Resistência democrática deve ser lembrada no Dia Internacional da Mulher

A Constituição De 1988 é um marco contra a discriminação de gênero, tanto em ambiente familiar quanto laboral/Pixabay
A Constituição De 1988 é um marco contra a discriminação de gênero, tanto em ambiente familiar quanto laboral/Pixabay
Data deve servir também ao propósito de nos convidar para uma reflexão maior.
Fecha de publicación: 07/03/2022

O Dia Internacional da Mulher representa uma data que deve ser celebrada como um ato contínuo de resistência democrática, tendo em vista que seu nascedouro encontra fonte no movimento de mulheres operárias, em estado paredista pelo pleito por melhores condições de trabalho, no findar do século dezenove, que foram brutalmente mortas, carbonizadas em um incêndio em uma fábrica têxtil de Nova York/USA.

No Brasil, o engajamento político das mulheres – em que pese ainda estar aquém do que seria ideal, mitigado pelo refreamento injusto de um país que ainda se notabiliza pela dinâmica protecionista de concentração do poder nas mãos de homens - reflete na Constituição Federal a consolidação do Estado Democrático de Direito, haja vista que suas lutas pelo asseguramento de um tratamento igualitário de direitos, incutiu no texto constitucional, os fundamentos essenciais que buscam conferir às mulheres e à toda sociedade, o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a igualdade e a justiça como valores insuperáveis de uma sociedade pluralista, que deve caminhar sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida com a solução pacífica das controvérsias.


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A Carta Magna de 1988 – a partir da influência do ideário feminista -, contém em si, um marco contra a discriminação de gênero, tanto em ambiente familiar quanto laboral, na exata diretriz do artigo 5º, segundo o qual, todos são iguais perante a lei, com destaque pata o inciso I, que dispõe que  homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, no que é completado pelo artigo 3º, IV, ao pormenorizar, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a promoção do bem de todos, sem preconceito de sexo.

O princípio da igualdade está previsto na aplicação das relações de trabalho por meio do artigo 7º., XX e XXX, com o estabelecimento da proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, assim como com o fomento da proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei.

Aliás, no campo do direito internacional, o Brasil – com a atenção comum de combater as injustiças sociais contra a mulher - é signatário da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (internalizado por meio do Decreto 4.377/2002), com o compromisso de adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com previsão de sanções cabíveis que rechacem toda discriminação contra as mulheres.

 De outro lado, na esfera da legislação infraconstitucional, exemplos não faltam a respeito do protagonismo na mulher no enfrentamento de questões de afligimento histórico acerca da violência contra o sexo feminino.

Assim, é inegável que a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) representou um avanço significativo para a efetiva implementação de mecanismos de combate da violência doméstica e familiar contra a mulher, cujos efeitos didáticos e preventivos restaram aperfeiçoados pela política criminal do Estado ao alterar, em 2015, o artigo 121 do Código Penal, com o fito de prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, na hipótese em que o delito é cometido contra a mulher por razões de sê-la do sexo feminino, com menosprezo ou discriminação à sua condição feminina. 

De igual modo, no âmbito jurisdicional - sob a influência da contextualização feminina de luta contra a discriminação das mulheres, inclusive materializada em legislações que permitiam a punição da população feminina em caso de adultério e que reforçavam a imagem da mulher como propriedade do homem -, o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão que julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, sedimentou que, à luz da Constituição Federal de 1988, mostra-se incompatível a convivência da tese retrógada de legítima defesa da honra do homem com o sistema jurídico constitucional vigente (enquanto causa de exclusão da ilicitude), que é guiado pelos princípios fundamentais de proteção à vida e da dignidade da pessoa humana, sem prejuízo da manifesta discrepância da hierarquia existente entre os dois bens jurídicos tutelados pelo direito penal, a resultar em anacronismo a aceitação do sacrifício do maior, a vida.

Contudo, sem prejuízo do Dia Internacional da Mulher ser memorável – a resultar em merecidas homenagens - ante a observância das conquistas angariadas ao longo dos últimos anos, decorrentes da luta das mulheres pela afirmação de sua dignidade e contra todas as formas de violência e discriminação, a data deve servir também ao propósito de nos convidar para uma reflexão maior.


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Isso porque, o noticiário diário ainda nos choca, ao trazer à tona a realidade acerca do número assombroso de registros de denúncias de violência doméstica contra a mulher e de feminicídio.

Cenário esse a revelar que compete a todos nós e, em especial, ao Estado, sem solução de continuidade, aumentar os investimentos e aperfeiçoar os instrumentos de políticas públicas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas, trabalhistas e familiares (sobretudo no campo da assistência social, saúde, educação e habitação, com capacitação permanente das policias na prestação do atendimento especializado), no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, o que somente será alcançado com o auxílio imprescindível da família e de toda a sociedade no desempenho desse desiderato.

*Adib Abdouni é advogado constitucionalista e criminalista.

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