Roberto Dumas: O que é mais uma flecha para o “brasileiro” São Sebastião?

Como será que o investidor estrangeiro avalia o nível das esferas institucionais jurídicas do país e o grau de corrupção da nação?/ Pixabay
Como será que o investidor estrangeiro avalia o nível das esferas institucionais jurídicas do país e o grau de corrupção da nação?/ Pixabay
Quando Segunda Turma do STF decidiu que Moro foi parcial me senti angustiado, perplexo, descrente, machucado e açoitado.
Fecha de publicación: 26/03/2021

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Sei que São Sebastião não foi nenhum brasileiro, pois nasceu na França e mudou-se para a Itália. Mas aqui com o enorme perdão que peço aos católicos, o comparo ao sofrido povo brasileiro. Calma. Não se trata de vitimização, mas é impressionante como o Brasil perece em todas as suas frontes: pandemia descontrolada com equívocos logísticos básicos, número de mortes batendo recordes diariamente, discursos politizados conduzidos por influencers da internet defendendo o indefensável, PIB provavelmente decepcionante no primeiro semestre do ano (recessão), aumento de juros básicos (já estava na hora), câmbio que mais deprecia entre as moedas emergentes, perdendo apenas para 3 ou 4 países emergentes, curva de juros cada vez mais inclinada, demonstrando claramente um maior desconforto quanto ao nosso compromisso com a retidão fiscal, maior desemprego estrutural lá na frente, dada a digitalização e a facilidade com que nos acostumamos com o home-office, famílias extremamente endividadas, alcançando um nível de endividamento de 56.4% da renda anual e 21.5% de comprometimento da renda.


Leia também: As intervenções cambiais controlam só o câmbio ou a inflação também?


Desde que o Banco Central iniciou essas divulgações de dados, nunca as famílias brasileiras estiveram tão endividadas. Soma-se ainda a inflação que teima em bater forte nos alimentos. Claro. Maior risco fiscal, câmbio não cede, preço de commodities mesmo que constante em US dólares acaba subindo aqui por causa da depreciação cambial. 

O que mais falta para desejarmos feliz 2022? Ah, sim. O objetivo maior desse artigo. Primeiramente peço desculpas por ser apenas um economista e nenhum jurista ou advogado, célebre da Corte ou intocável. Mas quando a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu por maioria que o ex-juiz federal Sergio Moro foi parcial ao condenar o ex-presidente Lula na ação do tríplex do Guarujá, impondo à Lava Jato uma enorme derrota, anulando assim, a condenação do “condenado” também em segunda instância pela 8° Turma do Tribunal Regional Federal da 4° Região (TRF4) me senti angustiado, perplexo, descrente, machucado e açoitado. Mas depois veio à minha mente a imagem sacra de São Sebastião e me fiz a pergunta título desse texto. O que é mais uma flecha para São Sebastião? 

O sentimento de impunidade, de chicanas, de arranjos e verborragias incompreensíveis nos afasta mais ainda do mundo onde acreditamos que a retidão moral vale a pena. Agora deixa eu voltar para a minha seara. Sem entrarmos em textões, dizendo o que sabemos que não será cumprido, do tipo. “Ainda há uma chance de condenação. É só começar tudo de novo”.

Imaginem como essa decisão caiu no colo dos, nem sei se ainda, investidores estrangeiros no Brasil? Como será que eles devem passar a avaliar o nível das esferas institucionais jurídicas do país e o grau de corrupção, que por instantes universais, tolos como eu, acabaram acreditando que estaríamos no caminho correto?

Sejamos bem simples. Você investiria recursos em projetos de longo prazo no Brasil, mesmo com estórias de escavadeiras quebrando pedágios, quebra de contratos, gritos histéricos de que a Petrobras, a Eletrobrás é nossa e com intervenções nas formações de preços de mercado? Daqui a pouco vão recriar a Siderbrás.

Perceberam que tudo que é estatal é estratégico? Estratégico para quem cara-pálida? Existe algum risco de um investidor espanhol, chinês, norte-americano, italiano, português ou de Kosovo pegar as turbinas da hidrelétrica construída pelo seu grupo, bem como os asfaltos das rodovias construídas sob concessão, colocar tudo nas costas e levar para seus países? Sempre tenho vontade de perguntar e às vezes pergunto quando alguém fala isso: “Você já se ouviu falando?”. Ora os interesses são sempre os mesmos. Todos com discurso de que isso ou aquilo é estratégico. Sem dúvida. Estratégico para pilhar as estatais com correligionários e aparelhar as empresas por ideologia ou por grana na cueca mesmo. 

Roberto Dumas

Por essas e por outras ainda vejo o desiquilíbrio abissal de tratamento jurídico de quem pode e quem não pode. Juro que tenho medo de que se eu não pagar as minhas multas de trânsito em dia e tiver minha carteira cassada, ainda posso ser preso sem possibilidade de fiança. Poderia terminar com alguma palavra de conforto, solidariedade, esperança, fé, daquelas de cartões de Natal, mas o desânimo é tanto, com o que estão fazendo com o Brasil, em todos os sentidos, que muitos de nós já estamos quase dormentes, ou como São Sebastião quando, cruelmente levava mais uma flechada. Triste.

*Roberto Dumas Damas é consultor independente da Ohmresearch e professor do Insper.


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