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O Plenário do STF julga nesta quarta-feira (19) medida cautelar na ADPF-722 ajuizada pelo partido Rede Sustentabilidade, em que se questiona ato do Ministério da Justiça e Segurança Pública que estaria investigando servidores públicos e professores sob sigilo e alegação de que integrariam um movimento antifascismo.
A demanda remete à violação de direitos fundamentais esculpidos no artigo 5º da Carta Magna, entre eles, o direito de liberdade de expressão e o consequente constrangimento imposto aos cidadãos, sob risco inclusive de liberdade física.
A despeito daquelas alegações terem o condão de coincidirem com a realidade, isto é, constituírem de fato, uma tentativa de impedimento à liberdade de expressão, o STF acabou de julgar na semana anterior, tema indiretamente correlato com a presente questão, qual seja, a de que a Abin – Agência Brasileira de Inteligência - só poderá compartilhar dados e informações de interesse público devidamente motivados e no caso de quebra de sigilo fiscal ou bancário e telefônico somente serão praticados com autorização judicial, conforme determina o Inciso XII, do artigo 5º da Constituição.
Nesse contexto, a própria Lei nº 9.883/1999 que disciplina o Sistema Brasileiro de Inteligência e que criou a ABIN prevê no parágrafo único do seu artigo 3º, que as atividades de inteligência serão sigilosas e deverão observar os direitos e garantias individuais.
No que se refere às preliminares, o Plenário terá que primeiro se posicionar sobre a admissibilidade da ADPF para a demanda ajuizada pelo partido Rede e Sustentabilidade, cujo pressuposto é a suposta violação de direitos fundamentais dos cidadãos.
A comprovação de tais hipóteses demandaria uma investigação e, nesse caso, a Corte terá que analisar a possibilidade de vislumbrar os requisitos exigidos para a concessão da medida cautelar requerida pelos autores da ADPF.
O que não se pode aceitar é a volta ao passado sombrio da ditadura militar, onde se monitoravam cidadãos e grupos sociais e políticos da oposição para determinar medidas radicais para a sua eliminação.
Assim, o que realmente importa é o exame e análise da documentação correspondente aos relatórios de inteligência já disponibilizados pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública ao STF, cujos ministros terão a responsabilidade de julgar e, se for o caso, determinar os limites constitucionais a serem respeitados pelo órgão do Poder Executivo, na hipótese de verificarem algum desvio de finalidade ou irregularidade naqueles documentos.
Independentemente do que a Corte decidirá sobre o tema, não é difícil deduzir que se teria mais uma corroboração de tudo aquilo que já foi exaustivamente julgado pelo Plenário, em outras oportunidades recentes, especialmente na semana que passou.
É o Poder Judiciário exercendo o seu papel de controle externo de outro poder público que nesse caso é o Poder Executivo.
Levando-se em conta as inúmeras demandas de natureza política que têm desembocado na Corte, o Plenário precisa refletir com muita cautela sobre os seus limites de julgamento para não invadir ou usurpar a competência dos demais poderes públicos, a menos que a situação realmente reclame uma intervenção mais contundente para se evitarem futuros problemas.
O que precisa ficar bem claro é o fato de que, qualquer Poder Público não pode e não deve determinar frequente e constantemente medidas a serem observadas por outro Poder, sob pena de, em se tratando do Poder Judiciário, estar praticando o ativismo judicial.
Em caráter excepcional, aquele ativismo pode ser justificado, quando se constatar que os demais Poderes (Executivo e Legislativo) se encontram fragilizados e apresentam disfuncionalidades que provocam demandas inusitadas junto ao Poder Judiciário e o impele a julgar temas “interna corporis” que são judicializados pelos próprios membros daqueles poderes e cuja fronteira é muito tênue com o ativismo judicial.
Ao que parece, a realidade dos Poderes Executivo e Legislativo no Brasil remete ao que Mauro Cappelletti, prestigiado jurista italiano afirmou.
O jurista preconizava que, diante do gigantismo do Poder Legislativo há o consequente gigantismo do ramo administrativo (Poder Executivo), cujo crescimento anormal chamou à responsabilidade o Poder Judiciário, “pelo fato de que o “terceiro poder” não pode simplesmente ignorar as profundas transformações do mundo real...(...)”.
Sendo assim, os tribunais têm duas possibilidades: permanecerem fiéis à concepção tradicional do Século XIX, dos limites da sua função jurisdicional ou “elevar-se ao nível dos outros poderes, tornar-se enfim o terceiro gigante, capaz de controlar o legislativo mastodonte e o leviatanesco administrador”.
*Vera Chemim é advogada constitucionalista e mestre em direito público administrativo pela FGV.
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