Responsabilidade ambiental das instituições financeiras credoras fiduciárias

O Bacen publicou resolução estabelecendo as diretrizes para a implementação da política de responsabilidade socioambiental/Pixabay
O Bacen publicou resolução estabelecendo as diretrizes para a implementação da política de responsabilidade socioambiental/Pixabay
Tema enfrenta dificuldades de enquadramento no instituto geral da responsabilidade civil.
Fecha de publicación: 30/05/2021

A preservação do meio ambiente, cujo dever está expressamente previsto em nossa Constituição Federal, em seu artigo 225, é um tema que está em voga em todas as esferas do Direito, tendo em vista que sua relevância também possui conexão com o desenvolvimento social e sustentável de forma equilibrada e equiparada, atrelado ao dever de proteção imposto ao poder público e toda coletividade.

 

Nesse sentido, até pelo fato da proteção prevista em nossa Constituição, o setor financeiro possui grande preocupação com tema, estudando e aplicando diretrizes socioambientais que norteiem as relações do setor financeiro e partes interessadas.


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Assim, tanto a legislação quanto os agentes reguladores, vêm demonstrando maior interesse na atuação específica de instituições financeiras, porque são elas as principais fontes de fomento da economia.

 

A despeito disso, em 2014, o Banco Central do Brasil (Bacen) publicou a Resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 4.327/2014, estabelecendo as diretrizes para a implementação da Política de Responsabilidade Socioambiental (PRSA) das instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen, apontando as diretrizes a serem observadas na implantação da PRSA.

 

Percebe-se, contudo, que o regulador tinha a intenção de incluir o gerenciamento do risco socioambiental na dinâmica das instituições financeiras quando da formação de seus negócios, ou seja, a intenção era a de se aplicar melhorias na eficiência sistêmica da instituição garantindo que as operações sejam viáveis, sem deixar de respeitar os aspectos sociais e ambientais e ainda mitigando os riscos.

 

Em 12 de dezembro de 2018 foi aprovada a Súmula 623 pelo Superior Tribunal de Justiça, a qual versa que as obrigações ambientais possuem natureza propter rem (obrigação real, que decorre da relação entre o devedor e a coisa), sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.

 

No entanto, a Súmula acima mencionada ainda divide opiniões e, mesmo diante das diretrizes seguidas pelo setor financeiro, em relação às Políticas de Responsabilidade Socioambiental, as instituições financeiras vêm se surpreendendo com demandas judiciais que buscam responsabilizá-las por danos ambientais em bens alienados fiduciariamente como forma de garantia da concessão de determinado crédito.

 

O tema responsabilidade civil ambiental, tal como se revela a jurisprudência brasileira, enfrenta dificuldades de enquadramento dogmático no instituto geral da responsabilidade civil, levando-se a importantes indagações estruturais e funcionais, assim como a pertinentes análises reconstrutivas.

 

Desse modo, quando o assunto é responsabilidade civil ambiental, a jurisprudência e a doutrina ainda não são plenamente pacíficas, existindo correntes que defendem o afastamento de responsabilidade de instituições financeiras por danos socioambientais se, antes de firmar o negócio, a instituição financeira obrigatoriamente adota todas as precauções diligências para confirmar o cumprimento dos aspectos e normas ambientais. Caso isso não ocorra, seria possível caracterizar a presunção de contribuição indireta para o evento danoso, considerando a instituição financeira como causadora indireta do dano, ao passo que existem correntes que defendem pela responsabilização solidária da instituição financeira pelos danos ambientais, utilizando como fundamento o fato de a instituição contribuir com recursos financeiros para agentes que causam danos ambientais.

 

Daí se extrai decisões judiciais não só uniformes e que, por vezes, responsabilizam as instituições financeiras que sequer têm qualquer relação com o ato danoso e que tomaram as diligências necessárias antes da concessão do crédito e da formalização da garantia.

 

Dentre muitos julgados, exemplifica-se com o contido no agravo interno no Agravo em Recurso Especial número 1.410.897-5 – MS (2018/0321935-6), que considera propter rem os danos ambientais causados pelo bem dado em garantia fiduciária e, portanto, responsabilidade essa que segue o bem, recaindo a responsabilidade para o credor fiduciário: “É firme o entendimento jurisprudencial desta Corte de que a responsabilidade civil dos danos ambientais é objetiva e solidária, além de aderir à propriedade, como obrigação propter rem, o que afeta a todos os agentes que obtiveram proveito da atividade que resultou em dano ambiental”.

 

Por outro lado, também existem julgadores que entendem a situação de forma mais equilibrada, como é o caso da decisão monocrática do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, proferida pela desembargadora Marga Tessler nos autos da Apelação de número 1.0625.11.009632-2/002: “A relação do [Banco Interamericano de Desenvolvimento] BID com a Fazenda Pública do Estado de São Paulo rege-se unicamente pelo contrato de empréstimo entre eles firmado, não havendo, tal como dito na decisão agravada, nexo de causalidade entre à liberação dos recursos para a obra, concedido pelo BID, e à ausência ou erro dos estudos acerca do impacto ambiental do projeto. (...) A ação de financiar, no caso, em nada contribuiu para a ocorrência do dano. A ausência ou o erro dos estudos acerca do impacto ambiental do projeto, que não se logrou demonstrar sejam imputáveis ao BID, é que poderão dar azo ao dano, caso venha a ser comprovado”.


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Assim, o que se nota é que, ainda que a legislação imponha à coletividade o dever e a obrigação de preservar e proteger o meio ambiente, sob pena de responsabilização, é essencial que cada julgador leve em consideração os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, amplamente defendidos pelo Direito Ambiental. Por outro lado, uma vez comprovado que a instituição financeira agiu de forma comprovadamente diligente, na medida em que implementou a PRSA, procedendo com a análise da documentação do bem que se pretendia alienar fiduciariamente, não seria possível responsabilizá-la por um dano que sequer tenha conhecimento ou dado causa, ainda que já tivesse ocorrido na época da formalização da garantia. 

 

*Vanessa Salem Eid  e Keila de Oliveira Acipreste são advogadas das áreas de direito civil e empresarial, contencioso estratégico e bancário do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados. 

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