Rol taxativo da ANS: Como ficam novas judicializações após decisão do STJ

STF pode ser provocado a se manifestar tanto em ações individuais como em potenciais ações coletivas/Canva
STF pode ser provocado a se manifestar tanto em ações individuais como em potenciais ações coletivas/Canva
Exceções de procedimentos não previsto no rol certamente serão apresentadas ao Poder Judiciário.
Fecha de publicación: 24/06/2022

A Segunda Seção, composta pela Terceira e Quarta Turma, responsáveis por julgar casos de direito privado, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), também conhecido como o Tribunal da Cidadania, pacificou uma divergência jurisprudencial que existia não apenas entre as referidas turmas, mas também nos Tribunais Estaduais, quanto a obrigatoriedade ou não das seguradoras de planos de saúde cobrirem procedimentos não previstos no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Nos termos do voto do ministro relator, Luis Felipe Salomão, por maioria de votos, fixaram-se as seguintes teses: i) o rol de procedimentos em eventos da saúde suplementar é, em regra, taxativo, ou seja, apenas são obrigatórios a cobertura por planos de saúde dos procedimentos listados pela ANS; ii) A operadora do plano de saúde não é obrigada a arcar com tratamento não constante do rol da ANS se existe, para cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol; iii) é possível a contratação de cobertura ampliada ou aditivo contratual para a cobertura de procedimento não incluído no rol; iv) Não havendo um substituto, o tratamento fora do rol pode ser coberto pela operadora do plano de saúde desde que: a) não tenha sido indeferida expressamente pela ANS a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; b) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; c) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacional e estrangeiro; d) O Poder Judiciário, quando provocado por um segurado para cobertura de procedimento não previsto no rol da ANS, que seja realizado, quando possível, o diálogo dos magistrados com entes de expertise técnica na área da saúde, evitando o deslocamento de competência do feito para a Justiça Federal, por não possuir a ANS legitimidade para figurar no polo passivo de tais demandas.

Apesar das referidas teses serem vistas pela maioria dos magistrados votantes como benéficas ao ordenamento jurídico, por supostamente alicerçarem uma segurança jurídica ao evitarem que as operadoras de planos de saúde sejam condenadas indiscriminadamente por ordens judiciais a arcarem com procedimentos não previstos no rol da ANS, é cabível identificar desde já alguns possíveis impasses que o Poder Judiciário pode vir a enfrentar a partir da supracitada decisão.


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A taxatividade relativa ou mitigada, como dizem os juristas, é a principal delas, haja vista que embora o STJ tenha decidido que as operadoras de planos de saúde não são obrigadas a cobrir procedimentos não previstos no rol da ANS, há exceções.

As exceções certamente serão apresentadas ao Poder Judiciário para que ele decida se determinado caso concreto preenche os requisitos abordados na tese fixada para relativização da taxatividade. Do ponto de vista do titular do benefício, a obtenção de decisões judiciais favoráveis será mais árdua.

De todo modo, em observância ao direito fundamental de acesso a justiça, continuará o Poder Judiciário sendo acionado constantemente pelos beneficiários para demonstrarem a excepcionalidade de seus casos, com o objetivo de compelirem as operadoras de plano de saúde a custearem procedimento não previsto pela ANS por meio de uma ordem judicial, em respeito a boa-fé objetiva e a função social do contrato.

A principal característica do contrato de plano de saúde é a “prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós fixado” por pessoas jurídicas de direito privado que operam planos de assistência à saúde, para “garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde” nos termos do art. 1º da Lei nº 9.656/98.

A contraprestação no contrato de plano de saúde por parte do beneficiário é o pagamento mensal ou anual, de montante acordado previamente, como forma de remunerar a operadora do plano pela garantia que é dada na assistência financeira de procedimentos e despesas médicas caso o beneficiário venha a necessitar.

Nesse sentido, apesar do contrato de plano de saúde e o contrato de seguro de saúde serem institutos jurídicos diferentes, em analogia a palavra garantia presente no art. 757 do Código Civil, que dispõe sobre contrato de seguro de saúde, esta merece destaque também ao se debruçar sobre contratos de plano de saúde.

Por garantia do interesse legítimo, que origina a manifestação de vontade de um indivíduo em aderir a um contrato de plano de saúde, é pertinente compreendê-la como o direito que o beneficiário tem de usufruir da prestação continuada de serviços ou custos assistenciais de saúde periodicamente pagos à operadora do plano.

Acredita-se que o principal obstáculo a ser experimentado pelo beneficiário diante da decisão do Eg. STJ, que por maioria definiu que as operadoras de planos de saúde não estão obrigadas a cobrir procedimentos fora da lista da ANS, encontra-se no acesso a tratamentos, medicamentos e exames mais modernos ou que atendam a necessidades específicas, principalmente para àqueles que possuem doenças raras ou que demandem uma assistência mais complexa.

Embora a referida decisão tenha determinado que a ANS passe a atualizar os procedimentos previstos em seu rol a cada seis meses, e não mais a cada dois anos, vale destacar que os contratos de plano de saúde em regra consistem em contratos de adesão, cujas cláusulas o beneficiário não detém ingerência, logo, deve haver uma interpretação do contrato mais favorável ao aderente, no caso, o beneficiário (art. 432 CC).

Assim, quando o STJ fixa a tese de que pode haver uma contratação suplementar para uma cobertura ampliada quando o beneficiário desejar, essa se apresenta um tanto quanto discutível quando analisada do ponto de vista do titular do benefício.


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Isso porque se mostra pouco provável que ele irá conseguir aditar o contrato por um preço razoável ao valor já desembolsado periodicamente pela prestação assegurada, principalmente se o quadro de saúde do beneficiário tiver agravado ou com idade avançada.

Por fim, por ter a supracitada decisão advindo do julgamento de embargos de divergência pela Segunda Seção do STJ, sem ter sido afetado como recurso repetitivo, ou seja, não possui efeito vinculante, mas de pacificar o entendimento da Corte sobre a correta compreensão das normas infraconstitucionais que regem o contrato de plano de saúde, em particular o rol de procedimentos da ANS cobertos obrigatoriamente por operadoras de plano de saúde, e ainda sim comportar exceções a serem analisadas caso a caso, é plausível afirmar que os Tribunais Estaduais enfrentarão divergência de entendimento.

O Supremo Tribunal Federal, então, pode vir a ser provocado a se manifestar tanto em ações individuais para análise de casos concretos como em potenciais ações coletivas quando cabíveis caso sejam constatadas violações a direitos e garantias fundamentais previstos no texto constitucional.

*Luanna Perdiz de Jesus, sócia de Perdiz de Jesus Advogados.

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