Segundo trimestre do ano não mostra recuperação da economia

Apesar de o ano fechar com um crescimento aparamente robusto, o ano de 2022 será desafiador com algumas intempéries/Freepik
Apesar de o ano fechar com um crescimento aparamente robusto, o ano de 2022 será desafiador com algumas intempéries/Freepik
Expectativa era de crescimento do PIB de 0.2%, mas acabou caindo -0,1%.
Fecha de publicación: 02/09/2021

Poderia ter sido melhor. Não muito melhor, dado que as expectativas eram de que o PIB durante o 2° trimestre de 2021 crescesse 0.2%, mas acabou caindo -0,1%.

 

À primeira vista, poderia se dizer que tanto faz, como tanto fez. Essa diferença não ajuda e nem atrapalha. Não é bem assim. Mesmo que a diferença entre a expectativa e o ocorrido ser de apenas 0.3% em 1 trimestre, o fato é que a euforia observada na publicação dos resultados do 1° trimestre de 2021, quando o PIB cresceu 1,2% trimestre a trimestre ou (QoQ), acabou dando lugar a um olhar mais crítico e cuidadoso sobre o que está por vir e o que já está afetando os humores da economia.

 

Crescimento econômico – Trimestre contra Trimestre (QoQ %)

Crescimento econômico – Trimestre contra Trimestre (QoQ %)
Fonte: IBGE

 

a. Lado da Oferta
Como sempre, os detalhes importam, e muito. Se analisarmos a tabela a seguir, notaremos que pelo lado da oferta, a crise hídrica e a geada já estão cobrando seu preço no setor do agronegócio. O setor mais promissor do país, que chegou a crescer impressionantes 6.5% (QoQ) no 1 trimestre do ano, acabou caindo 2.8% no 2º trimestre. De certa maneira já esperamos um crescimento de 0% para o setor do agronegócio em 2021. Não culpem os compradores, mas as geadas, as quebras de safras e a crise hídrica.

 

Crescimento econômico pelo lado da oferta - Trimestre a Trimestre (QoQ) e Anual (YoY)

Crescimento econômico pelo lado da oferta - Trimestre a Trimestre (QoQ) e Anual (YoY)
Fonte: IBGE

Ainda pelo lado da oferta, a indústria chegou a cair 0.2%, com uma queda da indústria da transformação de 2.2% (QoQ). Em grande parte, devido a quebra de várias cadeias de suprimento e novamente a crise energética com bandeiradas da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica). Os aumentos dos preços das tarifas de energia acabam afetando a indústria de transformação por dois canais de transmissão: 1. Diretamente via aumento de preços de produção e; 2. Via choque de oferta, dado que um maior custo de produção pode acabar levando os players da indústria a manterem suas máquinas e fornos a meia carga, como forma de minimizarem os impactos do aumento do custo da energia.

 

Novamente, o desempenho do setor industrial acabou, de certa maneira, não sendo tão ruim, graças a indústria extrativa e a de construção que cresceram 5.3% e 2.7% (QoQ), respectivamente. Há de se alertar, entretanto sobre o risco que o setor imobiliário possa a passar a apresentar daqui pra frente, com maior inflação, menor renda das famílias e maior custo de financiamento imobiliário. Além do que, o desempenho favorável do setor de construção, em partes, foi devido às mudanças trazidas pela pandemia, que acabou levando várias famílias a mudarem de casas e reformarem suas atuais como forma de se adequarem a um modo de vida ou trabalho com maior possibilidade de home-office, e essas mudanças não acontecerão todos os meses.

 

Como esperado, a aceleração da vacinação no Brasil (28.7% imunizados por duas doses ou dose única) possibilitou o relaxamento dos lockdowns no país, ajudando o setor de serviços a crescer 0.7% no 2° trimestre. Embora o desemprenho no semestre em questão tenha sido similar ao anterior, antecipamos que o setor de serviços deva melhorar nos próximos trimestres, conforme a vacinação avance e o comércio volte com mais força com um menor isolamento.

 

b. Lado da Demanda

Conforme a tabela a seguir, que mostra a evolução do PIB pelo lado da demanda trimestre contra trimestre anterior (QoQ) e anualmente (YoY), o que nos chama mais a atenção é o desempenho nulo do consumo das famílias. Durante o 2° trimestre de 2021, o consumo das famílias simplesmente não cresceu nada, quando comparado com o 1° trimestre do mesmo ano. Ter um desempenho destes durante o 1° trimestre foi até esperado, dado que o Congresso Nacional demorou para aprovar a extensão dos auxílios emergências para a população, mas aparentemente a inflação, que afetou muito mais as classes de renda mais baixas, que tem uma propensão marginal a consumir maior, aliado  a um aumento de juros pelo Banco Central (BACEN)  e ainda elevado desemprego, afetaram o desempenho do consumo das famílias.

 

Crescimento econômico pelo lado da demanda - Trimestre a Trimestre (QoQ) e Anual (YoY)

Crescimento econômico pelo lado da demanda - Trimestre a Trimestre (QoQ) e Anual (YoY)
Fonte: IBGE

Como mostra a figura a seguir, os principais itens ou vilões da inflação até julho responderam por 5.06% da inflação acumulada de 8.99% (IPCA)

 

Alguns vilões da inflação

Alguns vilões da inflação
Fonte: IBGE

Se levarmos em consideração a maior participação na cesta de bens de consumo das famílias C, D e E, a figura a seguir mostra que o aumento da inflação afetou mais fortemente essas classes de renda.

 

Inflação (IPCA) acumulado em 12 meses até JULHO/21

Inflação (IPCA) acumulado em 12 meses até JULHO/21
Fonte: IBGE

Aliado a um desemprego de 12.1% da população economicamente ativa (sem considerar os desalentados), a pandemia tem afetado mais forte as camadas mais pobres da população. Em 12 meses findo em julho de 2021, a renda individual dos 50% mais pobres teve queda 2 vezes maior ou 20.8%.

 

INFLAÇÃO e o DESEMPREGO aumentaram a desigualdade social

INFLAÇÃO e o DESEMPREGO aumentaram a desigualdade social

 

Inflação e desemprego altos, acabam não apenas influenciando a distribuição de renda, mas também diminuindo o rendimento do trabalhador que já caiu quase 4% nos últimos 12 meses, contribuindo para que o consumo durante o trimestre analisado seja impactado negativamente, a despeito de uma nova rodada de auxílio emergencial aprovado pelo Congresso. Segundo o boletim “Salariômetro” da FIPE, nos últimos 12 meses (julho), apenas 37% dos acordos e convenções coletivas conseguiram aumentos acima da inflação.

 

 

Rendimento médio real habitual das pessoas ocupadas - PNADC

 

Rendimento médio real habitual das pessoas ocupadas - PNADC
Fonte: BACEN

Sobre o ponto de vista dos investimentos, ou formação bruta de capital, durante o 2° trimestre do ano, o mesmo recuou 3.6%, em partes devido ao gargalo no fornecimento de insumos, principalmente semicondutores para setores da indústria, como o automobilístico.

 

De qualquer sorte, os dados do 2° trimestre vieram para nos alertar que apesar de o ano fechar com um crescimento aparamente robusto, o ano de 2022 será desafiador com algumas intempéries, tais como eleição polarizada, inflação e juros altos, falta de retidão fiscal, atraso na aprovação de reformas como a administrativa e a tributária. Desafios esses, que no horizonte poderão afetar o crescimento econômico do país, que estimo não mais do que 1.5%.

 

*Roberto Dumas é economista e professor no Insper.

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