O ano de 2022 se apresenta como desafiador e estratégico para o desenvolvimento de projetos de infraestrutura no Brasil.
Desafiador porque envolve a realização de projetos no contexto das eleições (em nível federal e estadual). Estratégico, porque o sucesso das iniciativas previstas pode contribuir para a retomada econômica pós-pandemia, tarefa que caminha a passos lentos até o momento.
Segundo dados divulgados pela Revista Exame em janeiro deste ano, os governos federal, estadual e municipal pretendem licitar em 2022 cerca de 58 projetos de infraestrutura e que representariam investimentos da ordem de R$ 219,7 bilhões ao longo da execução dos respectivos contratos. Ainda segundo a classificação proporcionada pela Revista Exame e com suporte em dados coletados pela consultoria Vallya, dos 58 ativos a serem concedidos, 29 são estaduais, 20 federais e 9 municipais.
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Diante desse quadro, é muito provável que as análises de risco dos potenciais investidores que venham a perseguir tais oportunidades em 2022 estejam focadas na estabilidade institucional e na segurança jurídica que possam assegurar a continuidade das políticas públicas e parâmetros econômicos retratados nos projetos, especialmente em um cenário de possível transição eleitoral.
A partir dessa constatação, cabe revisitar algumas estratégias já amplamente conhecidas e que podem auxiliar no incremento da percepção de segurança dos investidores, ao lado do mapeamento de algumas iniciativas concretas que podem criar boas expectativas para o ano que se inicia.
Modernização e fortalecimento de instituições reguladoras
Estruturas regulatórias sólidas, estabelecidas em bases claras e que eliminem sobreposições de competências normativas, fiscalizatórias e sancionatórias entre diferentes órgãos e entidades são essenciais para a gestão e para a segurança jurídica de serviços públicos delegados ou do exercício de atividades privadas de interesse público.
Igualmente, no caso dos serviços públicos concedidos, a separação entre atribuições do Poder Concedente e do regulador tende a proporcionar a redução de conflitos de interesses na tomada de decisões relevantes para a continuidade dos contratos ou dos próprios serviços.
Nesse contexto, entidades reguladoras dotadas de efetiva autonomia podem fortalecer a estabilidade institucional ao assegurar a continuidade do planejamento associado ao setor regulado, mesmo durante transições políticas como a que será experimentada em 2022.
Para que esse objetivo se cumpra, é preciso que o regime jurídico das agências reguladoras existentes e a serem criadas seja renovado, a fim de dotá-las de mecanismos de controle, transparência e eficácia regulatória antenados a boas práticas típicas da função (planejamento, transparência, agenda regulatória, participação pública na tomada de decisão e avaliação de impacto regulatório das normas propostas).
A esse respeito, é importante destacar iniciativas recentes, ainda em andamento, concebidas para melhorar o ambiente regulatório em alguns setores. Exemplos podem ser encontrados na proposta de criação Agência Reguladora de Transportes de Minas Gerais (Artemig) e nos estudos para constituição de entidade reguladora realizados no âmbito do PITU 2040, que tem como objetivo desenvolver, para os próximos 20 anos, a política de mobilidade do Estado para a Região Metropolitana de São Paulo.
Renovação e revisão do estoque regulatório
Ao lado da renovação institucional, a criação, a revisão e o aprimoramento sistêmico do estoque regulatório se apresentam como fator essencial para consecução dos objetivos de longo prazo associados ao setor regulado.
Atualmente, é grande a expectativa dos investidores, por exemplo, em relação à continuidade da edição de normas de referência pela ANA sobre os serviços de saneamento. Durante o ano de 2022, a agenda regulatória da ANA confere destaque a temas relevantes, tais como:
> Padrões e indicadores de qualidade e eficiência e avaliação da eficiência e eficácia para água e esgoto;
> Diretrizes para definição do modelo de regulação para água e esgoto;
> Indenização de ativos para água e esgoto;
> Modelo organizacional das agências reguladoras infranacionais, transparência e accountability;
> Matriz de riscos de contratos para água e esgoto.
Outra iniciativa interessante vem sendo desenvolvida na área de energia. De fato, um dos eixos do Programa Nacional do Hidrogênio envolve precisamente o mapeamento de legislações e regulações nacionais existentes para subsidiar a inclusão do hidrogênio como vetor energético e combustível na matriz energética brasileira. Dentre os objetivos desse programa se encontra o de promover a regulação, por meio de agências governamentais, sobre produção, transporte, qualidade, armazenamento e uso do hidrogênio e suas tecnologias.
Aprimoramentos regulatórios como esses podem efetivamente reforçar o interesse de investidores, sobretudo estrangeiros, na medida em que pavimentam um cenário de maior estabilidade jurídica para o respectivo setor.
Fortalecimento de mecanismos contratuais de proteção e incentivo ao investidor
Um importante rol de iniciativas a ser considerado diz respeito à construção de parâmetros contratuais que sejam capazes de atrair efetivamente investidores e promover segurança em longo prazo.
De um lado, há a antiga e constante demanda por contratos que contenham uma repartição de riscos clara e, mais ainda, que promovam uma alocação razoável dos riscos identificados.
Em outra perspectiva, estados e municípios convivem com dificuldades crônicas na criação de estruturas garantidoras sólidas em concessões administrativas e patrocinadas, sem que tenha havido ainda uma sinalização de como a esfera federal pode contribuir para a mitigação desse problema. Assim, a otimização de mecanismos de garantia que abarquem expressamente as diversas hipóteses de extinção antecipada dos contratos de concessão se mostra como importante fator de sucesso para redução do risco de instabilidade política durante o período eleitoral.
Nesse âmbito, o da modelagem das concessões, recentes lições aprendidas devem, doravante, estar sempre presentes na perspectiva daqueles encarregados da produção de novas oportunidades de investimentos.
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O insucesso de contratos de concessão relevantes, como do Aeroporto Internacional do Galeão, em função da concorrência de ativos (Aeroporto de Santos Dumont) e de divergências a respeito da incorporação do risco decorrente da queda de demanda causada pela pandemia do Covid-19, é um exemplo de como incertezas contratuais podem não só pôr fim à relação contratual, mas também gerar dificuldades, no futuro, para a participação de investidores de grande envergadura.
Igualmente, os efeitos negativos decorrentes da disputa em torno da Linha Amarela, também no Rio de Janeiro, mostram como a estabilidade contratual e o respeito ao ato jurídico perfeito deveriam constituir os pilares principais do investimento em infraestrutura no Brasil e que também os órgãos de controle, como o Judiciário e as Cortes de Contas, deveriam assumir uma posição mais contundente de proteção desses valores, sobretudo em um momento de incerteza política típica do período eleitoral.
*Raul Borelli é sócio de Infraestrutura e Projetos do Manesco Advogados.
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