A solução consensual de conflitos no âmbito administrativo 

As partes devem considerar o custo da oportunidade perdida ao não buscar um acordo através de métodos alternativos./Canva
As partes devem considerar o custo da oportunidade perdida ao não buscar um acordo através de métodos alternativos./Canva
A disseminação da cultura dos métodos de composição de conflitos nas mais diversas esferas administrativas é fundamental não apenas para a eficiência do setor público, mas também para o sucesso e desenvolvimento do setor privado.
Fecha de publicación: 20/10/2023

Durante muitos anos, as instâncias decisórias administrativas restaram desacreditadas devido ao sistema de jurisdição una previsto no inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil. Isso ocorreu porque, em última análise, as decisões dessa natureza poderiam ser revisadas e estar sujeitas a reforma pelo Judiciário. Esse fato, por certo, também contribuiu para a inépcia dos órgãos administrativos em lidar com questões complexas sob sua jurisdição.

 

O resultado dessa conjuntura foi uma excessiva judicialização, intensa ocupação de casos tecnicamente complexos e o assoberbamento do Poder Judiciário. Assim, a prestação judicial tornou-se morosa e, algumas vezes, ineficiente, em detrimento dos interesses das partes e do Estado.

 

Em resposta a essa morosidade, no contexto judicial brasileiro, os métodos alternativos de solução de conflitos ganharam expressividade,  estenderam-se à administração pública e têm se tornado mais robustos.

 

É uma seara fértil a ser explorada e aproveitada pela sociedade civil, pelo setor privado, por advogados e pelo Estado, cujos interesses convergem para a prevenção e redução, com celeridade, eficiência e economicidade, do imenso passivo judicial que ainda há.


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Os principais métodos existentes hoje de solução consensuada de conflitos administrativos são: arbitragem, mediação, conciliação, transação, dispute boards e ajustamento de condutas.

 

A arbitragem é regulada pela Lei nº 9.307, de 1996, e deve ser convencionada entre as partes, em cláusula específica e expressa, constante dos ajustes que celebrem. Árbitros qualificados decidem o conflito, atuando como juízes privados. As decisões têm eficácia de sentença judicial, afastando, pois, a via do Judiciário, e não podem ser objeto de recurso.

 

A mediação, regulamentada no art. 3º, §§ 2º e 3º, e 165 e ss do Código de Processo Civil (CPC), na Lei nº 13.140, de 2015, e no art. 26 da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, é técnica de negociação em que terceiro imparcial, sem poder decisório, auxilia e estimula as partes a encontrarem soluções consensuadas aos seus enfretamentos. Conforme o disposto do CPC, o mediador atua nas ações em que já há vínculos entre as partes, com vistas ao restabelecimento do diálogo e à proposição de soluções.

 

A mediação diferencia-se sutilmente da conciliação. Nesta, também nos termos do CPC, o conciliador participa de forma efetiva na construção e sugestão de soluções.


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Diversos órgãos da administração pública já vêm utilizando esses métodos com constância. 

 

Na Advocacia-Geral da União (AGU), por exemplo, a Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal (CCAF) media conflitos envolvendo a Administração Federal, entre órgãos ou entes federativos, mesmo que envolvam um particular. Segundo notícia publicada pelo Valor Econômico, em 05/09/2023, a CCAF finalizou 143 processos nos últimos 5 anos, em um total negociado de R$ 278,5 bilhões.

 

No caso de obrigações fiscais, as Procuradorias Públicas, de uma forma geral, podem transacionar débitos do particular, negociando condições especiais de quitação. Os montantes transacionados são expressivos, tendo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por exemplo, sozinha, desde 2020, negociado mais de R$ 466,6 bilhões em dívidas.

 

As negociações também são possíveis dentro das Agências Reguladoras, atendidos os respectivos regulamentos. 

 

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), exemplificativamente, compuseram, por meio da Resolução Conjunta Aneel, Anatel e ANP nº 2/2001, a Comissão de Resolução de Conflitos das Agências Reguladoras dos Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo, com caráter permanente e composta por dois representantes de cada Agência. Para negociações nessa Comissão conjunta, as partes devem ser exploradores de serviços públicos dos setores relacionados e o pedido deve versar sobre matéria de aplicação e interpretação do Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infraestrutura entre os setores de energia elétrica, telecomunicações e petróleo, quando das negociações e da execução dos contratos. 


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Há, também, normativos internos em diversas Agências, para o tratamento das soluções consensualizadas entre os interessados. Cita-se, nesse sentido, as Resoluções da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) nº 5845, de 2019, e nº 6009, de 2023, as quais preveem a possibilidade de submissão ao procedimento interno de solução de controvérsias de questões relacionadas à recomposição do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos; indenizações decorrentes da extinção ou transferência do contrato; penalidades contratuais e seu cálculo, bem como controvérsias advindas da execução de garantias, dentre outros assuntos. 

