Renda Brasil: um quebra cabeça com peças faltando

A questão central é: como será que a nossa economia se comportará em 2021?/Fotos Públicas
A questão central é: como será que a nossa economia se comportará em 2021?/Fotos Públicas
O que o presidente fará se sua popularidade cair caso o novo programa não ofereça os mesmos benefícios distribuídos durante o orçamento de guerra?
Fecha de publicación: 21/09/2020

Muita gente já deve ter ouvido ou lido a pergunta: “O que é melhor, perder algo que ganhou, ou nunca ter tido?”. Em um outro post mencionei sobre o estudo de Richard Thaler, prêmio Nobel de economia de 2017, provando que as pessoas são muito mais afetadas por perdas inesperadas do que por ganhos inesperados. No post anterior eu utilizei, como exemplo, os auxílios emergenciais que ajudaram a população a manter algum nível de renda em 2020 em  meio à pandemia e agora gostaria de avaliar a possibilidade de o presidente Bolsonaro perder alguns pontos de popularidade se for obrigado a acabar com esses auxílios em dezembro de 2020, quando se encerra o chamado orçamento de guerra. Vejamos. 

O auxílio emergencial proposto pela atual equipe econômica, sem dúvida, tem ajudado muito para que a nossa queda na atividade econômica não seja tão grande como imaginávamos no início da pandemia. Em fevereiro estimávamos que o nosso PIB encolheria algo entre 6.5% a 7.0% em 2020. Uma hecatombe! Agora já melhoramos, se é que podemos dizer assim, pois as projeções para o corrente ano estimam uma queda de “apenas” 5.5%. 

A questão central é: como será que a nossa economia se comportará em 2021, considerando que os auxílios emergenciais de seis parcelas de R$600 e mais quatro parcelas de R$300, totalizando R$332 bilhões, ajudaram 69 milhões de brasileiros que podem não mais receber essa ajuda de tal magnitude? Uma conhecida consultoria mostrou que, sem esses auxílios emergenciais, o nosso crescimento econômico em 2021 deve fechar no máximo em 2.1%. 

Como forma de tentar mitigar os efeitos contracionistas do fim do auxílio emergencial neste ano, o presidente Bolsonaro, juntamente o com sua equipe econômica, lançou a ideia de anabolizar o conhecido “bolsa família” com valores maiores e abrangendo mais pessoas do que as atuais 15 milhões de famílias atendidas pelo programa vigente, sendo que este novo programa, ainda a ser desenhado, passou inicialmente a se chamar “Renda Brasil”, e isto porque politicamente nenhum governo gostaria de encher a empada do seu antecessor, e inimigo político, mantendo o mesmo nome “bolsa família”, mesmo que com mais recursos.

Compreensível. Mas antes fosse esse o problema. Lá vamos nós com a história do cobertor curto, do princípio das ciências econômicas, e de que o Estado ficou maior que o país. Em que pese o novo “Renda Brasil” almejar aumentar os benefícios e ampliar seu alcance junto à novas famílias “invisíveis”, alguém haveria de pensar como aumentar o tamanho do cobertor, pois o Estado não tem tanto dinheiro para colocar em prática nesse projeto sem que impacte outras variáveis econômicas, como as taxas de juros, dada a percepção de risco maior de solvência fiscal. 

Inicialmente, a equipe econômica lançou a ideia de por fim ao abono salarial de um salário mínimo, conhecido como o 14° salário dos trabalhadores que ganham até dois salários mínimos por mês, ideia prontamente rechaçada pelo presidente com o mantra “não quero tirar dinheiro dos pobres para dar para os paupérrimos”. Entendido. Segue o jogo.

Ainda em cima de suas planilhas de Excel, regressões econométricas, derivadas e premissas, na semana passada o secretário especial da Fazenda, Waldery Rodriguez, no auge de sua ingenuidade, pois não combinou com o chefe, declarou que a equipe econômica estudava buscar recursos para financiar o “Renda Brasil”, congelando (desindexando) por dois anos os reajustes dos aposentados, incluindo os beneficiados pelo abono salarial e pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), que correspondem a um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência, e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais.

Antes que nós, economistas, saíssemos gritando atrás das ambulâncias para dar nossos pitacos, o presidente Bolsonaro já entrava em rede de TV, ligeiramente nervoso, clamando mais uma vez que “não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”.

Dois pontos merecem a nossa observação aqui. Quando a reforma administrativa foi enviada ao congresso para apreciação, o texto inicial buscava eliminar uma série de privilégios ou “direitos adquiridos” dos servidores públicos. Absurdos como “licença-prêmio”, “aposentadoria compulsória em caso de delito”, “promoção baseada no tempo de serviço”, e outras jabuticabas que o setor privado nem pensa em ter, pois assim estava escrito nos papiros eclesiásticos de que tudo aquilo era direitos adquiridos.

Para a ciência econômica, que muitos parecem levianamente ignorar, a premissa da finitude de recursos pode ser traduzida de uma forma mais simples para que entendam: apesar de ser seu direito adquirido não transforma as coisas em infinitas. Contudo, minorias organizadas no Brasil sempre acabam prejudicando maiorias desorganizadas. O lobby é bruto! Tão bruto que, para o espanto de qualquer pessoa que domine as quatro operações matemáticas básicas, notou-se que a reforma administrativa enviada ao Congresso não valia para os atuais servidores públicos, mas apenas para os futuros.

Ora, imagine um novo servidor público tentando pedir isonomia salarial e de benefícios com um antigo servidor, que desempenha as mesmas atividades, como será que o Judiciário se comportará nesse processo de isonomia? Um livro da CLT para quem achar que o servidor novo ganhará na Justiça o processo. Além disso, por mais estranho que possa parecer, a atual reforma administrativa divide os servidores em duas classes: agentes públicos e servidores públicos. Os agentes públicos entenda-se como deputados, senadores, magistrados, procuradores, promotores, e ministros de tribunais, também não serão afetados pelo novo texto, tendo seus “privilégios” ou direitos. Estes trabalhadores também são considerados pelo presidente como paupérrimos ou apenas pobres? 

O segundo ponto tem relação com a popularidade. Sabendo que graças ao auxílio emergencial de R$332 bilhões, distribuídos a milhões de pessoas para amenizar os impactos da pandemia da Covid-19, a popularidade do  presidente logrou subir de 32 para 37 pontos, segundo o Datafolha (melhor nível já atingido), como será que o chefe do Poder Executivo federal fará se sua popularidade começar a cair, caso essa nova “Renda Brasil” não oferecer os mesmos benefícios oferecidos durante o orçamento de guerra? Sucumbirá ele às trombetas do Arcanjo Gabriel, e abrirá o selo da gastança desenfreada e o desrespeito ao teto de gastos para garantir sua reeleição?

Se o fizer, certamente o risco fiscal traduzido na inclinação da curva de juros dos títulos públicos será maior, diminuindo o custo de oportunidade de investimentos pelo setor privado e o consumo das famílias. Esse filme nós já vimos antes e o final não é nada bom para o crescimento econômico do país e para o nosso câmbio. Bem, se você for exportador nesse caso, regozije-se.

*Roberto Dumas é economista, professor do Insper e Ibmec e especialista em mercados asiáticos.

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