A quem pertencem os bancos públicos brasileiros?

Ministro da Economia, Paulo Guedes, em audiência pública na Câmara dos Deputados/Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Ministro da Economia, Paulo Guedes, em audiência pública na Câmara dos Deputados/Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Especialista analisa as declarações do ministro da Economia na reunião interministerial de 22 de abril.
Fecha de publicación: 03/06/2020
Etiquetas: Brasil

Muito embora seja o tema do momento por suas possíveis repercussões políticas e criminais, este breve comentário passará ao largo dos palavrões, ameaças ou desabafos lançados pelos presentes na reunião interministerial convocada pelo presidente Jair Bolsonaro no último dia 22 de abril – cuja gravação foi tornada pública por decisão do ministro Celso de Mello.

 

Na verdade, para potenciais investidores nos mais diversos setores de infraestrutura do país e, mais ainda, para aqueles que já investem no Brasil e, assim, já possuem relações com a administração pública, deveria ser a fala do ministro da Economia, Paulo Guedes, o motivo de preocupação.

 

Afinal, no encontro, ao se referir ao BNDES e à Caixa Econômica Federal, bastante relevante que se avalie o que quis dizer o ministro ao afirmar que referidos bancos seriam “nossos, públicos”, que “[com eles] a gente faz o que a gente quer”.

 

Rememore-se que, historicamente, os maiores investimentos em infraestrutura no Brasil deram-se com a participação do setor privado, por meio de contratos de parceria, cujos recursos foram e são empregados a partir de condições normalmente subsidiadas, disponibilizados justamente através dos bancos públicos, especialmente o BNDES e a Caixa.

 

Nesse sentido, a forma, o tempo e as condições de execução dos investimentos já foram e ainda são estipulados com base em condições especiais de crédito prometidas por esses bancos estatais. Para que exista segurança (jurídica e econômica), portanto, a respeito destes aspectos, é importante que as decisões sobre disponibilização destes recursos sejam tomadas com base em parâmetros objetivos e impessoais.

 

As referidas instituições financeiras não podem pertencer a ninguém nem estar nas mãos de alguém, por mais importante, séria e respeitada que sejam as figuras públicas que as encabecem. Segurança precisa ser a palavra de ordem, ontem, hoje e sempre em discussões que envolvem cumprimento de promessas e acordos apresentados por eles.

 

Esta lição deveria ter sido aprendida no passado, pois suas consequências - tomando-se como exemplo a 3ª rodada do programa federal de concessões rodoviárias - já foram até mesmo contabilizadas. Segundo o diretor geral Interino da Agencia Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Marcelo Vinaud, em entrevista concedida à Agência Infra, trata-se de 6 bilhões de reais.

 

Tais valores são discutidos em sete procedimentos arbitrais, nos quais, dentre outros temas, litiga-se precisamente em razão da não disponibilização, por parte dos bancos estatais, de recursos nas exatas condições em que prometidas por eles quando do lançamento da rodada de licitações do segmento rodoviário (de até 70% do montante a ser investidos nos projetos, com juros extremamente subsidiados e com prazos estendidos de carência para pagamento).

 

À época, interlocutores do governo federal (desde secretários executivos, passando por ministros de estado, e até mesmo a própria presidente da República) corroboravam e asseguravam que projetos eram viáveis porque as regras prometidas não mudariam.

 

Não foi o que aconteceu, todavia. Em razão da maior crise econômica até então enfrentada pelo país na sua história, o cenário (que se prometeu manter a qualquer custo) alterou, e por uma decisão política.

 

Uma vez desmascarado o esquema que ficou conhecido como o das “pedaladas fiscais”, e para fazer frente ao severo desajuste fiscal, com déficits recorrentes a partir do final de 2014, causa da crise econômica que levou a uma queda acumulada de mais de 7% no PIB no biênio 2015-2016, o grande fluxo de aportes da União no BNDES que ocorriam até 2014 se inverteu.

 

Assim, a partir de 2015, justamente no período em que as concessionárias precisavam dos financiamentos previstos para realização dos investimentos, eles não aconteceram. Além de deixar de fazer os aportes, que lastreariam tais financiamentos, o Tesouro passou a retirar recursos do BNDES.

 

Agora então, cabe aos árbitros avaliarem a legalidade daquele comportamento, cujo resultado, caso reprovado, como já diagnosticado pelo próprio governo federal, pode ser alto. Isso, entretanto, parece não assustar atuais mandatários no executivo federal, que parecem querer continuar comprando esse risco, já que o BNDES e a Caixa são “deles”, podendo fazer, ali, “o que quiserem”.

 

Será que continuarão pensando assim, quando a conta chegar? Esperamos que não, porque, certamente, a conta chegará.

 

*Antonio Henrique Medeiros Coutinho é sócio das áreas de Resolução de Conflitos e da Infraestrutura e Regulação de Piquet, Magaldi e Guedes Advogados.

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