 

As soluções consensuadas também podem ser levadas a efeito pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A Instrução Normativa TCU nº 91, de 2022, criou, em dezembro de 2022, a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso), cujo objetivo é contribuir, disponibilizando sua estrutura técnica, para a solução consensual de controvérsias relevantes e prevenção de conflitos afetos a órgãos e entidades da Administração Pública Federal, em matéria sujeita à competência da Corte de Contas. 

 

Os dispute boards constituem também outro método de prevenção e resolução de conflitos. Previstos nos arts. 151 a 154 da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações), são instrumentos contratualmente acordados, que resultam na designação de um comitê da confiança das partes para acompanhar a execução de um projeto de grande envergadura e complexidade. Aos comitês incumbe a emissão de recomendações e decisões, essas de caráter compulsório.

 

Também como forma de composição de controvérsias, mas como instrumento de mitigação ou substituição de penalidades, há os termos de ajustamento de conduta (TACs), cujos fundamentos normativos principais encontram-se na Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública) e na Lei nº 9.784/1999 (Lei do Processo Administrativo). Prevendo obrigações de caráter líquido e certo, eles visam a antecipar a resolução de problemas de uma maneira mais célere do que se o caso fosse a juízo.

 

Ainda nessa linha, vale a menção aos acordos de leniência, celebrados por pessoas físicas ou jurídicas com a autoridade máxima de cada órgão, com a Controladoria-Geral da União (CGU), com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) ou com o Ministério Público Federal (MPF), conforme o caso, visando a identificar os demais envolvidos: (i) nos atos lesivos a que se refere a Lei nº 12.846/2013 (Lei Anticorrupção), ou; (ii) nas infrações referidas na Lei nº 12.529/2011 (Lei de Defesa da Concorrência).


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Também nessa conjuntura, importante citar a possibilidade de solução alternativa de controvérsias junto ao Banco Central do Brasil (Bacen), às instituições por ele supervisionadas, aos integrantes do Sistema de Pagamentos Brasileiro e à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Somente nesses últimos 6 anos, o Bacen já celebrou 89 termos de compromisso com entes regulados, que resultaram na restituição de R$ 620.904.987,35 a clientes.

 

Dentro das competências institucionais, cada foro pode oferecer soluções alternativas e inteligentes para a superação das dificuldades que são próprias dos conflitos público/privados, como, por exemplo: a pluralidade de entes envolvidos, a tecnicidade da matéria, a resistência à compreensão das razões da parte adversa, a cultura pública enraizada no legalismo e, principalmente, o alongamento, no tempo, dos litígios processuais dessa natureza.

 

Os acordos, muitas vezes intermediados por terceiros imparciais, permitem a realização de reuniões técnicas bilaterais e a estabilidade da manifestação de vontade dos agentes públicos, coordenando-a com a dos entes privados, assegurando a segurança jurídica do negócio. Bockmann E. M. e Cuéllar L. (Direito Administrativo e Alternative Dispute Resolution, p. 123) anotam que o escopo de uma mediação é que todos tenham ganhos efetivos, e isso deve ser feito de forma cooperativa e equânime. Esse entendimento, a propósito, deve ser estendido às demais formas de composição alternativa de controvérsias.

 

Portanto, toda controvérsia, potencial ou instalada, pode, em tese, beneficiar-se da existência de soluções alternativas à judicialização. O ambiente negocial que vem sendo instituído, maturado e estimulado nas esferas da Administração pode ser a alternativa adequada para enfrentar as complexidades dos conflitos público/privados, porque tem o condão de entregar celeridade e criatividade nos meios de solução, viabilizando a consensualidade e a previsibilidade das ações das partes envolvidas.

 

A arquitetura para a solução de uma contenda deve ter em conta não somente os caminhos judiciais. As partes devem considerar o custo da oportunidade perdida ao não buscar um acordo através de métodos alternativos. Além disso, é importante avaliar o risco de levar o conflito adiante, devido às possibilidades de eventual perda. Nesse caminho, vale a pena explorar soluções criativas e mutuamente benéficas, tais como as ferramentas existentes para a consensualidade. 

 

A disseminação da cultura dos métodos de composição de conflitos nas mais diversas esferas administrativas é fundamental não apenas para a eficiência do setor público, mas também para o sucesso e desenvolvimento do setor privado. A promoção da resolução pacífica de disputas contribui para um ambiente de negócios eficiente e promove um avanço econômico e social mais harmonioso e produtivo.

 

*Adriana Rocha Abrão e Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Neto são sócios do escritório MJ Alves Burle e Viana Advogados.

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