A sucessão dos direitos autorais no ordenamento jurídico brasileiro

É fundamental que os autores realizem um planejamento sucessório desses direitos ainda em vida/Canva
É fundamental que os autores realizem um planejamento sucessório desses direitos ainda em vida/Canva
Eles podem ser objeto de testamento, transferência e cessão.
Fecha de publicación: 17/03/2022

Os direitos autorais concedem proteção às obras intelectuais e visam a incentivar o desenvolvimento da cultura por meio da limitação dos direitos de terceiros sobre a exploração da criação durante um período determinado de tempo, respeitadas as condições estabelecidas em lei.

A referida proteção é estipulada no art. 5°, inciso XXVII, da Constituição Federal, que outorga aos autores o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, incentivando a produção artística, científica e literária, que configuram a propriedade intelectual do autor.

Além da Constituição Federal, a propriedade intelectual dos autores encontra proteção na Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610, de 19 de fevereiro de 1998), que assegura ao autor os Direitos patrimoniais e morais sobre sua obra.

Os artigos 24 a 27 da Lei 9.610/98 regulam os direitos autorais morais do autor, que são definidos como aqueles que se relacionam diretamente com sua personalidade, sendo inalienáveis e irrenunciáveis, permitindo ao autor, por exemplo: reivindicar o reconhecimento de autoria de suas obras; ter seu nome mencionado como sendo do autor na utilização de suas obras; conservar a obra inédita; e ainda o direito à manutenção e integridade de suas obras.


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Já os direitos autorais patrimoniais são regulados pelos artigos 28 a 45 da Lei 9.610/98 e definem-se como aqueles relacionados ao proveito econômico das obras, pertencendo originalmente ao autor os ganhos provenientes de sua utilização, ou seja, sua reprodução, distribuição, interpretação, execução ou adaptação.

Ressalta-se que os Direitos Autorais Patrimoniais podem ser transferidos pelo autor a outrem, resguardando-lhe, nesse caso, apenas os direitos morais supramencionados, que não são passíveis de alienação de qualquer espécie. Desse modo, observam-se alguns cenários possíveis no que se refere à sucessão dos direitos autorais, a depender da adoção ou não de medidas pelo autor quando ainda em vida.

Hipótese de transferência pelo Autor dos Direitos Autorais Patrimoniais

 

Sendo assim, ante a possibilidade de transferência dos direitos autorais patrimoniais, é permitido que o autor os transmita ainda em vida, como regularmente ocorre, por exemplo, na cessão de parte ou do todo desses direitos às gravadoras.

 

Ocorrendo a transferência do todo, após a morte do autor esses direitos não comporão o espólio e, consequentemente, não serão objeto de partilha, uma vez que os Direitos Autorais Patrimoniais sobre as obras não compunham patrimônio do autor quando da sua morte, mas de quem os adquiriu.

 

Desse modo, caberá aos herdeiros o exercício apenas dos Direitos Morais do autor, que preservam-se após sua morte e transmitem-se aos sucessores, como determina o §1°, art. 28, da Lei de Direitos Autorais.

 

Por outro lado, caso tenha ocorrido a transferência de apenas parte desses direitos, após o evento morte, os herdeiros deverão receber o quinhão que cabia ao autor, compondo o espólio e sendo objeto de partilha em inventário, conforme procedimento a ser descrito adiante.

Hipóteses de não transferência pelo Autor dos Direitos Autorais Patrimoniais ou de transferência parcial

 

Desse modo, caso o autor não transfira a totalidade dos direitos patrimoniais ou mantenha a integralidade destes, deverão ser transmitidos por via sucessória aos herdeiros, quando da morte do autor.

As regras para a sucessão desses direitos patrimoniais são determinadas pelo Código Civil, sendo que seu destino dependerá da estrutura familiar de quem os pertence no momento da morte — o que determina quem são os herdeiros — e a existência ou não de testamento deixado pelo detentor desses direitos.

Os direitos autorais patrimoniais constituem direitos economicamente relevantes do autor e, por isso, podem ser objeto de testamento, assim como de transferência e cessão. Não havendo testamento que os determine o destino, devem integrar o espólio e ser objeto de partilha em inventário, onde será formalizada a distribuição entre os herdeiros.

