Refúgio e visto humanitário: as alternativas dos imigrantes

Ainda que se tenha elevada população migrante, observa-se uma falta de proteção efetiva a eles/UNHCR/Yhan Cancino
Ainda que se tenha elevada população migrante, observa-se uma falta de proteção efetiva a eles/UNHCR/Yhan Cancino
Política migratória da maioria dos países precisa avançar em segurança e estabilidade.
Fecha de publicación: 24/09/2021

Sabe-se que, em tempos recentes, a mobilidade humana torna-se uma constante mundo afora. Nesse sentido, alguns movimentos migratórios acabam por ser opção às pessoas, enquanto para outros, são uma das únicas formas de sobrevivência.

Segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), somente em 2020, aproximadamente 824 milhões de pessoas foram obrigadas a deixar seus países pelas mais diferentes razões. Desse total, 68% são provenientes de apenas cinco países: Síria (6,7 milhões), Venezuela (4 milhões), Afeganistão (2,6 milhões), Sudão do Sul (2,2 milhões) e Mianmar (1,1 milhão).

Em contrapartida, é interessante destacar que 39% destes deslocamentos ocorreram para apenas cinco países, tidos como nações receptoras: em primeiro lugar, a Turquia (3,7 milhões), seguida por Colômbia (1,7 milhão), Paquistão (1,4 milhão), Uganda (1,4 milhão) e Alemanha (1,2 milhão).


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Escolha de cada Estado

Ainda que se tenha elevada população migrante - por diversos fatores como guerras, mudanças climáticas ou crises econômicas - observa-se uma falta de proteção efetiva a eles. Ou seja, os Estados que os recebem muitas vezes não estabelecem os meios adequados para considerá-los refugiados.

De igual modo, não possuem em suas legislações nacionais a previsão do chamado visto humanitário - ou visto temporário de acolhida humanitária - já que o seu estabelecimento não está disposto em nenhum documento internacional, ficando a cargo da discricionariedade de cada Estado.

Neste sentido, destacam-se alguns países que conseguiram, de fato, conceder o refúgio ao um grande contingente de deslocados que adentrou ao seu território. Segundo dados do Migration Policy Institute, dentre os anos de 1960 e 2020, as nações que mais concederam o refúgio foram a Turquia - com a concessão de aproximadamente 4 milhões de status de refugiados - Jordânia, Palestina, Colômbia e pela Alemanha.

É importante observar que o Brasil não aparece sequer dentre a lista que enumera os 25 países que mais concederam tal instituto naqueles anos. Segundo dados do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), ao final de 2020, o número de pessoas refugiadas reconhecidas no Brasil era de 50.099.

O que é o visto humanitário?

Ainda que essa quantidade seja ínfima, há de se destacar que no Brasil existe a previsão legal do outro instituto apto a garantir a proteção das pessoas deslocadas. Mas, dentro de tal temática, é importante ressaltar alguns termos que por vezes são utilizados como sinônimo.

Afinal, qual a diferença entre a concessão do refúgio e do visto temporário de acolhida humanitária, conhecido também como visto humanitário, na legislação brasileira?

Enquanto o refúgio é previsto no cenário internacional desde 1951 - por intermédio de tratados em que o Brasil é signatário - o visto humanitário, que em conformidade com a legislação brasileira é conhecido como visto temporário para acolhida humanitária, tem sua previsão legal interna a partir de 2017, por intermédio da Lei 13.445, de 2017.

Para fins de garantir a facilitação de permanência e residência no Brasil, o visto humanitário será concedido a partir da observância de uma das seguintes situações: grave ou iminente instabilidade institucional; conflito armado; calamidade de grande proporção; desastre ambiental; grave violação de direitos humanos ou do direito internacional humanitário. Lembro ainda que há regras próprias para os haitianos e sírios.

Vistos concedidos

Nos últimos dias, 400 afegãos solicitaram a concessão da acolhida humanitária à Defensoria Pública da União. O governo brasileiro, como resposta, prospectou a edição de uma portaria conjunta entre o Ministério das Relações Exteriores e do Ministério da Justiça para a concessão de visto humanitário e asilo político aos afegãos, especialmente às mulheres e meninas.

Ainda se encontra sob análise no Itamaraty - já que o ministro Luiz Fux enviou ofício informando ao Ministério das Relações Exteriores que colocava o Poder Judiciário à disposição para o recebimento das 270 magistradas perseguidas no Afeganistão – mas o que existe de fato até agora, segundo informações do CONARE, é o reconhecimento como refugiados no Brasil de apenas 162 afegãos.

Neste ponto - ainda que o Brasil seja o país que mais reconheça o refúgio na América Latina, segundo o ACNUR, e que historicamente tenha nos governos antecessores previsto uma facilitação para a concessão de vistos humanitários às situações de extrema vulnerabilidade - demonstra-se que a posição atual do governo em relação aos afegãos vem a ser de extrema preocupação, dada sua demora e processamento mais dificultoso, uma vez que reverbera não apenas frente a este povo, mas em todo o contexto de política migratória brasileira.

Em outros termos, prospecta, infelizmente, um retrocesso em termos da possibilidade da concessão de refúgio e do visto humanitário.


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Falta de vontade política

Infelizmente, a política migratória da maioria dos Estados precisa avançar muito em termos de segurança e estabilidade em seus instrumentos. Prova disso são os números aqui apresentados. Existe um grande contingente populacional necessitando do refúgio e do visto humanitário, mas poucos são os países dispostos a concedê-los na prática.

Por mais que se trate de um assunto próprio do regime dos direitos humanos, o que tem sido observado é que não apenas a concessão, mas a própria previsão de sua existência, infelizmente, tem sido atrelada à vontade – que muitas vezes inexiste - dos Estados.

*Priscila Caneparo é doutora em Direito Internacional pela PUC-SP e membro da Academia Brasileira de Direito Internacional.

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