Governança corporativa no México e no Brasil

Brasil tem uma estrutura mais sólida com o enfrentamento de questões mais complexas, análise pode preparar melhor as empresas mexicanas/Unsplash
Brasil tem uma estrutura mais sólida com o enfrentamento de questões mais complexas, análise pode preparar melhor as empresas mexicanas/Unsplash
Os dois países tentam implantar programas de compliance e anticorrupção.
Fecha de publicación: 14/05/2021

A governança corporativa tem sido assunto constantemente discutido em muitos países da América Latina nos últimos anos. Certamente, a pandemia confrontou as organizações com desafios adicionais de governança corporativa que provavelmente permanecerão. Mas antes disso, havia uma série de novos avanços que já estavam sendo considerados, discutidos e implementados na região, de forma bastante dinâmica.

 

Esse contexto nos despertou o interesse em fazer um exercício de comparação dessas práticas em nossos respectivos países, México e Brasil, para analisar o quão próximos ou distantes estão um do outro nesse sentido.


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Nossos resultados mostram algumas tendências comuns em ambos os países, particularmente, em relação à importância de incorporar práticas robustas de governança corporativa como parte do desenvolvimento e da implementação de programas de compliance e anticorrupção. No entanto, no Brasil parece já ser perceptível uma estrutura mais sólida com o enfrentamento de questões mais complexas, cuja análise poderia preparar melhor as empresas mexicanas para os problemas que provavelmente enfrentarão em alguns anos, à medida que a estrutura atual amadurece.

 

Tendências de governança corporativa no México

 

Hoje em dia, um dos principais objetivos de qualquer conselho de administração é criar valor de longo prazo para a empresa. Para atingir esse objetivo, é de extrema importância que o conselho de administração esteja ciente das principais questões que preocupam a organização.

 

Então, para identificar as tendências de governança corporativa no México, o melhor ponto de partida é analisar essas principais questões de preocupação no setor empresarial. Na verdade, nota-se que a maioria das tendências em governança corporativa que vemos no setor se desenvolveu em resposta a essas necessidades de negócios.

 

Após um 2020 de profundas mudanças que tiveram que ser aplicadas para neutralizar os efeitos da pandemia, as empresas estão focadas nos seguintes temas: subsistência e estabilidade financeira, bem como no desenvolvimento de uma maior resiliência financeira para o futuro; transformação digital, incluindo a implementação de uma cultura de inovação e disrupção que permita enfrentar a concorrência e projetá-la no futuro; fortalecimento da cultura de ética e compliance das empresas e a implementação mais ampla de programas de compliance e anticorrupção, para atender às expectativas dos reguladores e do mercado; promoção de uma cultura corporativa orientada para o bem-estar e desenvolvimento dos funcionários que incentive a diversidade e inclusão e celebre a curiosidade e agilidade nos negócios e redefinição do propósito da empresa, certificando-se de considerar as necessidades de todas as partes interessadas e respeitar o meio ambiente.

 

Sem dúvida, são temas de grande magnitude e complexidade, vários deles correspondem diretamente e/ou fazem parte das responsabilidades atribuídas ao conselho de administração. Desse modo, como as práticas abordadas nas reuniões de conselho foram modificadas? Quais práticas de governança corporativa surgiram como resultado disso?

 

As tendências de governança corporativa que estamos observando podem ser agrupadas em três áreas:

 

1.    Composição dos Conselhos: o foco passou a ser como incorporar uma maior diversidade de opiniões no conselho, capaz de abordar questões complexas e diversas de preocupação que as empresas estão enfrentando. Tal precedente tem motivado práticas inovadoras de governança, como a incorporação de mulheres aos conselhos; a redução do tempo de mandatos e das idades de aposentadoria para encorajar uma maior rotatividade de assentos; e uma seleção mais estratégica de seus integrantes, explorando candidatos que fujam do convencional. Da mesma forma, as empresas estão evitando ou mesmo proibindo seus diretores de fazer parte de muitos Conselhos, prática conhecida como overboarding.

 

2.    Pauta dos Conselhos: Para atender às necessidades das empresas, os diretores tiveram que incorporar à pauta um número maior de questões que vão muito além das financeiras. Isso exigiu que eles se familiarizassem com uma diversidade de novos temas, muitas vezes excedendo suas áreas de especialização, como questões ESG, transformação tecnológica, segurança cibernética e cultura corporativa. Essa nova postura também levou as organizações a convidar especialistas e/ou criar comitês consultivos ou grupos de trabalho para se tornarem razoavelmente experientes nesses assuntos.

 

3.    Funcionalidade dos Conselhos: Para atender a uma agenda complexa em tempo hábil, ações importantes foram implementadas. Por exemplo, os conselhos começaram a incorporar soluções tecnológicas seguras para melhor administrar suas atividades, injetar mais dinamismo nas sessões e promover um maior e mais oportuno fluxo de informações com a administração. Outra tendência interessante é que as sessões do Conselho estão acontecendo com mais frequência, deixando menos tempo entre as reuniões, e um percentual mínimo de presença dos diretores vem sendo estabelecido. Por fim, dado o foco na criação de valor e na garantia de que o conselho opere de forma eficiente e eficaz, alguns conselhos realizaram avaliações independentes que analisam seu desempenho individual e coletivo.