Cumpre salientar que, conforme o princípio de Saisine, com o falecimento de uma pessoa, seus bens são imediatamente transferidos aos sucessores, bem como os direitos patrimoniais, conforme consagrado pelo Art. 1.784 do Código Civil. No entanto, os herdeiros somente terão a posse indireta desses bens e direitos, configurando-se a posse direta apenas com a partilha em inventário.

Sendo assim, havendo herdeiros, o Código Civil determina que, após a morte, até a assinatura do termo de compromisso pelo inventariante, o espólio, do qual fazem parte também os direitos autorais, ficará na posse de um administrador provisório, o qual será estabelecido conforme a ordem do art. 1.797 do CC.

Primeiro, o cônjuge ou companheiro(a), depois o herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, o testamenteiro e, na falta de todos os anteriores, pessoa indicada pelo juiz do processo de inventário.

Iniciado o inventário, da assinatura do termo de compromisso até a homologação da partilha, a administração da herança será exercida pelo inventariante (Art. 1.991, CC), o qual deve ser nomeado seguindo ordem estabelecida pelo Código de Processo Civil, em seu art. 617. Primeiro, o cônjuge ou companheiro(a). Depois, sucessivamente, na falta da opção anterior, um dos herdeiros, o testamenteiro, o inventariante judicial e a pessoa indicada pelo juiz do processo de inventário.

Nomeado o inventariante, incumbirá a ele a representação e administração do espólio, dentre outras atribuições — elencadas pelo Art. 618 e 619 do Código de Processo Civil —, das quais se destacam, principalmente, a administração do espólio e a alienação de bens com a autorização do Magistrado.

Enquanto perdurar o inventário, os valores provenientes de rendimentos das obras ficarão sujeitas a determinação judicial, de maneira que os herdeiros não sejam prejudicados. O mais comum é realizar depósitos judiciais às contas bancárias vinculadas à vara judicial em que tramitam os autos do inventário, para que o juiz autorize o levantamento dos valores em momento oportuno, quando encerrada a partilha.

Finalizado o inventário, os direitos autorais patrimoniais serão finalmente transmitidos aos herdeiros, que serão agora os responsáveis por receber os rendimentos decorrentes das obras e administrarão os direitos patrimoniais antes pertencentes ao autor. Já no que se refere aos direitos morais, apesar de irrenunciáveis e inalienáveis, também são transferidos aos sucessores em caso de morte do autor, nos termos do §1°, art. 24, da Lei de Direitos Autorais.

 

Por fim, o art. 41 da Lei de Direitos Autorais determina que os direitos patrimoniais sobre as obras perduram por 70 anos após a morte do autor. Findo este prazo, a obra pertencerá ao domínio público, podendo ser utilizada sem que gere proveito econômico aos herdeiros, mas devendo ainda serem resguardados os direitos morais do autor sobre as obras.

 

Além do caso supramencionado, também pertencem ao domínio público as obras de autores falecidos que não tenham deixados sucessores, sendo inviável, portanto, a transmissão desses direitos, e as de autores desconhecidos, conforme determina o Art. 45 da Lei 9.610/98.


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Possibilidade de planejamento sucessório pelo Autor

 

A administração dos direitos autorais é um tema de extrema importância, sendo ideal que, se possível, os autores realizassem esse planejamento em vida, para que suas obras sejam bem administradas após a morte, de acordo com sua vontade.

 

Isso, porque são diversos os casos em que os herdeiros responsáveis pela administração se envolvem em disputas e litígios que prejudicam a administração adequada das obras, gerindo-as de forma inapropriada e de modo distinto daquele que o autor desejaria.

 

Por isso, fundamental que seja difundida a possibilidade de que os autores realizem um planejamento sucessório desses direitos ainda em vida, indicando, por exemplo, em período anterior à sua morte, quem deve ser o responsável pela gestão desses direitos.

 

Tratando-se dos herdeiros, é de mesma importância que seja realizada a partilha e a transferência de titularidade desses direitos de modo adequado, para que a titularidade possa ser comprovada perante terceiros e que os proveitos econômicos advindos das obras possam ser recebidos pelos herdeiros.

 

Nesses cenários, recomenda-se a atuação de uma equipe jurídica especializada, que seja capaz de delimitar as especificidades do caso concreto e auxiliar os autores e herdeiros nos procedimentos que envolvem os direitos autorais e sua sucessão.

 

*Davi Ory, Pedro Bittencourt e João Pedro Ramos são, respectivamente, sócios e estagiário do Malta Advogados.

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