As regras para importação de produtos derivados de cannabis por pessoas físicas

No Brasil, em seis anos houve um aumento de mais de 2.400% nos pedidos de importação de produtos derivados da cannabis por pessoa física/Canva
No Brasil, em seis anos houve um aumento de mais de 2.400% nos pedidos de importação de produtos derivados da cannabis por pessoa física/Canva
Mudanças impactam pacientes que acessam medicamentos de forma menos burocrática.
Fecha de publicación: 18/04/2022

O uso de produtos derivados de cannabis, no Brasil, é permitido apenas para fins medicinais. Em regra, o acesso dos pacientes a esse tipo de produto é realizado por duas vias, quais sejam: aquisição, no mercado interno, de produtos de cannabis, sob autorização sanitária expedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ou medicamentos contendo cannabis em sua composição, sob registro sanitário concedido pela Agência, ou importação direta, pelo paciente, pessoa física, de produto oferecido no exterior, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, como médicos e dentistas, para tratamento de saúde.

Atualmente, a importação direta é a via de acesso mais utilizada no Brasil. Conforme divulgado no site da Anvisa, em seis anos houve um aumento de mais de 2.400% nos pedidos de importação por pessoa física (média de 400% ao ano). Em 2015 foram 896 pedidos de importação de produtos derivados de cannabis por pacientes para fins terapêuticos, em 2020 foram 19.074, e, até meados de setembro de 2021, foram 22.028. Esse aumento também foi atribuído à pandemia relacionada à Covid-19.

Do ponto de vista regulatório, as normas e os procedimentos para importação de produtos derivados de cannabis por pessoas físicas foram as que mais evoluíram no setor nos últimos anos. 


Leia também: Anvisa autoriza laboratório mineiro a produzir produtos derivados de cannabis


As primeiras regras estavam previstas na Resolução RDC n.º 17/15 da Anvisa, que estabelecia uma série de condições para a importação do produto derivado de cannabis, que tornava o acesso do paciente limitado, moroso e burocrático.  Por exemplo, a importação estava condicionada ao prévio deferimento do cadastro do paciente perante a Anvisa, o produto objeto da importação deveria estar elencado no Anexo I à Resolução RDC n.º 17/15, além de ser constituído de derivado vegetal, produzido e distribuído por estabelecimentos devidamente regularizados perante a autoridade competente em seu país de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização, conter certificado de análise, com especificação e teor de canabidiol (CBD) e tetrahidrocanabinol (THC) que atendesse às exigências regulatórias do país de origem. O teor de THC do produto deveria ser necessariamente inferior ao de CBD. 

Em 2016, a Anvisa, por meio da Resolução RDC n.º 66, revogou a restrição do teor de THC em relação ao CBD do produto derivado de cannabis importado pelo paciente.  O Anexo I à Resolução RDC n.º 17/15, por sua vez, foi revogado somente 2019, pela Resolução RDC n.º 306.  Apesar de tais medidas terem ampliado, significativamente, as alternativas de tratamento dos pacientes brasileiros com produtos derivados de cannabis, o processo de aprovação do cadastro do paciente perante a Anvisa, condição para a efetivação da importação, permanecia moroso e burocrático.

A Resolução RDC n.º 17/15 foi revogada pela Anvisa em 2020, com a publicação da Resolução RDC n.° 335. Com o intuito de facilitar o acesso dos pacientes aos produtos derivados de cannabis, a Resolução RDC n.º 335/20 simplificou, por exemplo, o processo de cadastro do paciente perante a Anvisa, ampliou o prazo de validade do cadastro para dois anos e eliminou uma série de exigências relacionadas ao produto objeto da importação, restando apenas a obrigação de ele ser produzido e distribuído por estabelecimentos devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização.

A Resolução RDC n.° 335/20 foi alterada pela Resolução RDC n.° 570/21, que, entre outras medidas, flexibilizou ainda mais o processo de importação, por pessoas físicas, ao estabelecer um rito simplificado para aprovação do cadastro dos pacientes com prescrição médica de produtos derivados de cannabis cuja regularidade do estabelecimento produtor e distribuidor perante a autoridade competente de seu país de origem tenham sido objeto de avaliação da Anvisa.  Esses produtos estão descritos em nota técnica emitida pela Gerência de Produtos Controlados da Anvisa, atualmente, a Nota Técnica n.° 5/ANVISA, de 2022. 

Em 30.3.2022, a Anvisa atualizou novamente as normas de importação de produtos derivados de cannabis por pessoas físicas, por meio da Resolução RDC n.º 660/22, que entrará em vigor em 2.5.2022, quando então revogará expressamente as Resoluções RDC n.° 335/20 e a Resolução RDC n.º 570/21.

No entanto, foram poucas as inovações promovidas pela Resolução RDC n.º 660/22 em relação às normas a serem revogadas, são elas: 

  • O registro, perante a Agência, da quantidade de produto de cannabis efetivamente importada deixou de ser necessário;
  • Diante da simplificação do processo de aprovação do cadastro dos pacientes, que é medida prévia à importação do produto, a nova resolução conferiu à Anvisa o poder de suspender a importação e o uso dos produtos importados, sempre que motivada por critérios tecnicamente justificados;
  • O prazo de validade da prescrição do produto derivado de cannabis, nos termos da Resolução RDC n.º 660/22, passou a ser indeterminado, até o final do período de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional declarada pela Portaria 188/GM/MS, de 3 de fevereiro de 2020, quando voltará a valer a regra do prazo de validade de seis meses.

Veja também: A legalização da maconha para fins medicinais no Brasil


Com exceção dos pontos acima comentados, os outros dispositivos das normas a serem revogadas estão contidos na nova Resolução RDC n.º 660/22, portanto, continuarão sendo exigidos para a importação por pessoa física de produto derivado de cannabis, especialmente:

  • O produto a ser importado deve ter sido produzido e distribuído por estabelecimento registrado pelas autoridades competentes em seu país de origem, para as atividades de produção, distribuição ou comercialização;
  • O cadastro do paciente deve ser aprovado pela Anvisa como condição para a importação, e renovado a cada dois anos;
  • A prescrição do produto expedida por profissional legalmente habilitado (por exemplo médico ou dentista) contendo dados do paciente, do produto e do prescritor deve ser apresentada no momento do cadastro do paciente; 
  • A quantidade de produto importado deve ser compatível com a prescrição;
  • O cadastro do paciente perante a Anvisa deve ser retificado no caso de alteração da prescrição (produto ou posologia) durante seu prazo de validade;
  • Proibição quanto à comercialização, entrega a terceiros ou venda dos produtos importados por pessoa física; 
  • A responsabilidade do importador pessoa física pelos danos à saúde, individual ou coletiva e ao meio ambiente, caso o produto seja utilizado para outros fins que não medicinais.

As alterações regulatórias que vêm sendo promovidas pela Anvisa nas normas e nos procedimentos para importação de produtos de cannabis por pessoas físicas impactam positivamente os pacientes, que cada vez mais têm acesso ao produto de forma mais célere e menos burocrática. 

*Camila Martinho Parise é advogada da área de Life Sciences & Healthcare do Pinheiro Neto Advogados.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.