Quando começa a valer a Lei Geral de Proteção de Dados?

As organizações devem incluir a pauta da “privacidade e proteção de dados pessoais” entre as suas prioridades/Pixabay
As organizações devem incluir a pauta da “privacidade e proteção de dados pessoais” entre as suas prioridades/Pixabay
Independentemente do cenário de incerteza que cerca a vigência da norma, a proteção aos dados pessoais é uma realidade no Brasil e no mundo.
Fecha de publicación: 29/06/2020
Etiquetas: LGPD

Atualmente há uma zona cinzenta em relação ao início da vigência da Lei 13.709/2018 (“Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD”), que regulamenta o tratamento dos dados pessoais no Brasil. Fato é que, independentemente do cenário de incerteza que cerca a vigência da norma, a proteção aos dados pessoais é uma realidade no Brasil e no mundo, considerando que vivemos a chamada “economia de dados” e os países da União Europeia já têm a sua legislação em vigor desde maio de 2018 (GDPR). A forma como lidamos com os dados pessoais mudou e nós precisamos nos adequar.

 

A princípio esperávamos que no dia 16 de agosto de 2020 a lei entraria em vigência, como previa a antiga redação do seu artigo 65. No entanto, com a pandemia da Covid-19, foram retomados os debates sobre o seu adiamento, sendo a sua vigência objeto da Medida Provisória n. 959/2020 (publicada nesta segunda-feira), que trata de questões relacionadas ao benefício emergencial concedido pelo governo nas hipóteses de redução de salário/jornada e suspensão dos contratos de trabalho em decorrência da pandemia (“MP do bem”).

 

A mencionada medida provisória, a despeito de tratar do bem, postergou o início da vigência da LGPD para o dia 3 de maio de 2021. Todavia, é necessário que seja convertida em lei, para que, de fato, a data do início de vigência da LGPD aconteça em maio de 2021.

 

Ocorre que, em 29 de junho, foi publicado ato do presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre, prorrogando a vigência da MP do bem por mais 60 dias. Após esse prazo, se a medida não for convertida em lei, perderá a sua eficácia e não poderá sofrer nova prorrogação.

 

Entretanto, considerando que a implementação do bem já se concretizou, objetivo principal da Medida Provisória, há grandes chances de não ocorrer a conversão em lei, acarretando a perda da sua eficácia, o que implica na validade do prazo de vigência inicialmente estabelecido na LGPD, 16 de agosto de 2020.

 

Nesse meio tempo, foi aprovada a Lei 14.010, que determinou 1º de agosto de 2021 como o início da atuação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais (“ANPD”), autarquia que será responsável pela fiscalização e imposição de penalidades atreladas à LGPD.

 

Portanto, atualmente, estamos diante do seguinte cenário:

  • Ainda não há uma resposta definitiva sobre o início de vigência da LGPD, sendo que as obrigações dessa decorrentes entram em vigor em 3 de maio de 2021, com risco da medida provisória perder eficácia e voltar a ser adotada a data de 16 de agosto deste ano;
  • A atuação da ANPD e, portanto, as penalidades relacionadas à LGPD, somente ocorrerá a partir de 1º de agosto de 2021.

Por outro lado, de substancial importância recente julgamento de medida liminar pelo Supremo Tribunal Federal em Ação Direta de Inconstitucionalidade, em que se discute matéria trazida por outra medida provisória, a MP 954, que tratava do compartilhamento de dados pelas empresas de telefonia com o IBGE. No julgamento, a ministra Rosa Weber suspendeu a eficácia da norma e tratou a proteção aos dados pessoais como direito constitucionalmente assegurado. Segundo a ministra, as questões tratadas pela medida provisória estão no âmbito de proteção do artigo da Constituição Federal de 1988, que ampara o direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas e a pandemia não pode legitimar “o atropelo de garantias fundamentais consagradas na Constituição”.

 

De fato, dada a importância da matéria, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 17 de 2019, que pretende incluir expressamente a proteção aos dados pessoais no art. 5º, alçando-o ao status de direito fundamental. Trata-se de um caminho sem volta.

 

Ainda que a ANPD somente possa atuar coercitivamente a partir de agosto do próximo ano, urge destacar que as discussões em torno dos dados pessoais poderão ser objeto de demandas perante o poder Judiciário – seja em ações individuais ou coletivas, envolvendo inclusive a atuação dos ministérios públicos.

 

Extrai-se dos acontecimentos recentes que não estamos diante de uma postura exigida exclusivamente pela LGPD, mas sim de uma inevitável evolução social decorrente da valorização dos dados pessoais. A mudança no comportamento das empresas já é inevitável. Quanto às mudanças do meio, vale resgatar as palavras de Charles Darwin, segundo o qual as espécies que sobrevivem não são as mais fortes, nem as mais inteligentes, e sim aquelas que melhor se adaptam às mudanças”. Em que pese sua importância para regulação da matéria, o momento do início da vigência da LGPD já perdeu significância, diante da necessária proteção dos dados pessoais exigida pela sociedade.

 

As organizações devem incluir a pauta da “privacidade e proteção de dados pessoais” entre as suas prioridades. Para tanto, destaca-se pontos iniciais trazidos pela LGPD que correspondem aos anseios da sociedade e são de substancial importância para as empresas:

  • Inclusão de uma nova cultura de respeito à privacidade e proteção de dados pessoais, que deve ser de iniciativa da alta gestão;
  • Realização de “mapeamento dos dados pessoais”, para que a organização conheça e possa gerenciar corretamente o seu banco de dados;
  • Formalização de políticas de privacidade e revisão dos documentos internos e externos;
  • Garantida dos direitos dos titulares dos dados pessoais, dentre eles, o livre acesso aos dados; a correção, exatidão e atualização dos dados;
  • Adequação das rotinas da organização para que esteja preparada para apresentar o relatório de impacto à proteção de dados pessoais, que pode ser exigido pela Autoridade Nacional de Dados Pessoais (ANPD).

A despeito da celeuma envolvendo a incerteza trazida pela pandemia quanto ao início da vigência da LGPD, a adoção de uma cultura de privacidade e proteção dos dados pessoais está além do simples cumprimento da lei. Trata-se da conscientização da sociedade sobre o valor dos dados pessoais e a sua inclusão na esfera da privacidade da pessoa natural e da necessidade das empresas se adequarem aos atuais valores da sociedade.

 

*Juliano Barra e Carlos Alberto Barros são sócios do setor de previdência do GVBG - Gentil, Monteiro, Vicentini, Beringhs e Gil Advogados. Tatiana Bhering Roxo é sócia do escritório nas áreas de direito do trabalho e previdenciário.

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