A revitalização do Cais Mauá e a relação entre o porto e a cidade

Em 2021, foi firmado um termo de concessão entre o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e diversas empresas para realização de um empreendimento de lazer e gastronomia no Cais Mauá/Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Em 2021, foi firmado um termo de concessão entre o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e diversas empresas para realização de um empreendimento de lazer e gastronomia no Cais Mauá/Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Reforma de docas e armazéns abandonados vem sendo discutida em várias localidades.
Fecha de publicación: 17/05/2022

O Cais Mauá, localizado na região central de Porto Alegre/RS, às margens do Guaíba, entre a Usina do Gasômetro e a Rodoviária, completou 100 (cem) anos em 2021, tombado como patrimônio histórico nacional e municipal. Palco de diversas manifestações culturais na cidade, dentre elas a Feira do Livro de Porto Alegre e o Fórum Social Mundial, o Cais Mauá faz parte de um contexto de revitalização do centro histórico como um todo.

Em 2021, foi firmado um termo de concessão de uso oneroso do imóvel entre o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e diversas empresas para realização de um empreendimento de lazer e gastronomia, denominado “Embarcadero”, englobando uma parte do Cais Mauá, com vigência por cinco anos e meio, o que foi possível pelo fato de o governo federal, em outubro de 2020, retirar a poligonal portuária, bem como rescindir com a antiga concessionária em 2019.

Oportuno dizer que essa questão foi judicializada, trazendo à tona o problema do correto direcionamento de áreas não operacionais, bem como a ponderação sobre interesses públicos distintos. Existe uma intersecção em certos projetos que deixam latente a necessidade de um aprimoramento dos instrumentos que cuidam da relação porto-cidade. 


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Visando à revitalização do Cais Mauá como um todo, o Estado do Rio Grande do Sul assinou, em maio de 2021, contrato com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para estruturar a modelagem da área. Em novembro, foi apresentado o projeto, que prevê espaços voltados para contemplação, entretenimento, cultura, conhecimento histórico e do patrimônio, inovação, gastronomia, comércio, eventos, tecnologia, além da sugestão de implantação de empreendimentos imobiliários residenciais, corporativos e hoteleiros.

Ato contínuo, após conclusão e aprovação pelo conselho Gestor de Concessões e PPPs (CGCPPP), os estudos de modelagem foram encaminhados para análise do Tribunal de Contas. Após fase recente de consulta pública, o governo estadual tem a expectativa de publicar o edital em julho, com o leilão em setembro.

A revitalização de docas e armazéns degradados e abandonados, geralmente localizados nos centros de cidades portuárias, vem há muito sendo discutida em várias localidades e chegou a ser implementada com sucesso na famosa “Estação das Docas”, em Belém/PA, além do conhecido “Porto Maravilha”, no Rio de Janeiro/RJ.

Contudo, a burocracia, a insegurança jurídica, o montante e a origem dos investimentos, a viabilidade econômica, a necessidade de alteração ou criação de nova legislação em diferentes níveis (municipal, estadual e federal), o que envolve necessariamente vontade política alinhada, o tombamento de diversos imóveis de patrimônio histórico, os conflitos de interesses comerciais envolvidos, questões ambientais e a complexidade dos modelos apresentados mostram-se como entraves para efetivação da revitalização em lugares como o Valongo, em Santos/SP, projeto que possui promessa de revitalização há mais de 20 (vinte) anos, mas que ainda permanece somente no papel. 

O modelo proposto no Cais Mauá, em Porto Alegre/RS, pode servir de inspiração e ponto de partida para locais como Santos/SP e tantos outros em nosso país, na medida em que a revitalização de áreas portuárias, em parceria com a iniciativa privada, traz diversos benefícios para as cidades, inclusive com grande repercussão econômica e social, como a preservação de patrimônio histórico, o incentivo ao turismo e ao lazer, a possibilidade de realização de eventos culturais gratuitos ou pagos, a geração de empregos, promoção da área de serviços como gastronomia e comércio de produtos diversos, dentre tantas outras opções.


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A grande questão é que raramente se observa um alinhamento entre os diferentes entes federativos que deveriam cuidar de um interesse público comum. Formas de se conjugar interesses distintos existem como, por exemplo, a recente previsão da decisão coordenada administrativa (Lei nº. 14.210 de 2021), mas isto nem sempre é colocado em prática. 

Prova disso, se encontra a recente manifestação da prefeitura de Santos sobre a proposta de “desestatização” do porto, no qual se destaca que a municipalidade não foi provocada a se manifestar pela consultoria contratada pelo BNDES para elaborar os estudos do leilão, o que faz crer que uma medida sopesando, realmente, a relação porto cidade no município de Santos está longe de acontecer.  

Em breve resumo, este caso evidencia que problemas públicos complexos não podem ser cuidados dentro de um viés específico ou limitado de desenvolvimento de determinado setor ou atividade econômica, de modo que se exige uma atuação administrativa concertada que é aquela que “utiliza a participação e o consenso em instrumentos procedimentais diversos, como meios do exercício dos poderes públicos. Tal modelo se funda na busca de adesão dos interessados e, também, dos próprios agentes do Estado responsáveis pela atuação administrativa, o que fundamenta instrumentos de concertação interna ou interorgânica”.
 
*José Carlos Higa de Freitas e 
Aline Bayer da Silva são integrantes da Advocacia Ruy de Mello Miller.

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