Quem são elas? Uma reflexão sobre as lésbicas no mundo jurídico

Apenas 34,9% das advogadas figuram como sócias de capital nas bancas de advocacia/Freepik
Apenas 34,9% das advogadas figuram como sócias de capital nas bancas de advocacia/Freepik
É necessário se posicionar em busca de espaços na carreira jurídica.
Fecha de publicación: 28/06/2021

No final de 2020, as mulheres ocupavam um pouco mais de 20% das cadeiras reservadas aos conselheiros federais titulares da Ordem dos Advogados do Brasil, embora correspondessem maioria no órgão de classe (mais de 603 mil profissionais). Essa desproporcionalidade também é observada quando se analisam os dados relacionados aos escritórios jurídicos brasileiros: apenas 34,9% das advogadas figuram como sócias de capital nas bancas de advocacia, segundo dados apurados pela Women in Law Mentoring Brazil.

Esse cenário facilita a compreensão da situação da mulher no mundo jurídico e mostra a relevância da luta das advogadas brasileiras por representatividade que, embora coletiva, está longe de ser homogênea: em realidade, pressupõe o reconhecimento dos diversos locais de fala, a partir dos quais emergem as reivindicações por reconhecimento e, daí, a importância da promoção de recortes específicos, como aquele relacionado à orientação sexual. Assim, no mês em que se comemora o orgulho LGBTQIA+, é necessário questionar: quem foram e quem são as advogadas lésbicas brasileiras?


Leia também: A questão LGBT+ no mundo jurídico


A pergunta pretende promover um triplo resgate: o primeiro, do vocábulo “lésbica”; o segundo, das personalidades esquecidas ou pouco celebradas ao longo da trajetória feminina na advocacia; e o terceiro, das mulheres que, hoje, ativamente se posicionam para garantir melhores espaços de discussão e vivência lésbicas.

O retorno ao termo “lésbica” em lugar de “gay”, para se referir às mulheres, cis ou trans, que desempenhem afeto e amoroso e sexual por outras mulheres, é um ato que busca particularizar e conferir visibilidade à existência dessas mulheres que sofrem um duplo processo de apagamento – pelo gênero e orientação sexual -, e um processo de ofuscamento – haja vista que a homossexualidade masculina possui, de um modo geral, maior evidência perante a sociedade.

No mundo jurídico, dito questionamento implica na necessidade de os escritórios de advocacia criarem fóruns de discussão que contemplem a temática lésbica e as particularidades e desafios que lhes são próprios, que incluem, por exemplo, a deslegitimação ou fetichização da identidade lésbica e que não devem ser reduzidos de forma genérica às problemáticas atinentes ao público gay.

Em 2018, uma pesquisa realizada por Cristiano R. da Silva tratou da percepção do mercado de trabalho, na cidade de Natal (RN), pelo público LGTBQIA+. Nela, apurou-se que 78,57% das respondentes do sexo feminino indicaram ter sido vítimas de ato de diferenciação no ambiente de trabalho, número que é drasticamente superior aos 53,66% dos respondentes do sexo masculino.

Já a pesquisa desenvolvida por Natalia Fernandes Teixeira Alves, Luciana Maria Maia, Luiza Barbosa Porto et al demonstrou que, dentre as palavras invocadas por universitários ao pensar a perspectiva das mulheres lésbicas no ambiente de trabalho, estão “preconceito” e “discriminação”.

Assim, é preciso que haja esforços no sentido de criar-se ambientes seguros e educativos para que seja extinta a figura da “colaboradora involuntária da heteronormatividade”, bastante comum quando mulheres lésbicas silenciam sua identidade em prol de prevenirem a ocorrência de situações indesejadas, vexatórias ou discriminatórias, o que as leva a conciliar uma identidade pública presumidamente heterossexual e uma vida privada homossexual.

É preciso, ainda, debruçar-se sobre o passado a fim de dar um rosto e um nome às mulheres lésbicas que foram silenciadas ao longo da história e reconhecer e estudar as suas contribuições para o direito brasileiro.

Mais do que um valor simbólico, o ato de registro da presença e da contribuição dessas mulheres colabora para reforçar o fato de que essas personas existiram, ocuparam espaços e garantiram produções valiosas para a literatura e prática jurídica nacional, embora marginalizadas. É dizer: é preciso assentar a ideia que a história – e o direito – não foram construídos exclusivamente por homens e mulheres heterossexuais.

Evidentemente, tal resgate também deve ocorrer no aqui e agora: é necessário dar voz às mulheres lésbicas que se posicionam publicamente em busca de espaços de convivência mais acolhedores nas bancas de advocacia, tribunais ou repartições públicas em geral.


Veja também: A (in)visibilidade lésbica no Brasil


A reafirmação da existência de mulheres lésbicas bem-sucedidas e referências em suas respectivas áreas de atuação é um elemento importante para a impulsão da autoestima de outras mulheres que ingressam ou já se encontram no mercado de trabalho jurídico, pois demonstra que é possível assumir-se socialmente como uma mulher lésbica e, ainda assim, ascender às posições de liderança e chefia.

É preciso, portanto, que se promova a desconstrução das estruturas que estimulem ou permitem o apagamento e o silenciamento dessas mulheres, de tal modo que elas se tornem não apenas visíveis, mas referenciais. Afinal, já passou da hora de essas mulheres serem tão somente “entendidas”: elas merecem acolhimento e compreensão.

*Louiene Barros é advogada do escritório Serur.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.