Subir ou não subir juros? Eis a questão

O efeito anti-inflacionário seria, de fato, pouco promissor, se o Banco Central do Brasil subir a taxa de juros/Canva
O efeito anti-inflacionário seria, de fato, pouco promissor, se o Banco Central do Brasil subir a taxa de juros/Canva
Deve o Banco Central agir em um cenário de choque de oferta?
Fecha de publicación: 23/11/2021

Dilemas “shakespearianos” não valem apenas para questões filosóficas, ajudam também em dúvidas pra lá de cabeludas a respeito sobre a política monetária em um cenário de choque de oferta mundial.

 

Deve o Banco Central (Bacen) ou a autoridade monetária subir juros em um cenário onde é evidente o choque de oferta? Primeiro, urge ressaltar que a dinâmica de preços continua inexorável. Preços são e sempre serão, desde que livremente, formados a partir da conjunção de oferta e demanda. Mas como os Bacens de cada país deveriam se comportar no ritmo da subida de juros, se o choque de oferta advém do exterior ou de fatores exógenos domésticos, como um aumento no custo do petróleo, commodities e crise de energia elevando a bandeira da tarifa de vermelha para “roxinha”? Eis a questão que o Bacen precisa responder e agir.


Leia também: Vendas no varejo caem mais que o esperado por causa da inflação


Vamos aos cenários e as verdades nada secretas:

  1. É fato que o cenário mundial esta testemunhando um choque de oferta global, onde a recuperação pós pandêmica tem sido mais rápida, que a oferta de determinados bens e serviços;
  2. O efeito anti-inflacionário seria, de fato, pouco promissor, se o Banco Central do Brasil subir a taxa de juros, pois nada faria o preço da tarifa de energia reduzir ou o preço das commodities caírem, posto que são produtos que tem sua formação de preços no exterior ou aqui dentro mesmo de forma exógena (crise hídrica).

O que fazer então? Ninguém disse que seria fácil, Campos Neto.

 

Se o Bacen não subir juros, dado que estamos falando de um choque de oferta, a capacidade de difusão dos preços seria maior, atingindo uma maior parte da cadeia de bens e serviços. Como assim? Ora se algum produtor experimenta um aumento no preço de seus insumos, digamos, combustível ou energia elétrica, um relaxamento da política monetária possibilitaria que esse mesmo produtor tivesse demanda para repassar esse aumento de custos para todos os seus consumidores. E esses consumidores, que muitas vezes são produtores também, acabariam repassando e perpetuando esse aumento de preços, aumentando assim a virulência da inflação e a difusão no espectro de preços.

 

Se o Bacen subir juros, dado o nosso choque de oferta mundial, pouco adiantaria para controlar o preço dos insumos iniciais, combustível, commodities e/ou energia elétrica, pois as nossas decisões de política monetária doméstica não afetariam a produção e os preços determinados lá fora e nem aqui dentro, quando falamos de preços formados por fatores exógenos (bandeira roxinha). Por outro lado, ao subir os juros e praticar uma política monetária contracionista, conteria o repasse desses aumentos para toda a cadeia de produção, limitando, portanto, a difusão na formação dos preços dos bens e serviços, além de aumentar o custo financeiro das empresas, retroalimentando o impacto contracionista da decisão.


Veja também: "Brasil tem grandes oportunidades, mas polarização política pode custar caro"


É fato, não obstante, que uma política monetária contracionista, com aumento de juros em um cenário de choque de oferta limitaria a difusão no aumento de preços, mas obviamente sua eficácia não seria tão grande, posto que, como dissemos, o BACEN não consegue ter ingerência alguma na formação de preços externos ou exógenos.

 

Ao final, apesar de acreditar que o BACEN continuará com seu recrudescimento monetário, o impacto contracionista na economia real tende a ser maior, porém menos efetivo no controle inflacionário. Percebe-se agora que em momentos de solidão e autoconhecimento, a pergunta “ser ou não ser” às vezes parece mais fácil de responder, do que “subir ou não subir” os juros. 

*Roberto Dumas é economista e professor do Insper.

Add new comment

HTML Restringido

  • Allowed HTML tags: <a href hreflang> <em> <strong> <cite> <blockquote cite> <code> <ul type> <ol start type> <li> <dl> <dt> <dd> <h2 id> <h3 id> <h4 id> <h5 id> <h6 id>
  • Lines and paragraphs break automatically.
  • Web page addresses and email addresses turn into links automatically.