No entanto, é importante lembrar que, para que essas tendências tenham maior alcance e se tornem uma prática generalizada em um prazo razoável, serão necessárias mudanças regulatórias. No México, a lei fornece apenas uma estrutura básica de governança corporativa que não reflete as necessidades atuais. Embora a Lei do Mercado de Valores Mobiliários contemple um regime mais ambicioso, existem poucas empresas no país listadas nas bolsas mexicanas.

 

De fato, algumas das boas práticas de governança corporativa que vêm sendo adotadas e que são tendência foram desenvolvidas a partir de esforços não vinculativos, como o Código de Mejores Prácticas Corporativas, emitido pelo Consejo Coordinador Empresarial, ou são o resultado da implementação de esquemas de autorregulação promovidos principalmente por exigências e expectativas contidas no Acordo dos Estados Unidos, México, Canadá (USMCA), demandas de investidores e/ou exigências de bolsas de valores para empresas listadas no exterior.

 

Tendências de governança corporativa no Brasil

 

De uma perspectiva brasileira, que compartilha das mesmas preocupações e desafios mexicanos já mencionados, podemos adicionar as seguintes cinco tendências:

 

1.    Informe de Governança Corporativa: Desde 2018, as companhias abertas brasileiras devem preparar os chamados “Informes de Governança Corporativa”, que precisam ser elaborados, apresentados e atualizados anualmente. Uma das tendências será o acompanhamento e a comparação das versões desses informes, a fim de entender melhor não apenas como a organização cumpre com os requisitos legais e formais de governança corporativa e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), mas também como ela entende e pretende aprimorar suas práticas e mecanismos para o futuro (estratégia regulatória do "aplique" ou "explique"). A avaliação desse material e o entendimento mais próximo dessas companhias serão extremamente relevantes e também uma tendência significativa na governança corporativa brasileira para os próximos anos.

 

2.   Deveres fiduciários: Os tribunais e a CVM (no caso de companhias abertas) devem delinear e detalhar melhor os contornos dos deveres fiduciários (diligência, obediência e lealdade) dos membros da diretoria e dos conselhos de administração. Esses deveres amplos, que são interpretados caso a caso, devem ser mais bem estudados e internalizados por tais administradores.  Observa-se que muitos deles não estão devidamente informados, preparados ou mesmo treinados adequadamente, principalmente para enfrentar os atuais desafios incertos, complexos e multidisciplinares dos negócios na atualidade. Há um risco crescente de serem pessoalmente responsabilizados por riscos inesperados, especialmente em questões trabalhistas, de consumo, tributárias e ambientais, e de arcarem com os custos e efeitos de reputação que aumentam consideravelmente os custos de operações para essas funções.

 

3.    Governança corporativa em outras organizações: A governança corporativa para companhias abertas tem sido uma discussão mundial nas últimas duas décadas, pelo menos. Uma das tendências que observamos no Brasil é uma discussão mais detalhada e profissional das questões de governança corporativa relacionadas a outras organizações, como empresas públicas, sem fins lucrativos e sociedades de economia mista, e até mesmo startups. O Brasil está atualmente sob um governo mais liberal, que promete realizar, por exemplo, vários processos de privatização. Discussões de governança corporativa estão sendo conduzidas neste exato momento no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e outros importantes agentes privados e governamentais estão atualmente conduzindo discussões profundas sobre governança corporativa relacionadas aos diversos processos de privatização em andamento e também por outros importantes agentes públicos e privados, que continuarão pelos próximos anos, pelo menos.

 

4.    Governança "dos outros": O Brasil experimentou uma forte “onda de compliance” nos últimos anos como resultado de vários escândalos de corrupção que foram deflagrados, relatados e processados​​ pelas autoridades locais. Como consequência, muitas organizações iniciaram ou aprimoraram suas estruturas de compliance. A preocupação que testemunhamos atualmente é como avaliar a governança ou o compliance dos parceiros de negócios e demais stakeholders relevantes. Muitas organizações estão considerando essa “governança dos outros” como uma estratégia de diferenciação, principalmente em setores de negócios com baixo crescimento, por conta dos riscos financeiros, jurídicos, de gestão e de reputação que essa relação “insegura” pode acarretar. Antecipando esses problemas por meio do aprimoramento da verificação de antecedentes, auxiliando os stakeholders relevantes, e ampliando ferramentas e mecanismos de gestão de crise e de terceiros, acreditamos que essa parece ser uma tendência para as organizações brasileiras nos próximos anos também.

 

5.    Questões ESG: Não diferentemente de outros países e impactado pela pandemia da Covid-19, o Brasil foi atingido pela chamada “onda ESG”. Investidores, reguladores, conselheiros, diretores e empresários em geral estão discutindo seriamente como direcionar as organizações brasileiras para essas práticas. Medidas estruturais, procedimentais, pessoais e culturais estão sendo tomadas com diferentes estratégias e ritmos, e logo veremos quais desses movimentos são legítimos e quais são apenas estratégias de greenwashing, ou seja, como mera "propaganda enganosa". Atualmente, há uma ampla discussão sobre ESG, incluindo programas executivos online, livros e artigos sobre o assunto, além de discussões e estudos publicados em mídia especializada.

 

*Daniela Ortega Sosa é sócia fundadora da LEC, Litigio Estratégico y Compliance - escritório de advocacia mexicano especializado em questões de compliance e governança corporativa. André Antunes Soares de Camargo é sócio do TozziniFreire Advogados especializado em direito societário, governança corporativa e fusões e aquisições.


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