Score de crédito, segredo comercial e LGPD

A lei tem como um de seus fundamentos a autodeterminação informativa/Pixabay
A lei tem como um de seus fundamentos a autodeterminação informativa/Pixabay
Segredos comerciais devem limitar a incidência da Lei Geral de Proteção de Dados.
Fecha de publicación: 04/08/2020
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A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) poderá entrar em vigor ainda este ano, caso a Medida Provisória nº 959/20, que prorrogou a vigência da lei para maio de 2021, não seja convertida em lei. Se a MP não for aprovada, passará a vigorar o disposto no art. 20 da Lei n°14.010/20 (Lei da Pandemia) sancionada pelo presidente da República, que manteve a vigência da LGPD para 16 de agosto de 2020 e apenas postergou a aplicação de suas penalidades a partir de 1º de agosto de 2021.  

 

De todo modo, a lei tem como um de seus fundamentos a autodeterminação informativa, ou seja, o controle que o próprio titular deve ter quanto ao trânsito de seus dados pessoais. Como se sabe, a nova lei visa, entre outros, promover o desenvolvimento econômico, tecnológico e a inovação, estimulando entes públicos e privados a garantir a segurança no ambiente digital.

 

Para as empresas que hoje dependem largamente do uso de dados para desenvolvimento de suas estratégias, será um desafio importante agir com rigor no tratamento dos dados com os quais lida. O uso e o tratamento dos dados não poderão ser feitos de forma indiscriminada, mas somente agindo de acordo com uma finalidade específica e uma base legal apropriada.

 

As mudanças introduzidas pela nova lei serão especialmente sentidas pelas instituições financeiras, que dependem basicamente da análise de dados para avaliar os riscos ao conceder crédito. Muitas utilizam o credit scoring, sistema, inclusive, já validado pelo Superior Tribunal de Justiça, que decidiu quanto à sua legalidade, por ser uma ferramenta que não representa restrição de crédito ao consumidor, mas sim um instrumento de avaliação de informações para medir a probabilidade de atraso ou inadimplemento da obrigação.

 

A Lei 12.414/11 (Cadastro Positivo) já autorizava o uso do sistema credit scoring nos arts. 5º, IV, e art. 7º, I. E a LGPD, atenta à importância da concessão de crédito de forma responsável para o desenvolvimento do país, chancelou em seu art. 7º, X, a legitimação para o tratamento de dados pessoais para a proteção do crédito, independentemente do consentimento do titular.

 

É claro que a transparência deve ser assegurada ao consumidor em todo o processo de tratamento dos seus dados, para que possa se certificar de sua legalidade e finalidade, de acordo com o propósito de tratamento, podendo apenas ser utilizadas informações úteis e relevantes para a concessão do crédito.

 

Contudo, embora se deva dar acesso aos tipos de dados utilizados pelo sistema nos termos dos arts. 18 e 19 da LGPD, é fundamental preservar em sigilo o algoritmo utilizado pela ferramenta, ou, em outras palavras, a forma pela qual os dados são combinados para geração do resultado positivo ou negativo ao crédito.

 

Neste ponto, é necessário que o controlador de dados esteja preparado para atender demandas do consumidor no prazo de 15 dias, bem como estar alinhado com a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) referente a quais dados poderão e não poderão ser fornecidos.

 

Vale ressaltar que a fórmula de cálculo da ferramenta está protegida pelo segredo comercial, considerando que a cada instituição financeira é facultada a decisão sobre os critérios de risco que melhor atendam aos seus interesses e aos de seu público alvo.

 

Cabe a ANPD “zelar pela observância dos segredos comercial e industrial, observada a proteção de dados pessoais e do sigilo das informações quando protegido por lei ou quando a quebra do sigilo violar os fundamentos do art. 2º desta Lei (art. 55-J, II)”.

 

A lei 9.279/96, que regula o direito e obrigações relativas à propriedade industrial, confere proteção ao segredo comercial e industrial, além da proteção comumente conferida por meio de contratos. Isso porque, evidentemente, o segredo, uma vez revelado, deixa de ser um diferencial competitivo e pode levar a própria atividade empresarial à falência.

 

Caso o diferencial competitivo seja a utilização de software desenvolvido para executar uma tarefa específica, sistemas operacionais, processadores de texto ou programas de aplicação, também se deve observar a restrição da LGPD, tendo em vista que o software é considerado como direito de autor, e, portanto, possui proteção legal pela sua criação nos termos da lei nº 9.610/1998 - Direitos Autorais, e a lei nº 9.609/1998 - Proteção da Propriedade Intelectual de Programa de Computador.

 

Alinhado ao art. 170 da Constituição Federal, que disciplina a ordem econômica, o direito ao segredo industrial ou comercial está preservado pela LGPD como instrumento ao desenvolvimento tecnológico, assegurando às empresas seu legítimo proveito da pesquisa e desenvolvimento de ferramentas inovadoras.

 

A Lei Geral de Proteção de Dados concilia estes interesses, aparentemente conflitantes, no art. 6º, VI: “As atividades de tratamento de dados pessoais deverão observar a boa-fé e os seguintes princípios: VI - transparência: garantia, aos titulares, de informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre a realização do tratamento e os respectivos agentes de tratamento, observados os segredos comercial e industrial”.

 

A fim de garantir a segurança das contratações e manter equilibrados todos os custos da operação, as instituições financeiras devem estar atentas a eventuais requerimentos administrativos ou demandas judiciais de titulares de dados desatentos aos dispositivos e à finalidade da nova lei para preservar a análise criteriosa para concessão de crédito, sobretudo neste momento de instabilidade que atravessamos.

 

Tendo em vista a situação econômica do país e a perspectiva de um aumento vertiginoso de inadimplentes por conta da quarentena que perdura, o princípio boa-fé e a segurança devem ser exigidos de todas as partes envolvidas, considerando tanto a proximidade da vigência da LGPD, quanto a garantia de concessão de crédito responsável.

 

É fundamental, neste momento, assegurar que todos que necessitam de recursos para manter suas atividades e organização financeira possam ter direito ao crédito e, assim, manter a economia aquecida.

 

*Rodrigo Toler é advogado e contencioso civil e estratégico do escritório Reis Advogados.

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