, e pode criar uma fila a perder de vista para quem tem precatórios a receber, inclusive as pessoas vulneráveis da sociedade como os aposentados e pensionistas do INSS.  Os precatórios são dívidas judiciais para as quais o governo não pode mais recorrer.

 

A PEC cria um teto para o pagamento dessas dívidas, baseado nos precatórios pagos em 2016. Assim, metade dos títulos ficará para ser pago no ano seguinte — quando novos precatórios também entrarão na conta e haverá novamente um teto, atualizado pelo IPCA, que se transformará numa grande bola de neve a perder de vista.


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Ou seja, no fim das contas, haverá pouco espaço para grande parte dos precatórios. E até os “prioritários” podem ficar sem receber. Portanto, mesmo os precatórios alimentares, referentes a pensões, aposentadorias, salários ou indenizações por morte, não serão integralmente quitados, mesmo tendo prioridade em relação aos demais créditos. Além disso, outros precatórios, como de empresas que venceram ações contra o governo, também serão adiados.

Isso vai gerar um efeito bola de neve, porque o que não for pago em um ano, vai passar para o ano seguinte. O acúmulo vai ser absurdo e vai chegar num momento em que vai ser impagável. Ferindo frontalmente o instrumento mais seguro que existe, que é uma decisão transitado em julgado definitivamente.

Não vislumbramos a possibilidade de controlar a emissão de precatórios, não tem como saber quanto vai ser e qual vai ser pago. Provavelmente o Governo não terá dinheiro para pagar nem a totalidade dos precatórios alimentícios e os mais afetados serão os precatórios relacionados às verbas alimentares, normalmente devido a servidores e a aposentados e pensionistas do INSS. 

Além desses problemas, a PEC pode gerar mais inflação e desemprego. A medida muda o teto de gastos para garantir um auxílio maior em ano eleitoral, tanto que foi aprovada justamente no momento que houve melhora na arrecadação de impostos e nos resultados fiscais do governo, mas a mudança no teto de gastos aumenta a desconfiança dos investidores. Isso significa que esses investidores tendem a evitar transferir seus recursos para países com maior percepção de risco. Investidores estrangeiros podem passar a evitar o Brasil ou tirar seus investimentos daqui.

Outro ponto é que com aumento da inflação e desconfiança no Governo, a economia gera menos empregos e, pelo fato de a inflação estar corroendo a renda e o crédito ficando mais caro, o consumo cai e as empresas investem menos em novos projetos para abrir mais vagas.

Na prática e como já previsto por economistas, a crescente incerteza das ações do governo aumentou a percepção de risco no mercado e se, de fato houver um aumento permanente nas despesas públicas com as mudanças no teto de gastos, isso levará a altas de juros, comprometendo o resultado fiscal do governo.

Mas vou mais além. A PEC 23/2021 criou uma nova preferência para o pagamento de dívidas da União com estados relativas ao Fundef (Fundo da Educação Básica). Para piorar, os precatórios do Fundef, que agora terão preferência constitucional, tendem a crescer nos próximos anos, não sobrando espaço no orçamento para pagar outros precatórios.

Outros pontos que devem ser levados em consideração se referem, por exemplo, a questão do credor. A PEC, da forma que está, ainda permite que um credor receba a vista, desde que aceite um desconto de 40% na sua dívida. Assim, muitos credores podem acabar aceitando receber um valor menor para evitar entrar nesta fila sem fim dos precatórios. 


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Por fim, as empresas, pessoa jurídica de direito privado, poderão utilizar precatórios para abater uma dívida junto ao governo – as chamadas compensação tributária.

A PEC ainda depende de aprovação do Senado Federal, mas ao analisar a PEC aprovada em dois turnos na Câmara dos Deputados, que limita o valor de despesas anuais com precatórios, corrige seus valores pela Taxa Selic e muda a forma de calcular o teto de gastos, vejo que é necessário olhar com atenção os pontos citados, bem como seria muito importante valorizarmos o estado democrático de direito instituído, cumprir as decisões judiciais e conferir autoridade jurídica à coisa julgada, conforme previsto na Constituição Federal de 1988.

*Gustavo Bachega é presidente do Instituto Brasileiro de Precatórios.

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