Da promulgação da lei que define os crimes tributários o Fisco passou a selecionar, à vista de sua interpretação administrativa e fiscal, determinadas autuações para elaborar a chamada Representação Fiscal para Fins Penais, cujo objeto é provocar o Ministério Publico a apurar eventuais crimes contra a ordem tributária, em tese, praticados pelos representantes legais das empresas, dentro da autuação lavrada pela autoridade fiscal, seja ela estadual ou federal.
Desde então, sobrevieram entendimentos e até a famosa súmula 24 do STF que pacificaram o momento fiscal para o início das investigações acerca dos indícios capazes de vislumbrar a capitulação da prática do delito tributário. Contudo, em que pese todos os entendimentos, passou-se a objetivar as práticas tidas como delitivas, sem uma minuciosa análise da conduta do sujeito ativo, seja ela omissiva ou comissiva, o que acabou por afastar o preceito máximo do direito penal, qual seja, da última ratio.
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Pois, na sua origem, o direito penal tem como preceito básico a última razão da Justiça em relação a uma conduta apurada e administrada por outro ramo do direito brasileiro. Como é o caso do direito tributário, onde as autoridades, com base na legislação tributária, determinam os conceitos e preceitos que norteiam a administração pública para proteger a coletividade.
Diante dessas Representações Fiscais para Fins Penais, se tornou desafiador conseguir trazer o preceito da última ratio** ao direito penal tributário. Ou seja, na grande maioria dos casos, ao receber a representação fiscal para fins penais, o membro do Ministério Público, passou a limitar sua atuação, como fiscal da lei, dentro da seara do indubio pro societatis, na apuração tão somente da autoria daquele fato que o Fisco entendeu como, em tese, um tipo penal previsto pela lei de crimes tributários, sem uma análise da materialidade delitiva. Sem uma análise efetiva do que ocorreu, suas consequências e a vontade do sujeito tido como criminoso à luz da legislação penal tributária.
Prima facie, parece plausível que uma autoridade fiscal, ao analisar uma infração e tipificar a presença de condutas trazidas pela legislação como crime, desenvolva um raciocínio dentro da seara penal. Mas, a análise administrativa não abrange os preceitos exigidos pelo direito penal brasileiro sendo necessária, portanto, uma apuração investigativa capaz de apontar, ou não, o elemento subjetivo do crime tributário.
Isso quer dizer que a representação fiscal para fins penais, como diz literalmente seu título, abrange o entendimento do fiscal para fins de imputação penal, ocasião em que nasce a obrigação de uma fiscalização sob a ótica penal e, para tanto, imperiosa a investigação sob este prisma.
Entretanto, esta não é a realidade enfrentada pelos advogados. Muitas das vezes, a investigação policial e ou o procedimento investigatório criminal, iniciados pelo ministério público e ou pela polícia, deixam de lado as características e condições da ação ou omissão apontada pelo fisco, com destaque para a presunção de inocência, até que se prove o contrário.
E um ponto a se destacar é o fato de que, muitas vezes, a autuação fiscal que culminou na representação, passa por diversos momentos processuais e recusais, tanto na esfera administrativa quanto na esfera judicial, mesmo após a inscrição definitiva do débito, capazes de anular a infração tida como definitiva.
Além, é claro, da diferença entre a interpretação da norma tributária e a interpretação da norma penal tributária, exatamente porque esta última foca a punição do sujeito em seu mais importante direito: a liberdade.
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Assim, enfrenta-se, uma discrepância entre o preceito da última ratio do direito penal e toda a objetividade da norma tributária nas investigações de crime tributário que se resumem aos entendimentos da autuação fiscal, pois os representantes legais das empresas, seus diretores e demais envolvidos acabam por figurar no polo ativo dos crimes tributários, muitas das vezes, porque a pessoa jurídica foi autuada sob o entendimento de que houvera uma determinação proposital para a conduta infracional, sem, contudo, uma apuração subjetiva e condicionada aos termos legais. E, a suposta determinação proposital é crucial para a existência do delito e comprovação do propósito do sujeito para praticar a conduta ilícita.
Obviamente que não se pode afastar a importância da representação fiscal para fins penais, inclusive porque elaborada por aquele que se deparou com o fato que precisou ser fiscalizado, todavia, tê-la como verdade absoluta, é que faz nascer a mencionada discrepância e a necessidade de cautela ao se apontar o dedo do direito penal tributário.
Desta forma, para que não haja uma responsabilização penal objetiva dentro dos crimes tributários, imprescindível a aplicação da última ratio do Direito Penal cumulativamente às análises acerca do reconhecimento da existência da infração penal.
*Carolina C. Carvalho de Oliveira, é especialista em Direito Penal e sócia do Campos & Antonioli Advogados Associados.
**Lei penal que se aplica quando somente é capaz de evitar a ocorrência de atos ilícitos ou de puni-los à altura da lesão ou do perigo a que submeteram determinado bem jurídico, dotado de relevância para a manutenção da convivência social pacífica.
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