STJ diverge sobre aplicação de juros de mora em casos de improbidade

Além da incerteza sobre a própria aplicação é incerto o valor da multa/Marcelo Casal Jr/Agência Brasil
Além da incerteza sobre a própria aplicação é incerto o valor da multa/Marcelo Casal Jr/Agência Brasil
Duas turmas decidiram que sobre o valor da multa civil aplicada incidem juros de mora antes que o devedor esteja em mora.
Fecha de publicación: 25/02/2021

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A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) prevê a pena de multa como uma das possíveis sanções aos réus condenados pela prática de atos de improbidade. Entretanto, a lei não prevê expressamente a incidência de juros de mora sobre essa multa. Tal incidência só pode ter como causa a disciplina geral sobre o tema no Código Civil, prevista em seus artigos 395 e 406.

O problema é que as duas turmas da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça estão inovando nesse aspecto, decidindo que sobre o valor da multa civil aplicada em ações de improbidade incidem juros de mora antes que o devedor esteja em mora. Antes mesmo que exista a própria multa, ou seja, antes de qualquer decisão judicial aplicando a multa.

Diferentes entendimentos

É ilegal, conforme decisões do próprio STJ, afirmar que todo ato de improbidade gera aplicação de multa, já que se reconhece ser facultado ao Judiciário aplicar apenas parte das sanções previstas na lei de improbidade. Assim, mesmo tendo sido reconhecida a improbidade, esta pode gerar apenas o dever de ressarcir o erário, o perdimento de bens, a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, sem aplicação de multa (AgInt no AgInt no AREsp 685930 / RJ, REsp 1721097/SP e AgInt no REsp 1611275/SC). Se é ilegal presumir-se desde a prática do ato que ele gerará multa, é impossível considerar que sequer uma suposta consciência íntima do ilícito pudesse gerar prévia certeza quanto a uma eventual multa.

Além da incerteza sobre a própria aplicação ou não de uma multa (an debeatur), é completamente incerto o valor da multa (quantum debeatur), dado que os incisos do art. 12 da lei estabelecem apenas seus patamares mínimos e máximos.

As turmas da 1ª Seção do STJ divergiam ao tratar sobre o assunto.

Na Primeira Turma, os precedentes vinham decidindo que os juros legais incidam desde a citação para contestar a ação de improbidade (REsp 1826161/PE; AgInt no AREsp 204.721/SC e REsp 1598074/DF). A Segunda Turma sustenta posicionamento ainda mais draconiano: os juros incidem a partir a prática do ato que anos depois veio a ser considerado um ato improbo (EDcl no REsp 1758077/CE e REsp 1645642/MS).


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Mora

Qualquer das posições implica completa e inexplicável distorção da lógica e dos pressupostos dos juros legais, previstos no Código Civil, já que os juros de mora são devidos em razão do inadimplemento e correm a partir da constituição em mora, que tem como pressuposto o atraso no pagamento.

O entendimento da 1ª e da 2ª Turma também diverge dos entendimentos das turmas de direito privado que interpretam os artigos 394 e seguintes do Código Civil.

A posição da 2ª Turma invoca aplicação analógica da Súmula 54 do STJ, mas o faz em completo divórcio em face do entendimento consolidado das turmas que há décadas interpretam o Código Civil. A Súmula 54 trata de responsabilidade extracontratual por evento danoso. Por essa razão, por analogia, só poderia ser aplicada à condenação ao ressarcimento de danos em ações de improbidade, não à multa.

Anote-se, ainda, que a multa civil não decorre direta e automaticamente nem do ato ímprobo nem do evento danoso. Trata-se de obrigação que só nasce com a própria condenação ao seu pagamento, ou seja, por sua fixação em sentença ou acórdão.

A situação é, em tudo, similar à da incidência dos juros de mora sobre condenação ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, que fluem apenas a partir da citação do executado no processo de execução (entendimento pacífico do STJ, conforme AgInt no AREsp. 965.471/SP e AgRg no REsp. 1.432.692/RJ). Diante da conclusão de que o débito principal deve ser acrescido de juros desde a citação ou desde o ato ilícito (Súmula 54/STJ), os honorários não são precocemente acrescentados de juros antes mesmo de serem fixados. Isso porque não pode haver juros de mora sem que o devedor tenha excedido o prazo regular para adimplemento voluntário da obrigação.

Ao interpretar art. 396 do Código Civil, em outras situações que não as de ações de improbidade, o STJ inclusive já reconheceu a necessidade de fixação do quantum devido para que passem a estar sujeitos a juros de mora (AgInt no AREsp 1436079/SP).

Interpretação

A única posição aceitável e consentânea com os dispositivos legais que dão suporte à incidência de juros moratórios (os artigos 395 e 406 do Código Civil) é aquela que foi defendida numa terceira corrente, vencida no STJ, em recente voto do Ministro, hoje aposentado, Napoleão Maia. Ele defendeu que os juros só podem incidir a partir da fixação da multa (AgInt no AREsp 1534244/SP).

Nas palavras do Ministro (e em respeito à estrita legalidade), “não faz sentido algum que os juros decorrentes da mora sejam estabelecidos desde a prática de conduta ímproba, uma vez que, se assim fosse, o acusado já receberia o pronunciamento judicial condenatório com dívida em atraso, em relação à qual não poderia sequer fazer depósito prévio elisivo dos encargos financeiros”.

No julgamento desse agravo interno, há constatação ainda mais grave: a de que aparentemente também a 1ª Turma passou a acolher a tese draconiana defendida pela 2ª Turma, pois confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que fixara os juros a partir do evento danoso (citando os precedentes da 2ª Turma da corte).

Essa interpretação da 1ª e da 2ª Turma do STJ em relação aos juros incidentes sobre a multa civil em ações de improbidade reclama uma atuação coerente de toda a corte. A pretexto de um maior rigor punitivista, não se pode conceber que não haja uniformidade entre todas as turmas do tribunal a respeito da interpretação das regras do Código Civil. Se assim não for, o entendimento também ganha contornos de inconstitucionalidade, por violação ao direito de propriedade (artigo 5º, XXII da Constituição Federal) dado que há caráter confiscatório evidenciado no fato de que uma multa pode crescer mais de 100% (além da atualização monetária) considerados os prazos para ajuizamento da ação e o tempo de duração da ação.

*Luis Justiniano Haiek Fernandes e Maria Gabriela Freitas Cruz são advogados do Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados.


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